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Serra da Chapadinha: O Lado Selvagem do PNCD
Trilha de três dias por região selvagem da Chapada Diamantina com muita vida selvagem, pinturas rupestres e cachoeiras gigantescas.
Montanhismo TrekkingSaímos, eu e Sandra, minha companheira, de Salvador, por volta das 09:30 da manhã do dia 27 de junho de 2021 rumo a 15 dias de imersão na Chapada Diamantina.
O destino da primeira “perna” da viagem seria ao lado oposto ao trecho mais conhecido do Parque Nacional da Chapada Diamantina (PNCD), a região próxima à cidade de Itaetê, com suas cachoeiras gigantes e trilhas selvagens, um destino há muito desejado, discutido e que agora, finalmente, seria alcançado.
Como pegamos o contrafluxo da estrada e escolhemos um caminho alternativo para chegar lá, a estrada foi bem tranquila, sem incidentes dignos de nota.
Chegamos pouco após o almoço a Colônia, pequena vila, que dista alguns quilômetros de Itaetê, para encontrar Sidney “Tarzan”, que seria nosso anfitrião e guia pelos caminhos da Serra da Chapadinha.
Não é um costume a gente contratar guias, pois geralmente estudamos as rotas e tentamos descobrir novos caminhos (aconselho ler excelentes relatos de Peter Tofte: “Água suja, Alma Limpa” e “Entre Suçuaranas e Cristais: De volta ao Vale do Água Suja”), mas conversando com Fael Fepi (que também possui ótimos relatos aqui), ele indicou o contato com o Sidney e recomendou com 5 estrelas. Indicação que agradeço até hoje.
Chegando na Chapadinha, nos instalamos. Montamos a barraca ao lado da “Monstrenga”, a tracker que nos carrega pelas serras, tomamos um gelado e delicioso banho no Rio Una, que serpenteando passa nos fundos do sítio do Sidney (um luxo!) e depois de comer, fomos tomar um café com ele e com a família. Prosa boa, mas como estávamos cansados – e o outro dia seria de pernada – fomos dormir por volta das 20:30h.
Após sistematicamente sermos acordados pelo galo (que carinhosamente apelidei de “Canja”), desde as 3:30h da madrugada, levantamos às 6:00h, desarmamos a tenda, tomamos café e arrumamos as mochilas. Tudo pronto, entramos no carro, os três mascarados, e saímos na Monstrenga em direção ao cânion do Herculano, inicio da caminhada.
Trilha pedregosa, em leito de rio em sua maior parte, judia dos joelhos ainda não aclimatados. Mas nada demais. O rio estava com pouca água, então o avanço era mais fácil. Conforme fomos subindo, ganhando lentamente altitude, o cânion do Herculano ia mostrando um pouco mais da beleza de suas formações rochosas. Sandra, logo notou a enorme quantidade de palmeiras babaçu, coisa que não vemos em outras áreas do parque.
Logo deixamos as mochilas para o ataque ao poço (e que poço!) principal da cachoeira. Mesmo com apenas uma nesga de água caindo, de apenas uma de suas quedas, é uma visão impressionante e de formação rochosa peculiar e muito bonita. A Cachoeira do Herculano (100 m) é um grande buraco escavado na parede do fim do cânion.
Retornamos pelo mesmo caminho, para buscar as mochilas e subir a fenda. É uma subida íngreme e de terra solta. Usamos os bastões como se fossem piolets para não escorregarmos. Felizmente a subida desse primeiro trecho da fenda, é curta, em torno de 20 minutos. Contudo, subir (ou descer) com ela molhada deve ser um inferno.
A trilha da fenda foi aberta pelo próprio Tarzan. Ele nasceu e se criou na Serra da Chapadinha e creio que juntamente com o Astrogildo sejam os mais completos guias e maiores conhecedores da região. O caminho segue por um infindável labirinto de lajedos e topos rochosos, passando por fendas entre os lajedos. Sem uma indicação, seria quase impossível a descoberta dos caminhos. Um emaranhado de passagens entre cabeças de pedra e lajedos que constituem um pesadelo para a localização. Até com o track no GPS, em vários trechos eu pensaria: “é por aqui, mesmo? Sério!?” Mas, era!
Passamos pela colmeia, que está crescendo NO MEIO da trilha, em segurança, sem picadas e seguimos, chegando ao topo do cânion. Se passar por lá, fica esperto. O lugar é bem ruim para sofrer um ataque.
Descemos para a segunda queda, onde armaríamos acampamento para passar a noite. A descida tem uma certa exposição e, principalmente com cargueiras, merece atenção, pois uma queda pode dar muito errado, mesmo. Difícil, porém com calma é bem tranquilo. E vale cada passo.
Acampamento de luxo, na cobertura, protegido do vento, com água para banho e cozinha ao lado e com o extra de sobservar alguns majestosos urubus-rei, que gostam de tomar banho de sol por ali. Após uma comida gostosa, um cafezinho, pinga com limão para digestão e de uma prosa boa, fomos dormir, pois o dia seguinte seria puxado, rumo à vista superior da Cachoeira da Encantada.
Cedo, às 6 da manhã, como de costume, acordamos, arrumamos os equipamentos, tomamos café e levantamos acampamento. Subimos o rio pelo seu leito, por um trecho cansativo e difícil, chegando ao balneário “oficial” dos urubus-rei, que fica ao lado do museu a céu aberto, apinhado de pinturas rupestres de milhares de anos. Um espetáculo ver que a arte imita a vida desde tempos imemoriais. Ficamos mesmerizados tentando decifrar as representações e imaginando os antigos homens ao redor do fogo desenhando.
Comemos algumas castanhas, frutas desidratados e chocolates e seguimos. Teríamos que atravessar um trecho de gerais da Serra da Chapadinha. Trecho que seria fácil, por ser em gerais, quase plano, mas ao mesmo tempo o que gera mais apreensão. A Serra da Chapadinha é um refúgio para a vida selvagem, cada mais rara em outros locais. Onças, veados, pássaros, serpentes, caititus e queixadas circulando grandes distâncias para lá e para cá pela serra. Esses últimos, andando em bandos de até 60 ou mais indivíduos constituem um risco real ao montanhista. Eram eles, pois, o exato motivo da apreensão.
Utilizando a informação prévia passada ao Tarzan pelos moradores e o rastreamento dos animais, através das pegadas (as trilhas da chapadinha são verdadeiras autoestradas na serra para a vida selvagem) acreditávamos que os “porcos” estavam em outra zona. Tarzan encontrou, no meio do caminho, um par de Mucugês maduros e nos ofereceu. O Mucugê, fruto que dá nome a uma cidade da Chapada, nasce apenas de maneira natural, nas margens pedregosas dos rios diamantinos e é o mais doce e gostoso do mundo. Quem já comeu, não esquece. Em tempo, acabamos não encontrando os "porcos". Ainda bem!
A caminhada foi longa, veloz e tranquila. Parávamos apenas para ouvir as informações e ensinamentos sobre rastreamento de Tarzan. Ele é um mestre em rastrear animais e pode até dizer as diferenças de pegadas em machos e fêmeas, às vezes. As trilhas estavam apinhadas de fezes e pegadas de onça. Encontramos fezes tão frescas (e fedorentas) que pudemos ver duas patinhas de um infeliz tatu. A onça usa as trilhas para caçar, além de se locomover. Ela espera as presas escondida. Quando as presas (que também usam as trilhas) passam ela ataca, rápida e mortal.
Chegamos ao mirante da Encantada (230 m, a terceira maior cachoeira do PNCD) por volta das 2 horas da tarde. Um espetáculo. Depois, seguimos para a toca, numa curva do rio. Durante o almo-janta, recebemos a visita de Astrogildo, morador da Serra da Chapadinha e guia. Uma figura! Com o cair da noite ele seguiu sozinho, sem lanterna, como se caminhasse em seu quintal. Neste dia dormimos todos na pedra, apenas com isolantes e sacos de dormir. Noite agradável e de temperatura excelente. Até suei no saco de dormir e tive que abri-lo.
Ao acordar, às 6h da manhã como de costume, café e rapidamente saímos para descer a fenda da Encantada. Estava apreensivo, pois meu joelho mais forte havia apresentado uma dor estranha. Talvez causada por uma pisada errada. Mas, graças a muito Salompas gel, Advil e um tensor, amanheci bem e seguimos para encarar a descida, conhecida por ser íngreme, longa, difícil, escorregadia e para completar, ser moradia de inúmeras jararacas. Seguimos.
Passamos por um pomar natural de mangabeiras, infelizmente sem frutos e mergulhamos na penumbra úmida da fenda. A descida não é fácil, mas descemos no tempo recorde (segundo Tarzan) de 40 minutos. Existem cordas para ajudar a tornar a transposição dos trechos mais críticos menos complicada e isso ajudou muito. A descida é difícil, molhada deve se tornar um pesadelo. As jararacas são reais. Vimos uma bem no meio da trilha, literalmente. Tirada de lado, permaneceu olhando pra gente, guinchando enraivada. Cuidado onde pisa, onde põe as mãos e a bunda, ok?
Fenda vencida, deixamos as mochilas e fomos ver a Encantada por baixo. Cânion absolutamente deslumbrante. Para mim, mais bonito do que o da Fumacinha. Parece um clube com piscinas e cascatas de todos os tamanhos para banho. Dá vontade de passar 5 dias só ali dentro.
Ao nos aproximarmos do final do cânion, rochas enormes desmoronadas. Um monte delas. Ao olhar para cima, as paredes negativas mostravam bem de onde tinham vindo. Uma delas, do tamanho de uma scooter havia caído bem perto de onde estávamos havia pouco tempo. Um lembrete de que está tudo vivo e em constante movimento por ali e por isso, é preciso agir com respeito, cuidado e atenção sempre quando no mato.
Banho gelado pra cacete e retorno para pegar as mochilas e seguir. Ainda teríamos uma pernada boa da boca de um cânion (Encantada) para o outro (Herculano), onde a Monstrenga nos aguardava.
No caminho, encontramos um fotógrafo baiano, autor do Livro “Chapada Diamantina: Um paraíso desconhecido”, Rui Rezende, que havíamos sido informados pelo Astrogildo, estava lá acampado com as suas filhas. Rui e Tarzan são velhos amigos (Tarzan é quem figura a capa do livro citado acima) e correram muito as trilhas dos 4 cantos da chapada. Após rápida conversa, seguimos. Tínhamos muito chão pela frente ainda e queríamos chegar no final da tarde, ainda com sol.
A saída do Cânion é apertada, e isso nos força a primeiro seguir pelo leito do Rio Samina (o rio da Encantada), passando uma fenda estreita (trecho complicado, com o rio cheio) para encontrar o Rio Timbózinho, que acompanhamos um pouquinho, até subir pelo lado esquerdo.
Caminhamos por mais de 2h beirando a serra, por uma antiga fazenda, onde o pasto se tornou mata. Muitos rastros de animais, como se tornou praxe nessa região. Finalmente, chegamos até onde a Monstrenga nos esperava e seguimos de volta para a Casa de Tarzan.
Fim de trilha.
Agradecimento ao Sidney Tarzan (à direita). O melhor guia com quem já caminhamos em mais de 20 anos de chapada e um cabra boa gente demais! Sempre com um sorriso no rosto! Mais do que indicado!
Fala com ele: 75 99146-6237 (WhatsApp)
PS. A Serra da Chapadinha é um verdadeiro oásis para a vida selvagem, já tão combalida e escaça e deveria ser (porque muito dela não é dentro do PNCD) parte do parque Nacional. Infelizmente, o poder público é leniente e irresponsável com o nosso patrimônio natural.
Fotos: Todas de minha autoria, exceto os queixadas, de autoria do Jornal O Eco.
Dicas:
1 – Antes de tudo, respeito a tudo e todos, sempre. Respeite as comunidades locais e compartilhe com elas. Fortaleça!
2 – Chame o Tarzan ou o Astrogildo, mesmo se tiver experiência em trilhas. Não é fácil lá por cima e os Queixadas são um risco real. Sem falar na “grande família” de serpentes.
3 – Faça Silêncio. Quem anda quieto, ouve mais, aprende mais, não incomoda os animais e se ferra menos. Principalmente em cânions apertados e cachoeiras. As pedras onde pisamos caíram lá de cima, ok?
4 – Ouça a natureza. Já disse para ficar quieto, né? Deixe as miseráveis caixinhas de som em casa!
5 – Não faça fogo, não tire nada (só fotos), leve seu lixo de volta.
6 – Caminhada em área selvagem, sem infraestrutura dentro do Parque Nacional da Chapada Diamantina.
Parabéns Rodrigão pelo relato!!! Que bom que não encontrou as queixadas e passou incólume pelas abelhas!!! No mais, fico no aguardo dos próximos relatos!!!
Valeu, Duda! Finalmente desencantei e escrevi.
Sensaaaacional Rodrigo! Pontada de inveja por não ter conseguido ir com vcs. A Chapada mais bela e selvagem muito bem retratada! Quero fazer o mesmo roteiro que vcs!
Parabéns Rodrigo! Excelente relato! Já passei por essas Mangabeiras na época que estavam carregadas e maduras; Final do mês de Janeiro. O terreno é de areia branca, parecendo a do litoral.
Parabéns! Rodrigo. Muito bom o relato. Será uma ótima referência.
Meus amigos, Ernani, Fael e Peter, muito obrigado! Assim eu acgo que vou escrever até alguns retroativos. Peter, foi uma pena mesmo. Você iria adorar! Fael, obrigado pela indicação. Mais que um guia, me indicou um novo amigo. E Ernani, sortudo! Queria eu ter passado por lá com elas carregadas! Amo mangaba!