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Case Aquino 21/12/2018 11:19
    SOZINHO - Travessia da Maior Praia do Mundo

    SOZINHO - Travessia da Maior Praia do Mundo

    Trekking na Praia do Cassino realizado a pé e sozinho.

    Longa Distância Trekking Acampamento

    TRAVESSIA DA PRAIA DO CASSINO

    225 Quilômetros - 7 Dias de Caminhada - 25 Quilos de Mochila

    Realizar o trekking conhecido como a Travessia da Maior Praia do Mundo era algo que estava nos meus planos praticamente desde que eu entrei no mundo de atividades outdoor, me recordo de ter lido um relato de um grupo de pessoas que tinha realizado a travessia e apesar do relato assustar por todas as dificuldades que aquelas pessoas que eram tão experientes tinham passado foi amor a primeira vista.

    Sabia que ainda não tinha condições físicas ou a experiência necessária para realizar a travessia e tinha algo que eu tinha certeza que queria quando fizesse o trekking, queria ir sozinho, não somente sem apoio mas também sem companhia de outras pessoas. Vale ressaltar que nunca é recomendado realizar qualquer tipo de atividade outdoor sozinho não importa o quão experiente você seja, mas era algo pessoal e importante para mim, e não estou dizendo que fazer o trekking utilizando carro e equipe de apoio seja um demérito de qualquer tipo, mas eu queria contar apenas comigo mesmo saber que se tivesse alguma dificuldade só poderia contar com os meus conhecimentos e equipamentos que estivesse carregando durante os 225 quilômetros, queria enfrentar a solidão de não ter ninguém para conversar (real ou virtual) durante vários dias, de saber que não teria uma mão amiga para ajudar a montar a barraca na hora que estivesse ventando e por Deus, que lugar para ventar.

    Vai demorar muito tempo para que eu esqueça a sensação, saindo de casa as 03 da manhã rumo ao aeroporto (pois é, para pagar barato em passagens não da pra ser exigente com horários), depois de quase um dia inteiro de viagem enfrentando carona, avião, aeromovél, táxi, mais dois ônibus finalmente cheguei no meu destino e ao colocar o primeiro pé na praia já levei o primeiro soco de vento carregado de areia, não conseguia manter os olhos abertos então corri para pegar o óculos escuro na mochila mesmo não estando sol e arrumando os últimos detalhes antes de começar a caminhar, mas foi ali naquele primeiro momento lutando contra o vento e areia que percebi a dureza dos próximos sete dias de caminhada que iria enfrentar.

    Não gosto de planejar tudo com antecedência ou ler relatos demais e tirar o prazer de descobrir o local por conta própria, chegando no fim da tarde na praia decidi andar até um pouco antes do pôr do sol e armar a barraca em um local qualquer na praia, como precisava baratear a viagem devido a pouca grana não queria pagar por um camping, andei até perto das 19:30 achando que logo ficaria sem luz e ai tive a primeira surpresa, ficava muito claro até quase 21:00 horas, mesmo assim nos dias seguintes continuei parando de caminhar cedo para ter tempo de montar a barraca e me arrumar enquanto ainda estava claro.

    Campos Eólicos

    No primeiro dia real de caminhada, um Domingo, foi o dia com mais movimento na praia, vários carros passaram por mim enquanto eu caminhava, a maioria buzinava mas alguns apenas passavam direto como se não tivessem visto uma pessoa com uma mochila enorme caminhando por aquela imensidão de areia, poucos paravam para perguntar o que eu estava fazendo, um deles me ofereceu uma cerveja gelada (estava bastante sol), como não bebo perguntei se ele tinha um refrigerante, infelizmente não, o jeito era continuar bebendo minha água quente.

    A água que costuma ser um problema em certos trekkings nesse não falta, os arroios de água doce que descem até o mar são constantes, tanto que muitas vezes são um problema ou você molha o calçado ao atravessar os maiores ou tira o calçado mas o que faz você perder um tempo considerável pois são muitos, as vezes um a cada 15 minutos de caminhada, porém quase todos eles estavam bem secos e o fluxo era muito baixo por isso a água era sempre bastante suja, precisei filtrar toda a água que consumia o que me fazia perder muito tempo.

    Do segundo dia para frente os encontros e marcas de que alguém passava por lá foram ficando cada vez mais raros e o sentimento de isolamento ia aumentando na mesma proporção, o que era muito comum em quase toda a caminhada era o lixo trazido pelo mar, assunto esse que está tão em alta e foi possível observar de perto a gravidade do problema, mesmo em locais sem nenhuma habitação humana havia tanto lixo que até parecia um lixão felizmente nem todo o caminho era assim, caminhei por quilõmetros e quilômetros onde não se via nenhum tipo de sujeira ou marcas de pneus de carros que passam por ali, parecia até que eu era a primeira pessoa a passar por aquele local e apenas deixar as minhas pegadas na areia parecia errado, ainda que pouco tempo depois a água do mar iria lavar a praia apagando qualquer sinal de que eu tinha estado lá.

    Navio Altair e os Campos Eólicos

    Uma manada de cavalos que saiu correndo de trás da dunas, e voltou para lá quando me viram.

    No final do quarto dia alcancei o Farol do Albardão, mesmo sem ter conseguido contato com a Marinha para realizar o agendamento queria passar a noite no local, afinal seria uma oportunidade única. Após uns 20 minutos gritando e apitando no portão sem nenhum sucesso decidi passar por baixo do portão (que tinha uma placa de PROIBIDA A ENTRADA) e tentar a sorte, a imagem de um oficial da marinha com uma sniper no topo do Farol não saia da minha mente enquanto caminhava em direção as casas que ficam ao lado do Farol. Depois de bater de porta em porta e sem tomar nenhum tiro consegui encontrar o responsável pelo local que foi muito amigável e permitiu passar a noite no local.

    Quando escurecia e o gerador responsável por alimentar o Farol era ligado (por volta das 21:00 horas) a minha residência temporária também era alimentada por energia. O local era bem simples e com um ar de filme de mundo pós apocalipse, os poucos móveis do local estavam cobertos de areia e dentro da casa tinha tantos sapos que passei um bom tempo colocando eles para fora, depois percebi que não adiantava pois eles conheciam passagens secretas e voltam lá para dentro. Pude tomar um banho quente e dormir em uma cama naquela noite, mas o que me deixou mais feliz foi ter saído do vento, ainda era possível ouvir o barulho mesmo dentro do meu quarto mas já era muito menor do que o quando eu estava caminhando ou dentro da barraca. Alias acho que isso foi o que mais me incomodou durante toda a travessia, não foram dores, a solidão, o sol... mas o barulho constante do vento, as vezes eu caminhava sobre as conchas apenas para ouvir o barulho delas quebrando e escutar algo que não fosse o vento. Enquanto eu preparava minha refeição sentado a mesa tive a sensação de que estava trapaceando, tomar um banho quente dormir em uma cama... não parecia certo fazer isso durante um trekking, claro que foi apenas paranoia da minha cabeça mas foi um sentimento interessante que eu nunca tinha sentido antes.

    Farol Albardão

    Começando o dia seguinte com as energias renovadas e sabendo que já tinha passado da metade da travessia, achei que o restante seria fácil, engano meu. Com uns 85 quilômetros para o fim da caminhada a areia que até então era quase sempre bem dura começou a ficar cada vez mais fofa, e também apareceram os concheiros (coisa que eu nem sabia que teria) e caminhar foi ficando mais difícil, cada passo dado na areia fofa exigia muito mais força, o que ajudou foi que a cada dia que passava a mochila ia ficando mais leve já que estava consumindo a comida o que representava uma grande parte do peso. Saindo do farol consegui alcançar o local conhecido como Hotel Abandonado próximo das 18:00 horas, apesar de ainda ser cedo eu queria acampar por ali, tinha um ponto de água bem próximo e acampar ao lado das ruínas de um hotel tomado pela areia seria no mínimo diferente a noite continuava ventando mas nada perto do que eu iria enfrentar no dia seguinte.

    Hotel Abandonado ao fundo.

    Poucos minutos depois de montar a barraca, recebi essa visita inesperada.

    Já tinha feito subidas em montanhas com ventos próximos de 80 km/h mas na praia é diferente, você não tem onde se abrigar, nada que te proteja, não há trégua. Depois do almoço o tempo foi fechando cada vez mais, era possível ver que uma tempestade estava se formando no horizonte e o vento foi ficando cada vez mais forte, acredito que os ventos chegaram próximos de 100 km/h e eles estavam contra a direção que eu seguia, durante toda a caminhada consegui manter um ritmo de um pouco mais de 4 quilômetros por hora, caminhando nessa ventania (apesar de estar curtindo a sensação) avancei apenas 5 quilômetros em duas horas de caminhada. Alguns veículos 4x4 passaram por mim no meio daquele vento e perguntaram se eu estava bem e precisava de carona, acho que só o meu sorriso foi o bastante para eles notarem que eu estava me divertindo. Recusei a carona e continuei por mais alguns minutos quando decidi que apesar de ser muito cedo era melhor parar de caminhar e achar um local para acampar, no dia seguinte iria madrugar e tirar a diferença que iria deixar faltando, era um risco afinal eu não tinha nenhuma garantia que no dia seguinte não estaria igual ou até pior.

    03:00 da manhã era hora de acordar e enfrentar o último dia de caminhada, o vento não tinha parado mas tinha diminuído e já era possível voltar a caminhar no meu ritmo sem fazer força, a praia estava completamente irreconhecível, o vento e a subida da maré criaram diversos “lagos salgados” no meio da praia e eu precisava ficar desviando constantemente deles. Ter começado a caminhar tão cedo me deu a oportunidade de realizar a última coisa que eu queria fazer ali, caminhar na praia durante o nascer do sol, mesmo estando com o horizonte bastante nublado ainda foi possível ver o Sol por alguns instantes.

    A Travessia da Maior Praia do Mundo termina bem na divisa com o Uruguai mas a sensação ao chegar em Hermenegildo já era de vitória, mesmo sabendo que ainda teria 12 quilômetros pela frente sabia que faltava pouco.

    A sensação ao terminar foi algo indescritível, havia sim um certo alívio de ter terminado a caminhada, ainda que não tenha sentido tantas dificuldades durante o trekking a saudade de casa começava a bater, mas já fazia um bom tempo que eu não realiza algo desafiador, algo que eu não sabia se iria terminar e existia um certo receio de precisar abortar no meio (esse era o meu maior medo). Existe uma certa brincadeira que todos os caminhantes conhecem que é a famosa frase “o que eu estou fazendo aqui”, que alguém sempre fala durante um trekking, durante a Travessia da Maior Praia do Mundo me peguei pensando nisso várias vezes, por isso caso você decida realizar o trekking tenha um motivo muito bom e uma resposta para essa pergunta pois em algum momento, ou vários, ela vai surgir.

    Este é um trekking que vai exigir muito daqueles que se dispuserem a realiza-lo, é preciso estar preparado tanto fisicamente quanto psicologicamente já que algumas pessoas podem ter dificuldades de passarem tanto tempo sozinho, outro fator que pode ser muito problemático é a paisagem que parece nunca mudar. Existem belos pontos a serem vistos na travessia mas a maior parte do caminho nunca muda, o mar sempre a esquerda, dunas a direita e areia na frente e atrás, caminhar por horas e parecer que não saiu do lugar é uma sensação estranha.

    Queria deixar um agradecimento especial a LioNutri Nutrição Saudável (https://lionutri.com.br) que forneceu a alimentação liofilizada e a Curtlo (https://www.curtlo.com.br) que forneceu a vestimenta e foram parcerias nesse projeto sem as quais eu não teria conseguido realizar o trekking. Também não posso deixar de agradecer ao amigo Rogério Hass que me emprestou sua mochila, e a minha parceira e namorada Diana Andrade que além de emprestar a barraca esteve me apoiando em todas as etapas do meu projeto.

    Case Aquino
    Case Aquino

    Publicado em 21/12/2018 11:19

    Realizada de 25/11/2018 até 02/12/2018

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    5 Comentários
    Edson Maia 21/12/2018 18:52

    Bravíssimo! O Cassino é uma aventura única. Só quem já se aventurou por lá pode compreender a dimensão destes 230kms de sol, vento, mar e solidão. É uma experiência que marca o coração e a mente da gente. Valeuuuu!!

    Rafael 22/12/2018 11:48

    Aí mano como.sempre atrebentou, parabéns

    Lucio Bandeira 22/12/2018 19:22

    Que doideira, uma aventura para poucos, parabéns!!!

    Rosemary Rodrigues 23/12/2018 19:57

    Wowww... sensacional! Parabéns!

    Tirou onda meu caro, muito irada sua aventura, fiquei até com um pouco de inveja ahahaha tmj !!!

    Case Aquino

    Case Aquino

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    Guia de Turismo de Aventura apaixonado por Montanhismo. Instrutor do GPM e proprietário da empresa Roots Raízes da Aventura.

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