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Theo Ramalho 12/07/2018 17:08
    Em busca da maior cachoeira do Brasil no meio da Amazônia

    Em busca da maior cachoeira do Brasil no meio da Amazônia

    Expedição à Cachoeira Eldorado. Há 400km de barco da cidade mais próxima. 7 dias comendo caça e pesca, dormindo em redes no meio da Amazônia

    Cachoeira Navegação Trekking

    Poucos registros. Inóspito. Aventura. Estas foram as palavras de um dos principais guias de Manaus quando o indaguei sobre a Cachoeira El Dorado.

    A Cachoeira El Dorado é a maior cachoeira do Brasil com quase 400 metros de queda. Porém diferente das outras top 5 seu acesso é dificílimo o que a torna extremamente desconhecida e selvagem. Ela fica no Parque Nacional Serra do Aracá, localizado no coração da floresta amazônica. São 30 horas de barco de Manaus até Barcelos (aproximadamente 400 km) - cidade mais próxima do parque - e mais 3 dias de bote para chegar no começo da trilha no pé da serra (outros 400 km). Depois uma “trilha” de 10 km de subida para chegar no topo e mais uma trilha de uma hora até a Cachoeira. Para dormir durante o caminho, redes na selva; para comer: peixe pescado ou carne caçada. Nenhuma agência de turismo oferece a expedição


    Depois de ter feito a trilha da Cachoeira da Fumaça para conhecê-la por cima e por baixo na Chapada Diamantina que é a segunda maior cachoeira do Brasil e de ter feito a expedição até a Cachoeira do Salto Angel na Venezuela que é a maior do mundo faltava a El Dorado para completar a trinca. E sabendo que meu coração palpita mais forte ao escutar a palavra “Aventura” a definição da cachoeira não poderia ser mais instigante pra mim.


    Ótimo, quero ir. Mas e aí? Ninguém vai, ninguém leva; como um paulista que nunca foi pra Amazônia chegaria lá? Se “quem tem boca vai a Roma” quem tem amigos cineastas chega ao “El Dorado”. Literalmente. Conversei com um amigo que é produtor de cinema e tinha acabado de filmar um filme indiano na Amazônia. Este amigo me indicou o contato do guia de Manaus que acompanhou a filmagem. Quando grandes produções internacionais vão filmar em lugares inóspitos eles precisam de guias que conhecem profundamente a região para proteger a equipe e principalmente os atores em cena. O Sandrão é um dos principais guias de produções internacionais na selva brasileira. Ele é ex-exercito e é daqueles que vê bichos no escuro, dá mata-leão em jacarés e põe onças para correr. Exageros à parte, ele é dos bons. Quando mandei mensagem ele estava no Jalapão, Tocantins, acompanhando a gravação de um episódio de “Largados e Pelados”.


    O Sandrão foi super solícito, me informou que já tinha ido, que seria uma enorme aventura e que o lugar era extremamente inóspito. “Mas sobrevive?” - perguntei - “Claro man, kkkkk” ele respondeu. Ele não poderia me acompanhar mas me passou o contato de um piloteiro de barco de pesca de Barcelos que ele conhecia e confiava. Entrei em contato com o Kelson que me informou que conhecia extremamente bem os rios para chegar na trilha mas que nunca tinha subido. Combinamos que eu chegaria em Barcelos no dia 27 de setembro e começaríamos a expedição no 28. No entanto, as coisas atrasaram na Venezuela, onde estava antes, e eu só conseguiria chegar em Barcelos no 04 de outubro e nesta data ele não poderia mais. O sonho acabou? Dois dias depois dele me dar a trágica notícia ele me ligou informando que tinha uma solução. Conversou com o cunhado dele, que também é piloteiro experiente e que poderia me levar. O Júlio assim como Kelson nunca tinha feito a trilha e sugeriu que levássemos um ajudante, o Cabral, que já tinha estado na cachoeira duas vezes.


    Barco alugado, conta de combustível feita, guias contratados, passagem de barco de Manaus para Barcelos comprada. Tudo pronto? Nada disso. Faltava o mais importante. Convencer minha mãe. Na Venezuela fiquei ilhado por um dia por conta de uma estrada que desabou e estava intransitável e quando finalmente consegui cruzar a estrada a cidade que cheguei estava completamente sem internet e telefone. Em função disso não consegui entrar em contato com meus pais que corujas como são não dormiram a noite. Sou filho único da minha mãe o que faz ainda pior. Superado esse trauma a última coisa que minha mãe queria é ter um filho por 8, ou quem sabe mais dias metido no meio da selva indo para um lugar inóspito, distante de tudo, sem contato e com paradeiro incerto. Depois de muito negociarmos entramos em um acordo. Eu deveria comprar um rastreador pessoal via satélite que permitiria a ela acompanhar exatamente onde eu estaria via “Google Maps” e de quebra eu ainda conseguia mandar mensagens pré-programadas informando que estou bem ou solicitando socorro.

    Ufa, agora sim, pronto para a aventura.

    Consegui um barco expresso (Ajato) de Manaus para Barcelos. Enquanto o barco convencional demora 30 horas a “lancha” demora 15h. Cheguei em Barcelos a uma da manhã e o Júlio estava me esperando no porto com sua esposa. Ganhou minha confiança.

    Dia seguinte, a uma da tarde saímos de Barcelos. No barco, o motor 40, 9 carotes de 50 litros de combustível cada, um isopor com gelo, algumas cervejas para o primeiro dia, algumas fatias de presunto e queijo, meio frango que compramos, 6 latinhas de atum, 3 malas, o rastreador via satélite e claro, nós três.

    Na Amazônia as grandes “rodovias” são os rios. O caminho para o pé da trilha percorria 4 deles. Começava pelo Rio Negro, a “Dutra”, passava pelo rio Aracá, a “Carvalho Pinto”, cruzava o Rio Joari, a “Tamoios” e terminava no Rio Preto, a “Serra de Taubaté”. Nos dois primeiros era comum cruzar com barcos de pescadores ou de pequenos produtores de Piaçava. No terceiro com peixes pulantes, no quarto o comum era cruzar com árvores caídas atravessadas, jacarés e araras.

    No primeiro dia viajamos por cerca de 6 horas que foi suficiente para chegarmos no Rio Aracá. Naquela noite armamos nossas redes no “quintal” da casa do Paulinho à beira do Rio. Quer dizer, na verdade a casa não é dele. A casa é de um vereador da cidade e o Paulinho é o “caseiro” há três anos. Ele vive só mas também vive dando abrigo para os pescadores da região. Para ele viver só não é um problema, o problema foram as duas onças que ele viu no quintal nos últimos anos. Por sorte o raio não caiu no mesmo lugar pela terceira vez naquela noite. Jantamos uma latinha de atum cada um e logo dormimos. Tínhamos que acordar cedo dia seguinte pois necessitávamos pescar para almoçarmos.

    O plano do segundo dia era chegar na boca do quarto rio, o Rio Preto. Às 05h30 já estávamos no barco. Às 7h00 encostamos para pescar - nada. Às 8h00 de novo - nada. 9h,10h,11h, nada, nada, nada. Finalmente às 11h30 pescamos nosso primeiro Tucunaré - pescamos não, o Júlio pescou. Logo em seguida, o segundo. Já tínhamos almoço para aquele dia. Encostamos em uma praia, fizemos uma fogueira e assamos os peixes. No fim de tarde, há duas horas do objetivo final o primeiro medo real. O céu escureceu e começou um festival de raios a uma certa distância. Em seguida, um raio e um trovão, no mesmo segundo. Sinal que estava do nosso lado. “Júlio, se essa chuva chegar aqui e esses raios continuarem, você sabe o melhor procedimento de segurança?” “Fé em Deus que ela não vai chegar e que esses raios vão parar, Theo”. E Deus estava conosco.

    Chegamos ao objetivo final em segurança e ainda durante o dia. O acampamento era em uma praia na boca do Rio Preto. Jantamos outro Tucunaré pescado e armamos a rede debaixo de uma cabana de pescadores que existe na praia. O fato de termos conseguido chegar bem nos deixou otimistas para o próximo dia. O objetivo do terceiro dia era cruzar o Rio Preto até o final, estacionar o bote no primeiro acampamento e fazermos a trilha de uma hora até o acampamento base (na base da Serra). Porém ao mesmo tempo que estávamos otimistas também estávamos apreensivos. O rio preto é um igarapé muito complicado que, dependendo de como está o nível de água é praticamente impossível de navegar. E outubro, mês que viajamos, é período de seca. No entanto, por ser um igarapé pequeno qualquer chuva forte de duas horas na serra pode deixá-lo completamente navegável. Fomos dormir sem saber o que esperar do rio.

    Comparar o igarapé que encaramos com a Serra de Taubaté é até sacanagem com o igarapé. Mais adequado seria comparar com a estrada da morte na Bolívia. Toda nova esquina era igual: árvores atravessadas, tocos e jacarés. Levamos uma machado que nunca foi tanto usado. Toramos mais de 30 árvores atravessadas, passamos por cima de pelo menos mais outras 30. Para não dizer que só foram más notícias o percurso era lindo e nunca vi tantas araras em um mesmo lugar.
    Depois de 7 horas na batalha chegamos em uma esquina impossível de cruzar. Tínhamos que deixar o barco e abrir uma trilha margeando o igarapé até o primeiro acampamento.

    Segundo o Cabral, na primeira vez que ele foi na cachoeira foi necessário fazer o mesmo e que daquele ponto do rio até o primeiro acampamento não demoraríamos mais do que 40 minutos. Mas, abrir uma trilha inexistente na Selva Amazônica? Bom, a outra alternativa era armar o acampamento no meio da mesma selva já que não dava mais tempo para voltar. Quem está na chuva é pra se molhar e quem inventou essa aventura fui eu então a culpa é só minha. Vamos lá. Todos de calça, camiseta de manga comprida, boné, bota. Bota? “Júlio cadê sua bota?” “Eu só tinha um tênis que estava novinho e fiquei com dó de trazer, vou de havaianas mesmo, fé em Deus que tudo vai dar certo". O Cabral em primeiro com sua mochila e um facão na mão, Júlio no meio com facão em uma mão, a espingarda na outra e uma sacola com suas roupas e eu, com o mochilão nas costas e uma mochila com sacos de macarrão para comermos no acampamento base e lá em cima. Abre caminho, corta árvores, corta planta, cuidado com as cabas (espécie de marimbondo da região), uma aranha caranguejeira, outra aranha caranguejeira, pula árvore, passa por debaixo de outra. Uma hora depois, nada do acampamento. Uma hora e meia? Nada do acampamento. Já eram 16h30, não tínhamos nem almoçado. Perdidos no meio da selva? Eu só pensava em quando usar o botão SOS do meu rastreador via satélite. Mas para alívio geral da nação (pelo menos para o nosso alívio) às 17h00 chegamos no primeiro acampamento. Paramos e comemos um biscoito. “Daqui até o acampamento base é uma hora de caminhada Theo” me disse o Cabral. “Mas é uma hora de relógio ou uma hora quatro horas igual a trilha até aqui?”. Seguimos até o acampamento base e dessa vez a “uma hora” durou uma hora mesmo.

    O “acampamento” nada mais era do que um espaço que cabiam três redes na beira de um riozinho no meio da selva. Antes de armamos o toldo e as redes começou a chover mas a mata era tão fechada que praticamente não chegou em nós. Cozinhamos um macarrão e às 19:30 já estávamos em nossas redes rezando para não ter muitos mosquitos. Minha rede tem mosquiteiro mas na primeira noite fui atacado por mosquitos minúsculos que conseguiam atravessar o mosquiteiro e na segunda noite fui atacado por mosquitos que picavam através da rede. Imagina agora no meio da selva. Acredite se quiser, foi a única noite sem problemas com mosquitos.

    O quarto dia era o dia mais importante. O plano era acordar cedo, chegar ao cume, ir até a cachoeira, conhecê-la, dormir em cima e voltar dia seguinte cedo. Como nossa expedição era pequena não tínhamos nem comida para ficarmos um dia a mais lá em cima. Tudo tinha que correr bem.

    Imagina uma trilha difícil. Agora imagina uma muito difícil. Seja bem-vindo a trilha da Cachoeira do El Dorado. Passei os últimos dois meses anteriores à expedição viajando pelo Brasil e pela Venezuela fazendo trilhas e trekkings. Fiz alguns dos trekkings considerados mais difíceis na Chapada dos Veadeiros, na Chapada Diamantina e nos Lençóis Maranhenses além de ter subido o Monte Roraima e ter ido na Cachoeira do Salto Angel, a maior do mundo. Àquela altura já estava PHD em trilhas difíceis. E posso afirmar que esta era a trilha mais difícil das que encarei. Diferente das demais trilhas esta parece ter sido (ou realmente foi) aberta na marra - são 6 horas de subida sem nenhum momento plano ou descida. Sobe, sobe mais, mais, mais e mais. Não para de subir. “ Quando isso vai acabar”. Esta era a sensação. Tivemos que parar muitas vezes para respirar. Depois de subir muito faltando uma hora e meia para o final começa a parte mais difícil. Mais de 20 trechos tão íngremes que só é possível subir pendurado nas cordas que estão instaladas nas árvores. Algum santo com experiência em trekking esteve lá e amarrou as cordas. E agora nossos santos tinham que nos proteger para que as cordas estivessem em bom estado e funcionando. “Fé em Deus, né Júlio?”.

    Por volta das 12h30 chegamos no cume depois de 6 horas de subida intensa. Estávamos mortos e resolvemos nos instalar no acampamento e almoçar para depois encarar mais uma hora de trilha até o mirante da cachoeira.

    O terreno lá em cima da Serra do Aracá me lembrava um pouco o do Monte Roraima: tudo muito igual. Se vendasse uma pessoa e girasse ela e depois desvendasse eu duvido que ela se reencontraria. Não preciso falar no medo que estava quando começamos a andar lá em cima e o Cabral falava: “acho que é bom aqui, acho que é por ali". Só me faltava nos perdermos lá em cima. Mas o senso de direção do Cabral era realmente apurado e chegamos no mirante de frente para ela.

    Era um barulho ensurdecedor mas não se via nada. O tempo estava completamente fechado. Comecei a chorar como uma criança. Queria segurar, estava sem graça de chorar em frente do Júlio e do Cabral; o cara encara barco, bote, rede, pesca, caça e vai ficar igual a um bebê chorão? Mas aquilo não era possível… já estava pensando na lição de humildade que podia tirar daquilo até que o inacreditável aconteceu. Bateu um vento que abriu o tempo e iluminou a cachoeira por 1, no máximo 2 minutos. Foi o tempo suficiente para vermos aquela monstruosidade selvagem e inóspita; para a trilha sonora ensurdecedora ganhar imagens dignas de Oscar. Obrigado, soluços, risadas. Fantástico. Silencio, não conseguíamos falar nada. Ficamos paralisados. Dois minutos depois daquele momento divino o tempo fechou e começou uma chuva torrencial. Foi uma sensação incrível. Literalmente veio para lavar a nossa alma. Tínhamos conquistado a maior cachoeira do Brasil!

    PS: o momento foi tão especial que não vou contar do enxame de abelhas que invadiu nosso acampamento naquela noite, muito menos que o Júlio voltou pela trilha dia seguinte de bermuda, camiseta e descalço...deixa essa e outras histórias para os próximos capítulos. Sobrevivemos e conquistamos!

    Nada mais importava...


    Theo Ramalho
    Theo Ramalho

    Publicado em 12/07/2018 17:08

    Realizada de 02/10/2017 até 09/10/2017

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    12 Comentários
    Fabio Fliess 13/07/2018 12:44

    Putz! Isso é que é uma aventura! Parabéns Theo!

    Renan Cavichi 17/07/2018 09:27

    Isso sim é que é perrengue haha! Incrível! Parabéns pela conquista Theo! Bem-vindo!

    Theo Ramalho 18/07/2018 17:27

    Fala Renan. Foi muito legal mesmo! Vc tem vários interessantes também mas estou tão corrido que nao estou coneguindo ler (e nem publicar novos).. Obrigado!

    Theo Ramalho 18/07/2018 17:28

    Obrigado Daniel, Valeu Fabio, Valeu Edson!! Brigado Pedro!! Brigado Ana!! Vou acompanhar vocês também! Sucesso para as nossas aventuras todas!

    Marcelo Baptista 22/07/2018 03:06

    Bela trip, Theo! Parabéns pela aventura.

    Tiago 13/04/2020 11:47

    Parabéns pela aventura. Realmente foi incrível. Por acaso, ainda tens o contato dos guias?

    Theo Ramalho 02/02/2021 19:39

    Fala Tiago, desculpas ver só quase um ano depois! Tenho sim!!

    Tiago 09/03/2021 12:03

    Oi Theo, vc poderia me passar? Se não quiser passar por aqui, pode ser no DM do Instagram. Vc tem insta?

    Theo Ramalho

    Theo Ramalho

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    Economista por profissão e Aventureiro amador.

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