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Ricardo Tavares 20/07/2020 21:16
    A Primeira Aratu – Maragogipe

    A Primeira Aratu – Maragogipe

    Essa foi a primeira Aratu - Maragogipe que participei. Já tinha participado de outras regatas. Foto da Internet.

    Vela

    Fiquei afastado de qualquer atividade esportiva por quinze anos. Quando voltei comecei a registrar as regatas de saveiros da Bahia. Eram principalmente a João das Botas (somente embarcações típicas) e a Marcílio Dias (em comemoração a Semana da Marinha). Depois as regatas Bahia Azul, Lev Smarcevski e da Primavera. Colocava tanto as fotos como os relatos em um blog, no VilaBol.

    Mostrava essas crônicas a diversas pessoas. Foi aí que um amigo meu chamado Ivo leu alguns relatos e me convidou para participar, em seu veleiro moderno, de fibra de vidro, da Aratu – Maragogipe. Para quem não conhece essa regata é a mais extensa (60 km) e com a maior quantidade de embarcações (177 veleiros, em 2019) da Bahia, e é realizada na Baía de Todos os Santos entre a Baía de Aratu, em frente a Ilha de Maré, na localidade de Botelho, até Maragogipe.

    Só um porém, sempre registrava essas regatas com fotos e textos. E como falei anteriormente, publicava no VilaBol, o VilaBol fechou e tudo que estava lá acabou se perdendo. Então, esse texto é de memória e as fotos se foram. Essa regata aconteceu no ano de 2007.

    Ivo passou em minha casa bem cedo, dando carona tanto para mim quanto para Pita que já estava no carro. Seguimos para o Aratu Iate Clube onde o veleiro dele estava ancorado. Entramos na embarcação e começamos os preparativos. Como era a primeira vez que estava como tripulante fui solicitando o que poderia fazer.

    Limpar o cockpit foi minha primeira função, a segunda foi levantar a vela, na qual fiz com muito orgulho. Nos dirigimos para a largada. E começamos a conversar sendo embalado pelo vento. Ivo contou que tinha acabado de adquirir sua carteira de Capitão Amador (existem três categorias de amadores, a primeira, Arrais Amador – águas interiores. A segunda, Mestre Amador, navegação pela costa litorânea sem perder a terra de vista. E a terceira, Capitão Amador, navegação entre continentes, mar aberto). Pita citou que estava estudando para tirar sua carta de Capitão Amador, pois, já era Mestre. O marinheiro, o quarto integrante da tripulação a ser apresentando falou que toda a sua vida foi em veleiros, e citou que já tinha muita experiência. Perguntaram para mim qual era a minha vivência nos veleiros. Falei que até agora tinha limpado um cockpit e erguido uma vela, todos riram.

    Passamos direto pela linha de chegada, sem confirmação para os organizadores. Ou seja, queimamos a largada e abrimos mão de qualquer premiação, trocando em miúdos, fomos desclassificados. Para mim, Ivo não queria se comprometer em provar suas habilidades como velejador.

    Já a caminho para a Barra do Paraguaçu notei que tinha água dentro do barco e questionei.

    - E essa água aí?

    - Não se preocupe, é água da chuva, esquecemos uma gaiuta aberta. Falou Ivo.

    Mas, o que pude notar é que estava entrando água na embarcação. Alertei a todos, outra vez, dessa possibilidade. Aí foi a maior gozação. “O mancebo está com medo de morrer” e outras frases que mexeram com meu ego. Afinal de contas, esse medo eu não tinha. Pois sou proprietário de um belo currículo aquático. Na casa dos meus pais, onde vivi até os meus vinte e cinco anos ininterruptos e depois disso nas férias, passa o Rio de Contas, no qual, era minha diversão diária. Nesta rua, chamada de Beira Rio, tem um porto de areia, que eram tiradas através de canoas de madeira. E onde aprendi diversas técnicas de natação, mergulho, remo e varação(1).

    Vale lembrar que fui resiliente. Minha mãe, por medo de afogamento ou ataque de cobras – que existia em grande quantidade no rio – me prometeu uma surra toda vez que fosse tomar um banho em suas águas. Em três meses as surras cessaram, minha mãe apresentou um quadro de bursite por causa do movimento de erguer o braço, até que ela tentou com o braço esquerdo, mas não tinha coordenação motora. Esse foi meu passaporte para as aventuras.

    Voltando a nossa regata. Uma madeira que apresentava uma mancha me ajudou saber se a embarcação estava “fazendo água” ou não. Primeiro esse ponto esta acima d’água, depois a água o alcançou e logo em seguida já não o via mais. Realmente o barco estava fazendo água.

    Falei de novo, de uma maneira que se chama a atenção, desta vez mais incisivo. Ivo pediu ao marinheiro que verificasse se realmente estava entrando água. Neste momento se ouviu um grito que vinha de dentro do veleiro: “Seu Ivo, o ladrão se soltou!”. Aí foi uma correria, um pânico. “Pega o balde Ricardo”. Quando abaixei a cabeça para tirar a primeira golada de água tive que travar a garganta para o vômito não sair. Falei isso para Ivo, ele foi incisivo que todos deveriam contribuir, o marinheiro retrucou: “Seu Ivo, deixa ele lá, se ele vomitar aqui vai piorar minha situação”. Acabamos tampando o furo e deixaríamos para tirar a água quando chegasse a Maragogipe. Eu como estava muito enjoado fiquei comendo a cenoura ralada da farofa até chegar ao final da regata.

    Chegando em Maragogipe ancoramos o barco junto com outros dezenas de veleiros, lado a lado, bem organizados. Acertamos de Ivo ficar no veleiro. Eu, Pita e o marinheiro iríamos tentar um pernoite na cidade (a ideia foi de Ivo, perguntamos se ia ficar tudo bem, ele falou que sim, tinha trazido mantimentos para a janta e o café da manhã). Logo que a embarcação não iria comportar todos com um devido conforto. Apresentado um bilhete, que foi dado pela organização da regata, pegamos nossa condução até o píer da cidade, este, é mais de 200 metros. No início do píer, um pequeno abrigo com banheiro. Já eram quase 18 horas e começava a escurecer. Fomos procurar hotel ou pousada, mas já estavam sem mais vagas já havia quatro meses. Pita lembrou de um tio, entretanto, a casa já estava lotada, nem espaço físico existia para dormir lá. Foi lá que tomamos um banho e depois seguimos para o centro da cidade.

    Já na festa, teve uma coisa que me chamou a atenção e outra que agradeço a Deus por ter presenciado. A primeira, foram as tribos: do rock, do axé, do reggae, entre outras. A tribo do rock alugou um clube onde dançavam um sacudindo o outro ou balançando a cabeça – não sei se no outro dia estavam com dores de cabeça de tanto executar esse ritual. As tribos não se misturavam, porém, havia um respeito entre elas. A outra foi uma surpresa, um show de Belchior.

    Quando Edson Gomes começou a cantar voltamos para o píer, para dormir no veleiro, pois já estava ficando tarde, já era 11 horas da noite. Pegamos uma canoa até o local onde ancoramos o veleiro e o mesmo não se encontrava lá. Rodamos por mais de uma hora a procura e não achamos. Uma coisa diferente me chamou a atenção, só que não pude interpretar, deixamos os veleiros ancorados lado a lado, mas estranhamente as embarcações não estavam mais lá. Mais de 100 metros abaixo um monte de veleiros “apinhado”. Parecia que se tinha criado um bolo e jogado lá a pura sorte. O canoeiro falou que não poderia mais procurar pois o dinheiro ganho na regata ia gastar todo na gasolina. Voltamos para o píer.

    Especulamos o que teria acontecido. Voltado para Salvador? Não. O furo do veleiro não foi tampado direito e afundou? Também não, iríamos saber se isso acontecesse. A pergunta ficou no ar.

    Tentamos dormir no píer, mas o frio era muito grande, fomos para o abrigo do píer onde tinha um banheiro. Imagine 170 embarcações, a quantidade de pessoas que passaram por ali. Então, dá para imaginar o fedor que estava. Mas, dormimos ali mesmo. Por volta das 4:30 – 5:00 da manhã os primeiros raios de sol iluminaram o píer e eu fui me aquecer me expondo ao sol. Só tinha dormido por mais ou menos uma hora. Pita logo viu o veleiro de Ivo que estava atracado a outro veleiro maior. Quando a noite não dava para ver, pois as duas embarcações pareciam uma só. Por isso, não a encontramos.

    Entramos a bordo e partimos para a Baía de Aratu onde Ivo ancora o seu barco. Ele explicou o acontecido, tinha passado uma correnteza muito forte e estava levando os veleiros. Então ele pediu a uma embarcação de médio porte, que estava bem ancorada para atracar os dois barcos. Jogados os cabos e as defensas o veleiro de Ivo não desceu a correnteza, o que não aconteceu com os outros barcos, isso explica o “apinhado” de veleiros que vimos antes de irmos para o píer.

    Pita e marinheiro foram dormir. Eu já não conseguia mais dormir de todo o stress e acabei fazendo companhia a Ivo que navegava no motor de volta a Baía de Aratu. Já na saída da Barra do Paraguaçu Ivo seguiu direto para Aratu. Notei que os veleiros guinavam para bombordo (esquerda) e logo depois para boreste (direita). Na hora entendi o que estava acontecendo, meu olhar clínico, provavelmente experiência adquirida na infância e juventude ajudaram-me a “matar a charada”: logo a frente tinha um lajedo. Falei isso para Ivo, ele olhou, balançou a cabeça e seguiu o percurso dos outros veleiros.

    Quando estávamos perto da Baía de Aratu vi vários barcos guinando para boreste, questionei. Falaram que eram embarcações que iam para a Ribeira. Não demorou muito e o veleiro visto de longe guinou para boreste. Pensei comigo, “estamos nos metendo em encrenca de novo?”.

    O veleiro estava desviando da parte mais rasa do caminho e entrando por um canal para chegar em Aratu, dessa vez o bom senso não prevaleceu, não dava mais tempo de desviar, fizemos o cálculo através do sonar – que indicou um fundo de pedra – o torpedo da quilha passou a trinta centímetros do fundo.

    Finalmente chegamos no Aratu Iate Clube sãos e salvos. Pela primeira vez fazendo parte da tripulação pude fazer a diferença duas vezes, criar mais confiança em mim e, por fim, notei que tinha um olhar diferenciado em esporte outdoor.

    Em breve mais aventuras!

    Glossário:

    1. Varar, varação: andar de canoa ou saveiro através de varas.

    Mais aventuras no site http://www.ubatombo.com.br.

    E no canal Ubatombo do You Tube: https://www.youtube.com/user/ricardolealtavares/videos?view_as=subscriber

    Ricardo Tavares
    Ricardo Tavares

    Publicado em 20/07/2020 21:16

    Realizada de 25/08/2007 até 26/08/2007

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    Ricardo Tavares

    Ricardo Tavares

    Ubatã/Feira de Santana - Bahia

    Rox
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    Aventureiro, remador, piloto de motocross, esportista, pescador. escritor, planejador. entre outros.

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