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Theo Ramalho 25/07/2018 15:24
    A Rainha das cachoeiras no meio da Venezuela

    A Rainha das cachoeiras no meio da Venezuela

    Aventura atrás da maior cachoeira do mundo - Cachoeira do Salto Angel com 979 metros de queda - no coração da Venezuela.

    Cachoeira Navegação Trekking

    Este é um texto ousado e pretencioso como foi ousada e pretensiosa minha viagem ao Parque Nacional Canaíma no Estado de Bolívar na Venezuela. Existem duas formas de lê-lo: na ordem original ou na ordem cronológica.

    Contra todas as indicações resolvi me aventurar na Venezuela em busca da Salto Angel, a maior cachoeira do mundo com 979 metros de queda. Confesso que embora muito curioso para conhecê-la, nas fotos que vi no Google não tinha certeza absoluta da sua beleza exuberante. Um mês antes tinha passado 10 dias na Chapada Diamantina explorando uma cachoeira mais bonita que outra e a Salto Angel nas fotos que via era gigante mas não me parecia a mais bela. Por outro lado, a experiência na Chapada Diamantina me ensinou que aquele ditado que diz que “uma imagem vale mais do que mil palavras” não pode ser aplicado para cachoeiras - pelo menos não se eu for o fotógrafo - é muito difícil capturar a beleza de algumas cachoeiras em fotos!

    Segue meu “diário” de viagem:

    23/09/2017 - Dia 0: “Theo (Têo) hay un problema. Yo no puedo ir contigo manãna pero tudo vai estar correto". Isso mesmo, contratei um guia venezuelano chamado Leopoldo para fazer uma expedição ao Monte Roraima e depois ao Parque Nacional do Canaima onde fica a cachoeira. Tinha acabado de retornar do Monte Roraima e no dia seguinte partiria para o novo destino. Diferente do Monte o caminho para chegar ao Parque do Canaíma é longo e atravessa boa parte da Venezuela. Partindo de Santa Elena de Uairen (primeira cidade da Venezuela a partir da fronteira com o Brasil) são 900km de carro até Ciudad Bolívar e mais uma hora de teco-teco até o Parque. Leopoldo não poderia seguir comigo mas me deixou todos os contatos e conexões. Um colega dele me levaria até Porto Ordaz (780 km de Santa Elena), um chofer me buscaria em Porto Ordaz e me deixaria em um hotel em Ciudad Bolivar. No dia seguinte de manhã, uma agente de turismo local me buscaria no hotel e me deixaria no aeroporto e um guia que me acompanharia no Parque Nacional.

    24/09/2017 - 07h00 - Dia 1:

    Saída de Santa Elena até Ciudad Bolívar.

    Conforme combinado, cheguei às 7h00 ao escritório do Leopoldo. O motorista estava Retornei às 8h00. O motorista ainda estava preso na fila do combustível.

    Na Venezuela o combustível é praticamente de graça - com 80 bolívares se enche o tanque (o câmbio é 3500 bolívares por 1 real) – porém por conta da crise econômica a produção de petróleo no país está em declínio e não está conseguindo suprir a demanda. Em função disso há um racionamento de combustível em vigor permitindo que cada motorista encha apenas 20 litros. Com isso, longas filas se formam podendo demorar 8-10 horas para conseguir abastecer.

    Outra alternativa é comprar combustível no mercado paralelo a 30k bolívares litro (R$ 8,60 o litro).

    Conseguimos partir ao meio dia, muito depois do que planejávamos.

    Buracos, muitos buracos - por vezes necessitávamos andar alguns quilômetros na contramão - árvores caídas na pista, caminhões atravessados, nenhuma sinalização, nenhuma pintura. A pior estrada que peguei na minha vida. No mês anterior a chegada à Venezuela estava viajando de carro pelo Brasil. Andei por 6 mil quilômetros entre o Rio de Janeiro e a Bahia passando por MG, GO, TO, PI, PE e BA - a pior estrada que percorri no Brasil está em estado da arte se comparado a esta venezuelana. Para piorar, por conta do atraso tivemos que dirigir por cerca de 5 horas à noite.

    Somado a isso passamos por mais de 10 postos de inspeção militar - estaciona o carro, levanta, apresenta o passaporte, tira a mala (no caso o mochilão), abre a mala, sim, brasileiro, sim, turista, sim, Canaíma, não, não tenho ouro, não, não tenho dinheiro, não, não tenho dólares - 2 reais, 5 reais, 10 reais, qualquer coisa ajuda o amigo militar venezuelano.

    Às 22h00 chegamos em Porto Ordaz. Jantamos em um foodtruck. Meia hora depois o chofer estava lá. A estrada entre Porto Ordaz e Ciudad Bolívar é bem melhor. Às 24h00 cheguei no hotel em Ciudad Bolivar. Alívio.

    25/09/2017 - 06h00 - Dia 2:

    Saída de Ciudad Bolívar até o Parque Nacional de Canaima.

    Às 6h00 a agente de turismo chegou ao hotel.

    Chegamos para o aeroporto às 6h30 - “seu voo sai entre 8h00-9h00, depende dos passageiros”. Às 8h30 o piloto chamou.

    Passei pelo Raio-X, tudo ok. Posto de inspeção militar: apresenta o passaporte, tira a mala (no caso o mochilão), abre a mala, sim, brasileiro, sim, turista, sim, Canaima, não, não tenho ouro, não, não tenho dinheiro, não, não tenho dólares. Dessa vez, não pediu ajuda pro amigo venezuelano. Avião - modelo Cessna 206 - 5 lugares, um sexto ocupado por malas. Fui na frente com o piloto. Monomotor, teco-teco. Tinha cara de ser da década de 60, famoso “mil novecentos e vovô era criança". Todo descascando. Por sorte o tempo estava todo aberto, voamos por uma hora e dez e chegamos. Alívio.

    27/09/2017 - 13h30 - Dia 4:

    Retorno. Saída do Parque Nacional do Canaima até Santa Elena (ou não).

    Avião. Mesma aeronave. Mesmo piloto. Sentei no assento da aeronave já preocupado com o retorno pela perigosa estrada. Minha estimativa era que chegaria em Santa Elena de madrugada tendo que percorrer cerca de 8 horas no escuro.

    Adormeci. Chacoalhão, turbulência. Despertei e estávamos literalmente no meio das nuvens, chovia lá fora. Era só o que me faltava. A chuva pingava nos meus pés dentro da aeronave. Era rir para não chorar. Lembrava das histórias do meu pai de monomotor na Amazônia. Pensava: “Se o motor parar de funcionar a aeronave plana”. Olhei no cronômetro e só tinha 26 minutos de voo. Se o voo durasse 1h10 como foi na ida ainda faltavam 44 minutos. Olhei para os outros passageiros, uma mãe e três crianças, que choravam. O piloto não parava de falar no rádio mas eu queria acreditar que ele estava calmo. Com 52 minutos de voo total, pousamos. Não sei por que, não sei como, mas chegamos, 18 minutos antes e com segurança. Foram 26 minutos (ou horas, ou dias?) de agonia mas chegamos. Alívio.

    Chegando no aeroporto o mesmo militar da ida nos esperava na pista de pouso e nos indicou uma salinha. Sentei na espera. Primeiro a mulher com seus filhos, depois eu. Acredito que ele não me reconheceu ou se reconheceu fingiu que não. Apresenta o passaporte, tira a mala (no caso o mochilão), abre a mala, sim, brasileiro, sim, turista, sim, Canaima, não, não tenho ouro, não, não tenho dinheiro, não, não tenho dólares. Novamente, não pediu ajuda pro amigo venezuelano. Liberado.

    Entrei na sala de embarque e a agente que tinha me levado me aguardava. Ela me informou que o carro já estava chegando e me pediu para tirar umas fotos comigo. Disse que era para o Instagram da agência de turismo dela.

    Se por um lado estava mais calmo por ter passado pelo trecho do teco-teco por outro ficava cada vez mais preocupado com a estrada que se aproximava.

    “Theo, temos um problema” - ela me disse, depois de todos meus sorrisos nas fotos. “A estrada desabou e você não tem como chegar em Santa Elena hoje, talvez amanhã. Você vai ter que ficar em Porto Ordaz até consertarem”. Gelei. Ilhado na Venezuela dependendo de conserto de estrada?

    O chofer chegou, confirmou a história e me pôs no telefone com o Leopoldo, agente primário que organizou tudo. Leopoldo estava tão preocupado quanto eu mas me garantiu que me poria em um hotel bom em Porto Ordaz e que insistiria para o chofer para partimos no dia seguinte o mais cedo possível.

    Cheguei no hotel e de fato era bom. Parecia hotel cubano de filme americano dos anos 60. Um mini castelo - com uma fortaleza e com piscina e área de diversão no centro.

    Informei meus pais do imprevisto, e combinei com o chofer de sair às 6h dia seguinte. Segundo ele já seria possível atravessar a estrada. Alívio?

    28/09/2017 - 06h00 - Dia 5:

    Retorno. De Porto Ordaz para Santa Elena.

    Chofer no horário. Whatsapp para os pais: “estou bem, estamos saindo agora e devo chegar em Santa Elena em 10 horas - às 16h - se eu não entrar em contato este horário é por que resolvi ir direto para Boa Vista e aí entro em contato por volta das 19h-20h”. Buracos, muitos buracos, árvores caídas na pista, caminhões atravessados, nenhuma sinalização, nenhuma pintura. Incontáveis postos militares: estaciona o carro, levanta, apresenta o passaporte, tira a mala (no caso o mochilão), abre a mala, sim, brasileiro, sim, turista, sim, Canaima, não, não tenho ouro, não, não tenho dinheiro, não, não tenho dólares. 2 reais, 5 reais, 10 reais, qualquer coisa ajuda o amigo militar venezuelano. Combustível extra? Ajuda o amigo militar venezuelano também.

    Demoramos 2 horas para atravessar o trecho que tinha desabado. Milhares de carros e caminhões na fila.

    Chuva, chove chuva, muita chuva.

    Às 18h00 chegamos em Santa Elena. Alivio. Leopoldo também aliviado - tinha chegado no escritório às 14h e me aguardava desde então.

    “Theo, tem um problema” - “Desde ontem a noite Santa Elena inteira está sem sinal de telefone fixo, móvel e internet” - “Acho que seus pais terão uma noite bastante preocupada hoje”. Combinamos que dia seguinte às 7h ele me levaria para a fronteira. Jantei bem, deitei na cama. Tudo certo. Tudo certo? Alívio? Pergunte pra minha mãe, sem notícias minhas. 25/09/2017 - 10h30 - Dia 2:

    Chegada no Parque Nacional de Canaima.

    Chegada no Parque: José, guia local super simpático me aguardava na pista de pouso. Que epopéia! Cheguei! O Parque não tem conexão com internet então não era possível informar meus pais mas eles sabiam que eu tinha chegado bem em Ciudad Bolivar e tinham o contato da agente de turismo que tinha me posto no vôo.

    Cheguei na pousada recepcionado por um suco de limão gelado delicioso - meu quarto era ótimo, cama king size, ar condicionado, banheiro bom - tinha até banheira! Eu era o único hóspede na pousada.

    José me informou que me buscaria às 14h00 para um passeio de barco e que no dia seguinte iríamos em busca da Salto Angel.

    Fui para o quarto e cochilei. Que erro. Acordei duas horas depois e fui explorar. P?!#*!! Que isso! Impressionante, deslumbrante! A pousada está à beira de uma praia - mas não é uma praia qualquer. Sabe aquele sonho de uma praia com cachoeira? Então. A praia da pousada é exatamente isso: praia de rio com três coqueiros na água e uma cachoeira maravilhosa a 100 metros que desemboca no “mar”. Indescritível! Como teria trocado aquelas duas horas de sono por duas horas a mais na praia.

    Fiquei embasbacado. Lugar mais lindo que fui na minha vida. Na hora imaginei levar meus pais, a família do meu irmão, alguma futura namorada. O lugar é tão lindo que é impossível não fazer planos ao descobri-lo.

    Sempre pesquisei no Google sobre praia com cachoeira - sabia que existia uma na Califórnia, uma no litoral de São Paulo, outra na Ásia. Mas na Venezuela? Pesquisei horas sobre Salto Angel, como ninguém nunca falou dessa praia? Paraíso.

    Almocei bem e às 14h00 saímos para o passeio. Três cachoeiras maravilhosas. Trilha até uma quarta cachoeira - à beira de uma lagoa com casas em volta. Atravessamos a cachoeira literalmente por dentro dela - batia um sol na água formando um lindo arco-íris. Arco-íris 1. Impressionante, deslumbrante! Paraíso.

    26/09/2017 - 08h00 - Dia 3:

    Acordei. Dia de início da expedição à Salto Angel. Combinado era de aguardar um casal venezuelano que chegaria por volta das 11h e sairíamos.

    O voo deles atrasou e saímos apenas ao meio dia. Pegamos uma caminhonete por 15 minutos que nos deixou no bote. Teríamos a companhia de mais um casal venezuelano da região e de uma família de sul-africanos, um casal mais velho e seu filho de aproximadamente 45 anos. Como fazer turismo na América do Sul tem sempre seus percalços dessa vez não poderia ser diferente - o piloteiro do bote teve um problema e não poderia nos levar então o guia teve que arrumar um novo piloteiro.

    Uma hora depois, partimos.

    Foram 5 horas de viagem de barco subindo o leito do rio. O rio estava bravo então em certos momentos a viagem lembrava um rafting. De tempos em tempos caia uma pancada de chuva e de outros tempos em tempos o motor falhava.

    Como se não bastasse a aventura – legal por si só – a partir da terceira hora de viagem o espetáculo começou. Entramos no trecho em que conseguíamos visualizar a serra. Montanhas

    enormes, diversas cachoeiras. Dois Arco íris na mesma paisagem. Um show de montanhas, cachoeiras e arco-íris. Viramos o bote mais uma vez e... ela! A maior do mundo, ainda longe, ao fundo mas já com uma imponência de impressionar.

    Por volta das 17h chegamos ao nosso camping. Uma casa de dois andares à beira do rio, com vista para a Salto Angel. O primeiro andar tem uma grande mesa de jantar, uma cozinha e uma área de banheiros. O segundo andar é o espaço para atar as redes, aberto, literalmente de frente para a cachoeira.

    Jantamos um churrasco de frango feito pelos nossos guias e combinamos que se o tempo estivesse aberto acordaríamos às 4h para fazermos a trilha da cachoeira e chegarmos a tempo para vermos o nascer do sol.

    Choveu a noite toda. Acordei às 4h00 e o tempo todo estava fechado. Falei com um guia que disse que seria melhor começarmos à trilha mais tarde, às 5h30.

    A trilha até o mirante da cachoeira é fácil. Dura uma hora andando em ritmo lento. O tempo estava fechado o que colaborou com a andada.

    Finalmente, depois de 12 horas de carro na pior estrada da vida, dezenas de posto de inspeção militar, 1 hora de monomotor de “mil novecentos e vovô era criança”, cinco horas de barco, chuvas, arco-íris, noite em rede chegamos ao mirante. E valeu cada sofrimento, cada sensação de alívio, cada centavo... Ela é espetacular, gigante, volumosa e mais que isso, nossa amiga. Assim que chegamos o tempo que estava fechado se abriu e um arco-íris completo se formou logo embaixo da cachoeira. Sim, a experiência estava completa.

    O Parque Nacional do Canaima é um paraíso e a Salto Angel é a Rainha deste paraíso pouquíssimo visitado no mundo.

    Medo, Alívio, Medo, Paraíso, Medo, Venezuela, Medo, Venezuela, arco-íris - Aquarela.

    Theo Ramalho
    Theo Ramalho

    Publicado em 25/07/2018 15:24

    Realizada de 23/09/2017 até 28/09/2017

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    2 Comentários
    Natasha Utescher 06/08/2018 22:56

    😍😍

    Pedro 09/08/2018 10:22

    Sensacional!!!! Parabéns pela aventura e essa foto incrível da capa.

    Theo Ramalho

    Theo Ramalho

    São Paulo

    Rox
    50

    Economista por profissão e Aventureiro amador.

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