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Rogério Alexandre Francis 10/15/2020 10:54
    Travessia das Nascentes do Quilombo

    Travessia das Nascentes do Quilombo

    TRAVESSIA ENTRE PARANAPIACABA E CUBATAO PELO RIO QUILOMBO

    Travessia das Nascentes do Quilombo – Dos Cachorros às Moças A parte alta de Paranapiacaba tem muito a oferecer em trilhas, gastronomia, aventuras e turismo. Antigas fazendas extrativistas de carvão vegetal, abandonadas com a criação do PESM e com a alteração na matriz energética, foram retomadas pela mata e seus caminhos são paulatinamente apagados da memória coletiva dos moradores e da própria sociedade que teima em olvidar sua história.Movidos pelo ímpeto de frear o esquecimento ominoso, de apreciar as belezas cênicas em seu estado quase bruto, de testar os próprios limites físicos, expandindo a capacidade de planejar e de viabilizar o planejado com muito suor e as custas de algum sangue, alguns trilheiros ousam desvendar o que a floresta abriga.São quilômetros de rios preservados, onde a marca da passagem humana só é percebida pelo olhar atento. Cortes de encostas, antigos muros de arrimo, cabeças de pontes em cantaria... são testemunhas silenciosas dos passos predecessores. Até mesmo o lixo que um trilheiro menos evoluído abandonou por ação ou omissão são pistas para se identificar os caminhos que o manto do tempo cobriu. Vários desses novos trilheiros, não se contentam em “apenas” nada deixar, ao contrário, terminam a trilha com a cargueira mais pesada que no início, pelo lixo coletado durante a pernada.Quando a Amanda propôs essa trilha, de imediato definimos que buscaríamos uma janela de tempo bom, para fazermos com segurança e apreciando a caminhada. Nossa primeira oportunidade era começarmos na sexta, 9/10. Inicialmente, faríamos em dois dias, acampando em algum lugar após o poço da Serpente. Dessa forma, no segundo dia teríamos o final da descida por dentro do rio e a subida de retorno, saindo após as 18h, após apreciar o pôr do sol no mirante da Bela Vista. Fizemos uma rápida avaliação sobre fazer em dupla ou arrastar mais alguma alma insensata na trilha. As questões da flexibilidade de datas, do preparo físico e emocional exigidos acabarem por solucionar a questão, faríamos em dupla. O avançar da massa da frente fria trouxe chuva intensa para sexta feira, de forma que adiamos a pernada para começar no domingo e encerrar na segunda, feriado da padroeira do Brasil, Nossa Senhora.Como precaução adicional, decidimos fazer a pernada o mais leve possível, na pretensão de fazermos em apenas um dia e aproveitarmos o feriado para ficarmos de bobeira, apenas curtindo um ao outro. A altimetria envolvida, bem como a quilometragem sugeriam a factibilidade da proposta. Ledo engano. A necessidade de buscarmos contornar pela mata as inúmeras quedas atrasaria nosso passo e nos colocaria o inevitável plano B: pernoitar, em bivaque, nas margens do Rio Quilombo.Na madrugada de domingo, saímos de Santos direto para a trilha. Partimos 3:40, deixamos a viatura em frente ao Posto de Saúde e começamos a caminhada, sob o frescor matinal, às 6:00. Enquanto andava, eu aproveitava para buscar a ponteira do meu bastão de trekking, perdida na caminhada anterior por ali. Andamos bem, observando o cortes de encosta, as marcas da antiga estrada que se esvanecia na trilha que seguíamos. Pouco antes das 9:00 alcançamos o Poço dos Cachorros, fizemos alguns registros e começamos a caminhada propriamente dita, alternando a margem direita com trechos pelas pedras do rio. Como a topografia e a ausência de trilha tornavam o andar pela margem pouco eficaz, abandonamos as matas e passamos a seguir pelo leito do rio. Nosso progresso se tornou menos penoso, porém, mesmo assim, avançávamos pouco mais de ½ quilometro por hora, o que prenunciava que havíamos subestimado a pernada. Desde o começo eu havia sido taxativo quanto a não me inclinar pelos ousados saltos-de-fé nas quedas e poços, talvez a única forma de se progredir realmente célere por ali. A cada parada para registro ou banho nos poços de água cristalina, eu conferia nosso progresso no primeiro dos dois mapas que levávamos. Não nego que estava ansioso para passar para o segundo mapa, o que sinalizaria termos ultrapassado a metade do trecho mais técnico e desconhecido.Alcançamos o Poço dos Moços às 11:30, depois a Cachoeira do Quilombo às 12h15. A infinidade de poços anônimos e pequenas quedas anestesiava o nosso olhar para as belezas mais frequentes, de forma que apenas registravamos o ponto notável, para efeito de navegações futuras, apreciávamos um pouco as águas cristalinas dos poços ou a majestade das quedas e seguíamos em frente, passando pelo Poço do Paredão às 12:30 e pela Cachoeira do Escorrega às 14:00, onde fizemos uma pausa para lanche, com pão sírio, antepasto de beringela e queijo ralado, acompanhados de refresco de tangerina. Logo após retomarmos o caminho, passamos, sem notar, pela trilha que existe à direita e que sobe em direção à trilha dos carvoeiros ou à clareira de acampamento no alto da encosta. Algo a ser explorado em pernadas futuras.Com a ressalva dos saltos-de-fé, fizemos o possível para avançar de forma rápida e, principalmente, segura. Trilhamos pela margem direita, pela margem esquerda, por dentro da calha do rio. Utilizamos os leitos secos das corridas d'agua para vencermos as cachoeiras maiores, "desescalamos" algumas menores, fizemos vara-mato em cota mais elevada, encontrando nítidos sinais de que já houvera trilhas batidas ou mesmo precárias estradas por aquelas plagas. Nessa progressão, alcançado o Poço do Coração por sua margem esquerda, às 15:00 e, finalmente, a Cachoeira da Gruta às 16:25. Importante notar que, por mais acolhedoras que possam se mostrar essas grutas, não são bons pontos de acampamento ou mesmo de bivaque, em caso de chuvas. Ainda que se espere poucos mm acumulados, caso o nível do rio suba, tornam-se armadilhas mortais. Alcançamos o Poço da Serpente pouco após às 17h10. A identificação dos melhores pontos de passagem era muito facilidade pela experiência da minha companheira naquela pernada. Trilhando noa rios Da Serra do Mar desde pequena, naquele momento a Amanda se mostrava uma gigante: bastava um rápido olhar e já apontava qual era o caminho a seguir nos pontos mais delicados. Nessa hora, não posso negar que admirei sua capacidade, ainda que guardasse isso para não desconcerte-la. Ainda assim, minha obstinação quanto a evitarmos saltos-de-fé cobrava seu preço. Logo, com base na nossa progressão, não havia mais dúvida quanto a necessidade de pernoite na mata. Avançamos pela margem esquerda, procurando sinal de celular para que a Amanda acalmasse a mãe e, por conseguinte, a ela mesma e verificando possíveis locais para acampamento. Num alto de barranco, após subirmos uns 15 m na vertical, paramos para uma nova tentativa de contato, felizmente, exitosa. Foi a senha para que eu identificasse a área de acampamento seguinte como "ideal". Entenda-se "ideal" como "a melhor possível, dada as circunstâncias". Terreno alto, plano e abrigado de vento pelas encostas ao redor, sem marcas de corridas d'águas recentes e com acesso fácil a um ponto muito mais elevado, bem como ao rio. Bastou comecarmos a limpar o terreno de galhos, pedras e folhas para encontrarmos um saco plastico enterrado, registro de algum campista menos asseado que acampara ali anteriormente. Estendemos a lona de proteção do piso, depois o piso e o teto da barraca que levávamos. Às 18h, com o crepúsculo findando, verificamos que parte das roupas de dormir, estavam úmidas ou mesmo molhadas dentro dos sacos plástico de proteção. Fizemos um catadão do que tínhamos seco, conseguindo apurar um par de meias para cada um, blusa e calça de segunda pele leve para mim, capa de chuva e poncho para a Amanda. Cedi o saco de bivaque de emergência para ela, coloquei um cobertor de fácil acesso, deixando o outro para proteger as roupas do orvalho ou de algum chuvisco imprevisto. Como o isolante que levávamos nao protegeria a nos dois, recolhemos folhas de palmeira, tendo sempre o cuidado de deixar as 3 mais novas para trás e forramos o solo, por baixo da barraca, o que aumentou muito o conforto e o isolamento térmico do solo gelado e úmido. A mínima prevista era de 15C, mas meu relógio marcaria 13C às 4:00. Pode parecer não ser muito frio, mas cansados e com roupas molhadas, passar a noite parado sob essa temperatura é perrengue certo, por flertar com uma hipotermia, possivelmente fatal. Preparamos uma sopa quente, com o fogareiro e a garrafinha de alumínio, optando por deixar os adesivos de aquecimento, um pacote de sopa e um cobertor de emergencia como coringa, para caso fosse necessário com o cair da noite. Pouco após as 20h, ela ressoava serena, logo depois, eu lhe fazia companhia, no nosso chalé improvisado.A noite foi curta, apesar de não termos o maior dos confortos, estávamos secos, bem alimentados, a palha por sob a lona do piso, deixava o piso meio q acolchoado e, mais importante, não gelado. Acordei com o clarear do dia, 5:20 e fiquei cuidando da Amanda que ainda descansava da dura caminhada da véspera. Às 6:00 começamos a desmontar o acampamento e pouco antes das 7h estávamos caminhando de novo, tendo descoberto que um mal entendido entre nos resultara na pilha de reserva do GPS ser inadequada, e apesar de termos levado banco de bateria para recarregar o GPS, no cansaço da véspera, eu havia me esquecido de fazê-lo. Rapidamente, precisamos cruzar o rio, agora pela última vez. Dali em diante toda a caminhada seria pela margem direita, na margem ou na encosta, ora em meia altura, na base do morro, ora na parte baixa de algum ombro da serra que se alinhava ao nosso destino. De tempos em tempos, encontrávamos marcas de passagens anteriores. Um galho cortado, um arbusto a brotar a partir do corte, algo abandonado por alguém. Encontramos balões de festa (trouxemos dois, optamos por deixar um que estava amarrado a um galho, marcando a trilha), um par de bota, uma mochila pequena, latas de refrigerante, garrafas de vidro, de plástico, frascos de repelente. Aos poucos, nos aproximávamos da civilização e das suas chagas. O lixo crescente era marca clara da facilidade de acesso daquele trecho q percorríamos, e, do nada, interceptamos a trilha de subida da Pedra Lisa, cerca de 30 m acima do Poço das Moças. Às 9:50, após descermos esse poucos metros coletamos água para a subida, numa garrafa plástica encontrada na mata. Enchemos todos os recipientes, afinal, o sol brilhava forte e não chegaríamos em Paranapiacaba antes das 15h. A subida foi desgastante, tanto eu quanto a Amanda sofríamos com as câimbras nas pernas que fomos administrando na base de açúcares, sais, goles de água e muita determinação. Passamos no mirante, fizemos algumas fotos e descemos para a vila de Paranapiacaba, que estava com o Festival do Cambuci em curso, repleta de turistas.Era o fim de uma travessia de exatos 25 km, com desnível acumulado descendente de 1309 m e ascendente em 1296 m, divididos em 13h 33min 39 seg, uma lasca de dente a menos devido a um dos escorregões da Amanda e muitas cãibras acumuladas de ambos. Contudo, conforme as dores físicas vao perdendo espaço para o rememorar das belezas naturais começam a pipocar as propostas, em tom de brincadeira, mas sérias, de repetir melhorando a logística para curtir mais e também de fazer invertida, subindo. Para futuros candidatos, sugerimos ter muita atenção quanto à aptidão física e psicológica, saber nadar e ter uma ótima noção de navegação, já que para contornar algumas quedas imponentes tivemos que subir algumas cotas, cuja observação só se torna possível previamente através das cartas topográficas, ou durante a caminhada, no caminhar atento à convergência da direção tomada com a direção desejada. É um local super preservado, e por mais que seja “apenas seguir o rio”, em qualquer desses vara-mato para desviar de alguma queda, pode-se cometer erros que resultem numa perdida mais séria. Lembrar sempre que trilhando em dupla, faz-se trio com Murphy e sua inexorável lei, pode evitar algo mais grave.

    1 Comments
    David Sousa 04/17/2021 07:19

    Parabems

    Rogério Alexandre Francis

    Rogério Alexandre Francis

    Santos e SP

    Rox
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    Montanhista de FDS, engenheiro de formação, aficionado por historia, geografia e biologia. O cume não pode ser a maior alegria da pernada.

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