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Rogério Alexandre Francis 08/01/2020 15:30
    Pernada Arqueológica

    Pernada Arqueológica

    Caminhada pelos sítios arqueológicos da Serra da Capivara - Piauí

    Trekking Road Trip

    Nesse Brasil semidesconhecido de tantos, escondem-se riquezas e belezas das quais ninguém fala. Não aparecem nas telinhas, não dão lead para os jornais... são conhecidos de poucos felizardos, iniciados ou moradores das proximidades.

    Não é esse o caso dessa pernada. A Serra da Capivara aparece, vez por outra, na grande mídia. São reportagens breves, versando sobre a importância dos vestígios materiais encontrados nos mais de 700 sítios arqueológicos que se espalham pelo parque e pelos arredores.

    Já me era conhecido o Parque Das Sete Cidades, bem como o Delta do Parnaíba, as margens do Rio Jenipapo, palco da Batalha de Jenipapo (uma das muitas batalhas que foram travadas nesse solo de homens que se diz serem cordatos), já havia comido capote no Nunes (Campo Maior) e caranguejo em mais de 30 botecos, em busca do “melhor caranguejo do Piauí”. Já me banhara em balneários, cachoeiras temporãs e na chuva tão incerta por aquelas plagas. Ainda assim, havia ainda algumas localidades que queria conhecer, entre elas a Serra da Capivara, com acesso por São Raimundo Nonato, a Serra das Confusões, e a Nascente do Rio Parnaíba, ambas protegidas por Parques Nacionais ainda em implantação, e portanto, ainda muito preservados (e pouco acessíveis, de modo geral).

    Com os poucos dias que teria disponíveis em dezembro, precisei condensar a viagem, de forma que iria apenas para São Raimundo Nonato. De lá, faria as incursões pela SC e vizinhanças. Combinei com uma amiga que mora em Floriano a data em função das folgas que conseguiria. Peguei passagem para Teresina, planejei locar um carro com motor 1.6 para maximizar a segurança nas ultrapassagens. Hotel veria in loco, tendo como alternativa a pernoite em motéis, que já me atendera em viagens anteriores pelos interiores do Nordeste.

    Cheguei em Teresina às 23h de quinta e, pouco antes da meia noite estava na estrada, à caminho de São Raimundo Nonato, com escala em Floriano, onde encontraria a Mayra, amiga mineira, fisioterapeuta formada no RJ e que trabalha e mora ali. A intenção era aproveitar a adrenalina da viagem, buscando fazer o primeiro pouso a partir de Floriano, uma das maiores cidades do Piauí. Dessa forma, não seriam tantas horas contínuas ao volante e permitiria chegar para o almoço no Soares, uma das referências de boa comida em São Raimundo Nonato.

    Ela já havia me informado sobre a boa qualidade da estrada entre Teresina e Floriano, mesmo assim procurei ficar bastante atento à potencial presença de animais na pista, evidenciada por marcas de frenagens abruptas, com preocupante frequência. A cada uma hora, mais ou menos, fiz breves paradas nos postos de combustível do caminho, para um gole d’água, esticar as pernas e tomar um café. Pouco após as 4h da madrugada, encontrei minha amiga e parei para dormir algumas horas.

    Com o dia já claro, retomamos a viagem pouco após as 7 horas, petiscando no caminho algumas das tradições regionais que minha amiga, já habituada a culinária local, me apresentava. Com o menor afluxo de veículos conforme nos afastávamos do eixo Teresina-Floriano, os buracos se fizeram presentes, obrigando a utilizar a pista contrária em diversas ocasiões. Combinamos de fazer o retorno de forma a passar por esse trecho na volta com o dia claro. A presença de animais (caprinos, muares, equinos e raros bovinos) nesse trecho se mostrou muito frequente, com o consequente aumento do risco para os viajantes.

    Chegamos em São Raimundo Nonato pouco após o meio dia e buscamos a casa do Seu Soares, referência em galinha caipira por muitos quilômetros. Muito saborosa e de valor bem razoável, pecando apenas pelas reduzidas opções de bebidas. Ficamos com água (gelada) e uma cerveja, que, com alguma vontade, se poderia dizer “fresca”....

    Aproveitamos a tarde para conhecer o Museu do Homem Americano e na sequência o Museu da Natureza. O primeiro, com todo o contexto do processo de criação do Parque da Capivara, tem uma história incrível, que seria esmiuçada com o guia durante a visita ao parque no dia seguinte.

    O Museu da Natureza, apostando em uma abordagem mais interativa e lúdica encantava crianças e adultos informando sobre os processos geológicos e geomorfológicos que criaram as estruturas físicas onde os habitantes primevos do continente deixariam seus registros em pinturas rupestres, ferramentas e refugos de evidências líticas ou mesmo pela própria ocupação da região, com restos de fogueiras, túmulos, lixeiras.

    Encontramos uma pousada de valor não muito elevado, combinamos com o guia de partimos as 7:00para começarmos a visita com o frescor da manhã. Para jantar, escolhemos conhecer outra referência gastronômica da cidade, o Bode Assado do Tangá. O que se revelaria uma excelente opção, a cerveja estava geladíssima, o atendimento era eficiente e a comida, saborosíssima.

    Pouco antes do horário combinado, o guia chegou e, de café tomado e com pouco mais de 2 litros de água por cabeça, seguimos em direção ao parque, entraríamos pela portaria do Desfiladeiro da Capivara. A escolha de começar por essa região decorre de ser onde os trabalhos da arqueóloga Niède Guidon na Serra da Capivara começaram. O trajeto, partindo de SRN segue em direção à Oeiras, passando por Coronel José Dias, para depois subir uma serrinha até quase que seu topo se deixar a estrada pavimentada pela esquerda para entrada no parque.

    Fizemos o registro na portaria Desfiladeiro da Capivara e seguimos, pelo traçado da antiga rota entre as cidades de SRN e Coronel José Dias. Essa estrada, antes da implantação do parque era percorrida por veículos de passageiros e de carga em ambos os sentidos, e ainda antes por tropeiros, o que tornava as visitações mais difíceis, dada sua reduzida largura. Atualmente, com o trânsito permitido em apenas um sentido e apenas para visitantes acompanhados de guia credenciado, não apresenta dificuldade para tráfego ou para parada nos pontos próximos aos sítios.

    Deixamos o veículo na estrada e subimos por uma breve trilha até o primeiro sítio, Toca do Pajaú. A subida, a partir de onde deixamos o carro, é bastante curta e, em poucos minutos, alcançamos a área de visitação. As pinturas, dispostas em nível em relação ao que era o piso do abrigo à época, mostravam cenas da vida cotidiana. Ali já houve escavações em busca de vestígios de fogueiras, enterros e ferramentas lítica

    s que propiciassem melhor entendimento da presença humana naquele trecho.

    Retomamos pela trilha até o veículo e seguimos a visita passando pela Toca do Barro, onde pode-se observar as pinturas num paredão de conglomerado de pedras, toca do Paraguaio, um ermitão que viveu ali por alguns anos e zelava pela preservação da região. Passamos também pela Toca do Inferno, onde os paredões rochosos criam um microclima bastante fresco, apesar do sol abrasador que nos acompanhava desde cedo. Por ser abrigado do vento e do sol e ter maior umidade, as árvores, nessas reentrâncias remanescentes dos tributários do rio principal crescem mais altas e sem quase que nenhum galho até alcançar o topo do cânion. Observamos pinturas apontando movimento, como cervos com a cabeça voltada para trás. Essa representação é clássica dos grupos que frequentaram a região em período mais recente.

    Passamos pelo Toca da Entrada do Baixão da Vaca, onde havia uma miríade de borboletas amarelas, aproveitando os reservatórios de agua para se hidratarem e absorverem sais depositados na terra, pela evaporação da água, um verdadeiro parapanã. As imagens da Mayra, dentro da nuvem amarela que revoava ao seu redor ficaram maravilhosas. Eu já havia visto o fenômeno, mas nunca com tal intensidade. Percorremos uma trilha leve até alcançar o abrigo, na encosta do paredão esquerdo. Ali, havia uma infinidade de pinturas, que nosso guia informou ter ajudado a contar e catalogar como 749, de diversos motivos (sexo, celebrações de fecundidade, caça). Depois seguimos subindo pela encosta para observarmos a região pelo lado de cima dos cânions, em um mirante espetacular e que, mesmo expostos ao sol do meio dia, não incomodava em função dos ventos constantes e intensos.

    Escolhemos almoçar na Cerâmica Serra da Capivara, por facilitar a logística para a continuação do passeio com os sítios da Pedra Furada, cartão postal do parque.

    Após apreciar a paisagem esculpida pelos milhares de anos da passagem do vento pelas rochas, seguimos para conhecer dois reservatórios de água, encavado no estreito baixio de um cânion, onde a água da última chuva, permanecia acumulada e fresca, mesmo após terem se passado quase 20 dias. Nesse trecho do parque as evidências arqueológicas permitem concluir, ainda que sob decrescente controvérsia, a presença do ser humano nas américas à cerca de 50.000 anos.

    Terminamos o dia no Bode Assado do Tangá, com uma cerveja gelada, uma porção de cabrito e outra de bode... ficamos rememorando o que havíamos visto, a implicação disso com as questões de “quem povoou” primeiro essas terras que seriam o Brasil... toda a dificuldade e relativa pouca infraestrutura para um turismo mais intenso...

    No outro dia, tomamos café sem pressa e começamos a volta. A ideia era alcançar Oeiras e almoçar em algum restaurante histórico dali uma vez que a cidade havia sido capital do estado, até 1852. A estrada, por esse trajeto apresentava menos boas condições, quase não se via buraco. Mesmo assim, a presença frequente de animais na pista obriga uma atenção constante ao volante. Chegamos lá, pouco após as 14 horas, e sendo Domingo em cidade interiorana, quase nada estava aberto... a solução foi pegar um PF num restaurante supersimples, à beira da estrada.

    Seguimos viagem e perto das 20 horas estávamos em Floriano, onde pernoitamos. No outro dia nos despedimos e segui para Teresina para devolver o carro e pegar o voo de retorno.

    Rogério Alexandre Francis

    Rogério Alexandre Francis

    Santos e SP

    Rox
    401

    Montanhista de FDS, engenheiro de formação, aficionado por historia, geografia e biologia. O cume não pode ser a maior alegria da pernada.

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    Rox

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