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Thiago Lazzari 27/04/2021 01:39
    Bikepacking Caxias do Sul à Florianópolis

    Bikepacking Caxias do Sul à Florianópolis

    Foram 8 dias de bikepacking entre Caxias do Sul e Florianópolis, percorrendo estradas de chão o máximo possível. Total 609km/10600m.

    Bikepacking Mountain Bike Cicloviagem

    Dia 1 - Caxias do Sul -> Jaquirana (100km)

    Após despedir-me de minha família, exatamente às 7h46 do dia 2 de janeiro de 2021, iniciei minha aventura até a cidade de Florianópolis. Meu primeiro bikepacking de mais de dois dias. Minha apreensão era enorme. A ideia pra essa viagem havia surgido há quase 2 anos. Muitas coisas ocorreram nesse meio tempo e mesmo quando parecia muito difícil, essa ideia insistia em sobreviver no fundo da minha mente.

    Um somatório de acontecimentos tornaram essa viagem possível, mas o principal deles foi a minha persistência e teimosia. Aos poucos fui comprando os itens que julgava essencial, entre eles um power bank com boa capacidade de carregamento, lanterna de cabeça e o principal, uma boa bolsa de selim. Meu objetivo em nenhum momento era realizar essa viagem sozinho, mas infelizmente todos com quem comentei, ou achavam uma loucura, ou simplesmente não tinham dias de folga.

    Nesse momento entrou o Douglas Dessotti, enquanto quase todos me desencorajavam a seguir com a ideia e viajar sozinho, ele me apoiou muito. Inclusive emprestando um saco estanque que foi de extrema importância. Além de ter sido meu braço direito durante toda a viagem, verificando rotas e buscando locais onde eu pudesse passar a noite. E também meu assessor de imprensa hahah durante a jornada, funcionava assim: eu enviava pra ele relatos, fotos e vídeos e ele postava no instagram do nosso grupo @bikepackingcaxias. Sem palavras. Muito agradecido, Douglas!

    Seguindo com o relato da viagem, meu objetivo era já no primeiro dia passar a noite no Cânion Boa Vista, em São José dos Ausentes. Seriam 200km, mas óbvio que subestimei o peso da bike com toda a bagagem, a dificuldade das estradas e meu cansaço. Ah, um detalhe que ainda não mencionei, o objetivo era transitar o máximo possível por estradas de chão. Pra evitar as grandes rodovias e ter um contato maior com a natureza.

    Percorri a Rota do Sol até Lajeado Grande (cerca de 60km por asfalto), onde almocei, (mal sabia eu que seria a última grande extensão de asfalto que veria por 7 dias). Segui de Lajeado Grande até Jaquirana, por mais 40km. Totalizando 100km no dia 1. Estrada difícil, cercada de fazendas de gado e com muitas belezas, entre elas a Cachoeira Princesa dos Campos e o Mirante da Mutuca.

    Cachoeira Princesa dos Campos

    Mirante da Mutuca

    Com uns 20km de estradão, o primeiro problema. Uma das tiras que segurava um dos sacos estanque do garfo não aguentou a trepidação do terreno e arrebentou. Amarrei o saco com uma corda elástica de improviso e segui. Precisei parar mais umas duas vezes até resolver de vez o problema.

    Às 17h10, logo após passar pelo Mirante da Mutuca, encontrei um local que parecia bom para passar a noite, em uma das margens do Rio Tainhas. A essa altura já havia me dado conta de que seria inviável seguir até o centro de Jaquirana, o que se provou uma decisão acertada, devido a escalada que me aguardava no segundo dia.

    Rio Tainhas

    Até esse momento, eu estava muito preocupado com a questão acampar. Será que vou encontrar um bom lugar? Vai ser seguro? Duas das muitas questões que rondavam meus pensamentos pré viagem e durante todo o pedal do dia 1. Depois do primeiro dia, percebi que devia seguir com a estrada e deixar as coisas fluirem naturalmente (go with the flow). Mas, assim que atravessei a ponte e olhei para a esquerda, vi um local que parecia perfeito. E de graça (outro objetivo meu era o de gastar o mínimo possível com tudo). Mas, havia uma daquelas cercas que são presas por arames. Fiquei com receio e pedi para pessoas do outro lado da margem se podia acampar perto da casa onde elas estavam, como não fui autorizado e estava escurecendo, retornei ao local de antes, do outro lado da margem do rio, passei pela cerca e comecei o processo que se tornou minha rotina durante os 8 dias. Armar barraca, encher meus travesseiros infláveis, tentar tomar banho (nesse primeiro dia consegui lavar as partes no rio hahah) e preparar algo para comer (quase sempre foi miojo). Acampamento dia 1

    À noite fiz uma pequena fogueira, o que foi bem legal, mas que não tentei fazer nos demais dias devido ao tempo escasso. Antes de me retirar para dormir, passei um tempo observando o céu. Um dos mais lindos que já havia visto. Nada de poluição luminosa. Refleti por um instante: já havia valido a pena. As inseguranças ficavam para trás junto com as estradas percorridas. Entrei em meu hotel de um milhão e logo adormeci.

    Assim terminou o primeiro dia.

    Dia 2 - Jaquirana -> São José dos Ausentes (55km)

    Após uma boa noite de sono, me alimentei e iniciei a rotina da manhã. Desmontar a barraca, esvaziar os travesseiros infláveis e amarrar tudo na bike. Nessa primeira manhã demorei muito pra ajeitar as coisas, iniciando o pedal por volta das 10h30. O que atrasou todo o planejamento do dia, que novamente era chegar no Cânion Boa Vista. E novamente não saiu como o esperado.

    Foi logo nesse segundo dia que as reflexões sobre o modo como eu lidava com a bike passaram a mudar radicalmente pra mim. No ambiente onde pratico o ciclismo, na minha cidade, parece existir uma espécie de inconsciente coletivo que nos leva para um lado de competitividade excessiva. Entre os ciclistas, entre grupos de pedal, o que com o tempo me afastou das raízes que me trouxeram ao ciclismo lá em 2014: compartilhar de bons momentos com amigos enquanto me exercito, supero meus limites e, principalmente, entro em contato com a natureza e experiencio o mundo ao meu redor.

    Meu objetivo era além de somente transitar por estradas de chão, completar a viagem em 6 dias, pedalando pelo menos 100km por dia. Como se houvesse um cronômetro me perseguindo, um senso de urgência desnecessário que somente existia na minha cabeça. Mal saí do contexto em que estava inserido e passei a ser desintoxicado daquilo que ainda não havia percebido o quão mal estava me fazendo. Percebi que o tempo é tudo o que podemos desejar ter e com ele ao nosso lado somos capazes de tudo. Caminhar com ele e não contra ele.

    Desde a saída da margem do Rio Tainhas onde passei a noite, até o centro de São José dos Ausentes, foram 55km com cerca de 40km de muita subida. O calor forte também não ajudou. Foi de fato o maior desafio até o momento. Levei 5hrs pra fazer os 55km, parando diversas vezes pelo caminho.

    Chegando ao centro de Jaquirana, aproveitei para carregar o celular em um posto e usar o wi-fi para entrar em contato com minha família e amigos.

    Logo que cheguei em São José dos Ausentes iniciei a procura de um local para dormir. Já estava me habituando a mais essa rotina do bikepacking, pelo menos do meu, de procurar um local seguro e de graça. Em pouco tempo passei por um prédio da prefeitura, chamado de Academia de Saúde. Era aberto e havia uma parte de grama atrás que ficava escondida dos olhares de pessoas que passavam pela rua em frente. Fiquei com isso em mente e fui em direção a um posto de combustível para comer alguma coisa, verificar a possibilidade de tomar banho e buscar informações sobre se ali seria permitido acampar ou se haviam alguma ideia melhor.

    Como não recebi nenhuma ideia melhor, acampei por ali mesmo. Estava ventando bastante, por isso coloquei pedras ao redor da barraca e na lona que cobria minha companheira.

    Após a montagem da barraca, consegui tomar um banho no posto. A janta foi miojo gourmet, com batatas fritas que comprei no posto. Tive mais uma boa noite de sono.

    Dia 3 - São José dos Ausentes -> Cânion Boa Vista (45km)

    Pouco depois de ter acordado e iniciado o processo de desmontagem da barraca, percebi uma movimentação na Academia de Saúde. Eram duas senhoras que estavam limpando o local. Conversei um pouco com elas e pedi o banheiro emprestado. Elas foram muito simpáticas e também me ofereceram café. Com elas também consegui água para encher minhas garrafas.

    Iniciei o pedal por volta das 10h, meia hora antes do dia anterior. Já estava um pouco mais rápido na montagem. E mais do que isso, curtindo aquele momento como parte da experiência.

    No dia 3 finalmente dormiria no Cânion Boa Vista, local que não saia da minha cabeça desde que assisti um vídeo de Bikepacking do Canal de Bike. Era um ponto que não queria de maneira nenhuma retirar de minha jornada.

    A estrada foi pesada, com muitas pedras e camionetes que passavam a toda velocidade, levantando muito pó. Mas, com paisagens incríveis e recompensas pelo caminho. Como, esse local no Rio do Silveira.

    Por volta das 16h cheguei na Pousada Ecológica dos Cânions. Onde iria passar a noite, na parte de camping, bem próximo ao Cânion Boa Vista. Que lugar!

    Como tinha um certo tempo, aproveitei para apreciar o lugar. Tirar fotos, filmar. Antes de armar a barraca, o que agradeço por ter feito, pois logo depois o cânion foi encoberto por uma forte neblina.

    Após montar a barraca, fui até a pousada onde tomei banho, comi uma torrada que estava ótima e mais um bom prato de massa. O casal que cuida da pousada é muito gente fina! Carreguei meu celular e power bank e enviei vídeos e fotos do dia para minha família e amigos.

    Pouco antes de retornar ao local do camping, já perto das 22h, chegou um rapaz chamado Maicon, com o qual fiz amizade e que me disse que passaria a noite seguinte no Cânion do Funil. O que me fez repensar o dia seguinte.

    No caminho de volta ao local de camping, fiz carinho em uma cachorrinha que me seguiu até a barraca. E que veio a passar a noite por ali ao meu lado. A neblina no retorno estava tão densa, que não via nada além de poucos metros a frente. Mas, por volta das 23h, a nelina se dissipou. Foi quando escrevi em um celular velho que levei para ouvir música (ideia do meu grande amigo Berg) o trecho que segue:

    "Estou no cânion boa vista. escrevo isso no momento em que estou deitado com a cabeça para o lado de fora da minha barraca, incrível como nunca havia feito isso antes. Há vagalumes aqui ao redor. Sobre minha cabeça as estrelas. tento apreciar cada uma delas. São 23:04. Ao meu lado uma cachorrinha que havia feito carinho ainda na pousada. ela me seguiu até aqui. Será que vai passar a noite por aqui? Queria que esse momento não acabasse nunca. Estava uma neblina muito fechada. Agora tudo se abriu. Sinto-me extremamente agradecido por isso e por tudo. Agora vou dormir. O dia de amanhã tem tudo pra ser perfeito do jeito que for."

    Dia 4 - Cânion Boa Vista -> Cânion do Funil (85km)

    O amanhecer foi muito, mas muito bonito. Vou tentar colocar a foto mais bonita aqui.

    A cachorrinha que me acompanhou.

    Pouco antes de iniciar a desmontagem da barraca percebi um pneu murcho. Era apenas um remendo desgastado. Nada de mais, por sorte. Em pouco tempo refiz o remendo e preparei minhas coisas para seguir viagem.

    Minha ideia era ir até o Cânion da Ronda, mas o Maicon (que havia conhecido na noite anterior) me falou tão bem do Cânion do Funil que não pude deixar de conhecer. Entrei em contato com o Douglas, que rapidamente falou com o responsável pelo local e mais do que isso, me deu de presente o pernoite no Cânion. Obrigado de novo, meu amigo! Nunca fiquei tão feliz por uma mudança de planos.

    Na saída o Maicon se ofereceu para levar os sacos estanque do garfo. O que acabou me ajudando muito.

    Seria mais um baita dia, com despedida do Rio Grande do Sul e boas vindas ao estado de Santa Catarina. Novamente iniciei o pedal por volta das 10h30. O objetivo do dia era chegar ao Cânion do Funil. Passando por Várzea, ponte sobre o Rio das Contas que faz a divisa entre os estados, parque eólico (cuja passagem é proibida) e Mirante da Serra do Rio do Rastro.

    Foi o primeiro dia em que peguei chuva e também o primeiro em que tive que voltar e encontrar outra estrada devido a passagem interrompida. As estradas continuavam castigando, mas com o adendo da chuva. Que não foi volumosa e suportável com uma simples capa de chuva daquelas mais simples de plástico.

    Após atravessar a divisa, subi bastante em direção à Serra do Rio do Rastro. Passando antes pelo Parque Eólico, local de passagem proibida. Acreditei que seria possível passar facilmente por ali, pois já havia feito isso com o meu grupo de pedal no passado. Conversei com o guarda, expliquei de onde estava vindo e pra onde iria. Após uns 10m, ele me permitiu seguir viagem por ali. Muito obrigado! Se não fosse isso, teria que voltar muitos km para dar a volta, e provavelmente não chegaria ao meu destino antes do anoitecer.

    Parei no mirante da Serra do Rio do Rastro para tirar algumas fotos e comer alguma coisa. Esse dia foi complicado em relação a isso, pois não encontrei nenhum local para comer durante todo o trajeto. Apenas ali no mirante e mesmo assim foi pouca coisa.

    Do mirante segui mais 5km até a entrada do Cânion do Funil. Onde encontrei o senhor Miguel que me indicou o caminho até a borda do Cânion. Foram mais 6km por dentro de uma fazenda até o Cânion. Estava chuviscando e o caminho era puro barro e passagem de gado. Alguns momentos não foi possível pedalar.

    No caminho achei o carro do Maicon com minhas coisas, que prendi na bike para levar até a borda do Cânion. Também encontrei um grupo de jipeiros, com os quais fiz amizade e que mais tarde iriam acampar ao meu lado.

    Fui até a borda, mas ainda não era o cânion. Estava a 1400m de altitude, as nuvens pareciam tão próximas que jurei poder tocá-las. Que incrível! E isso que ainda nem havia chegado ao cânion. Segui próximo a borda até avistar algumas barracas. O Maicon estava lá, apreciando aquele lugar. Pensei: só pode ser ali, ali deve ser o famoso Cânion do Funil. E era!

    Não tentarei descrever com palavras a sensação de avistar aquela paisagem. Só direi que foi como se estivesse em outro planeta. Lugar extremamente lindo. Por um instante parou de chover e pude apreciar aquela imensidão em sua totalidade.

    Mas, assim que tirei algumas fotos, armei a barraca e pedi ajuda ao Maicon para envolver minha barraca com a lona de 6x4 que havia trazido. Minha barraca não aguenta nada de chuva e eu sabia que seria útil em algum momento carregar aqueles 5kgs de peso extra. Agradeço muito ao Maicon pela ajuda, estava muito cansado e logo a chuva voltaria. Pouco depois de terminarmos, a chuva de fato retornou, transformando-se em temporal no meio da madrugada. Sem a lona eu teria saído boiando cânion abaixo hahah.

    Estava com fome, mas havia deixado o fogareiro no lado de fora, junto com a bike. Improvisei uma refeição com biscoitos e bolo que estavam comigo dentro da barraca. Me alimentei e em pouco tempo estava dormindo. Foi a melhor noite de sono de toda a viagem. O cansaço aliado com o barulho da chuva... Nem em casa, com mais "conforto", lembro de ter tido uma noite de sono tão boa.

    Dia 5 - Cânion do Funil -> Parque Nacional São Joaquim -> Urubici (67km)

    Na manhã seguinte, levantei por volta das 6h15. Com o tempo limpo pude observar de fato a magnitude do local em que me encontrava. Um dos homens que vieram de camionete bradava palavrões animados enquanto chegava mais perto da borda do cânion. Não posso julgá-lo. Por dentro eu dizia as mesmas palavras.

    Logo iniciei a arrumação da bagagem. Por volta das 8h20 filei um café da manhã dos colegas jipeiros, com direito a um belo prato de omelete, além de pão doce e pão fatiado. Agradeci muito, estava com pouco alimento naquele momento. Faltou uma melhor preparação da minha parte.

    Me despedi do pessoal e do Maicon, que também iria para Urubici, mas por outro caminho. Nossa parceria durante a viagem havia terminado, mas ainda conversamos regularmente pelo instagram.

    Por volta das 9h iniciei meu pedal do dia. Primeiro fui até Bom Jardim da Serra, faziam 5 dias que não almoçava de verdade. Ali aproveitei para passar em um mercadinho, onde me muni de suprimentos de alimentação para mais alguns dias.

    Segui em direção ao Parque Nacional de São Joaquim sem saber o que esperar. Uma boa forma de não criar expectativas, assim tudo sempre superava qualquer que fosse a ideia que tinha do que encontraria. E assim foi. Mais um lugar incrível. Foram cerca de 35km de paisagens exuberantes. Diversas pontes para serem atravessadas. Devo ter cruzado o Rio Pelotas umas 6 vezes. A cada curva uma paisagem ainda mais bonita que a anterior. Avistei chuva ao longe e aumentei o ritmo do pedal conforme ela se aproximava. Incrível ver o deslocamento das nuvens e da chuva. Consegui escapar ileso! Segui adiante. Foram kms e kms sozinho, nenhuma casa, nenhum sinal de gente, apenas pássaros e outros animais que se escondiam ao perceber qualquer movimentação. Que paz! Sensação única! Pensamentos dos mais diversos passavam pela minha cabeça. Em um dado momento senti como se não mais estivesse no comando de minha bicicleta, era como se enxergasse o que estava acontecendo de cima. Um sentimento de agradecimento me preencheu e ao mesmo tempo uma pergunta: mereço tudo de bom que está acontecendo?

    A água estava acabando, parei pra encher minhas garrafas em um filete de água que descia pelo morro em meio às pedras. Melhor água que já bebi na vida!

    Depois de tanto subir, a partir dali foi só descida até o trecho de asfalto na SC 110 que me levaria até Urubici. Foram mais 20km por ali, com cerca de 8km subindo. Passando pelo Passo do Mundo Novo com uma altitude de 1570m.

    Aí foi só aproveitar a descida! Onde passei pelo mirante da cidade de Urubici e encontrei meu grande amigo, Matheus (o Berg!). Ele estava indo para Florianópolis e resolveu me acompanhar até lá a partir de Urubici. Ele de carro, eu de bike. Combinamos de nos encontrar em Urubici, por isso foi uma surpresa encontrar ele ali. Poucos momentos depois que cheguei ao mirante, ele também chegou. Paramos também na Cascata do Avencal, que vimos de longe. Uma visita até ela infelizmente ficou pra uma próxima oportunidade. Que com certeza acontecerá.

    Ao chegar em Urubici, encontrei um outro cicloviajante, o Maurício. Pedi pra ele se já sabia onde iria passar a noite. Nos entendemos logo de cara, avisei o Matheus e seguimos ele até um belo local às margens do Rio Urubici. Onde armamos nossas barracas e conversamos com um senhor, que cuidava do local e muito simpático nos permitiu passar a noite por ali. Em meio a conversa conseguimos alguns ovos caipiras que o Maurício foi buscar com uma vizinha do senhor. Maurício era bem mais acostumado com a vida de cicloviajante ao meu ver. Já o Matheus nunca nem havia acampado. Foi muito legal compartilhar essa primeira experiência dele.

    Foi mais uma boa noite de sono, com o som do Rio Urubici ao nosso lado.

    Dia 6 - Urubici -> Serra dos Bitus -> Serra do Corvo Branco -> Aiurê (85km)

    Na manhã seguinte, Maurício logo fez uma fogueira onde cozinhou os ovos e preparou o café. Tomamos o café da manhã juntos, trocando experiências entre um gole e outro de café. Dividimos os ovos cozidos e nos despedimos do Maurício, que iniciou seu dia de pedal mais cedo que eu. Foi um grande prazer conhecê-lo.

    Quando iniciei o pedal do dia por volta das 11h, mal sabia que seria o dia mais difícil da jornada. Na saída, combinei com o Matheus de nos encontrarmos na Serra do Corvo Branco. O que eu não sabia é que pra chegar até lá, passaria por uma serra ainda mais difícil de subir, a Serra dos Bitús. Um trecho de muita altimetria, estrada ruim com momentos de até 15% de inclinação. Fui obrigado a empurrar uma boa parte. E com chuva pra completar. hahah

    Em uma das curvas, avistei uma placa que dizia "Mirante", mas dentro de uma pousada. Pedi permissão ao dono do local, que permitiu minha entrada e muito solícito se ofereceu para tirar algumas fotos minhas no mirante. Uma belíssima vista em meio aos montes. Agradeci e segui adiante.

    Mirante em meio a subida da Serra dos Bitús

    Com o fim da subida, passei por um trecho plano de onde avistei cascatas ao longe. Era um local muito, muito bonito. Verde para todos os lados. Novamente fiquei algum tempo sozinho enquanto atravessava aquela bela estrada. Como sempre o cansaço da subida havia sido recompensado. Como dizem, cada um tem a vista da montanha que sobe. Segui até o asfalto que após uma descida muito bem-vinda me levaria até o pé da Serra do Corvo Branco.

    Iniciei a subida da Serra do Corvo Branco às 15h30. De baixo já avistava as nuvens que cobriam as montanhas. Torci pra que elas fossem embora assim que eu chegasse ao topo. Subi a Serra em um ritmo que julguei muito bom. Inesperadamente, a Serra mais difícil do dia não foi a do Corvo Branco. Ao chegar ao topo encontrei o Matheus, que me aguardava feliz da vida.

    Enquanto esperava as nuvens irem embora, comi um pastel ótimo que um casal vende por ali. Aguardamos mais um tempo, mas o tempo estava irredutível. Tiramos algumas fotos e combinamos de nos encontrar em uma bifurcação onde a estrada de chão que eu seguiria, se encontraria com o asfalto que o Matheus seguiria, em uma localidade chamada Bracinho. Mal sabia eu que isso seria uma péssima ideia. Depois descobri que meu amigo não havia entendido direito o que eu quis dizer e foi uma confusão.

    Desci o Corvo Branco em direção a Aiurê, onde passaria antes de chegar a Bracinho. Mas, ao invés do asfalto, segui pelo meu objetivo, estrada de chão. Foi uma péssima ideia. Tive um pressentimento muito ruim logo que comecei por esse caminho. Estradas escorregadias (por três vezes não consegui segurar a bike que foi ao chão, por sorte nenhuma das vezes caí junto), muito barro que parecia uma espécie de argila que grudava por toda a bicicleta (as marchas estavam difíceis de entrar, freios funcionavam com limitação), em um momento entrei em um potreiro de vacas por engano, mas logo retornei à rota correta. Por diversas vezes foi preciso empurrar a bicicleta, por ser simplesmente impossível pedalar devido a quantidade de barro e pedras. Nenhum sinal de civilização naquelas bandas, chuva que ia e voltava e anoitecendo. Tive que tomar coragem para passar por um trecho repleto de vacas e bois. Até agora estou traumatizado hahah Não tenho medo desses animais, mas naquele momento tive. Empurrando a bike, emitindo sons e movimentando os braços com o intuito de afugentá-los, segui. Tive que ameaçar jogar a bike pra cima de uma vaca que fez menção de me atacar, que susto!

    Conforme anoitecia, buscava por um plano b, acampar em qualquer lugar por ali. Mas, lembrei do Matheus e segui firme. Achei que havia passado pelo pior. Quando cheguei ao local combinado, nada do homem. Encontrei dois rapazes e pedi informação, descrevi o carro do Matheus e qual não foi minha surpresa, quando me disseram que ele havia passado por ali há cerca de 4 horas (!). Não acreditei, estava simplesmente destruído pelo cansaço e pelas fortes emoções do dia. Pedi a um dos rapazes, que se chamava Rodolfo, para me ajudar a descobrir o paradeiro do meu amigo. Eu não tinha sinal, mas a casa dele possuia wi-fi. Depois de muito tentar, consegui contato com a namorada do Matheus que por SMS entrou em com ele. Descobri que ele estava próximo a localidade de Bracinho. Fiquei mais calmo, pois ele disse que passaria a noite por lá.

    Vendo meu estado, que naquele momento era deplorável hahah, Rodolfo e seus pais, seu José e dona Leonida, me ofereceram um banho quente (o que aceitei de imediato, haviam 3 dias que não tinha esse prazer, só lenços umedecidos), janta e café da manhã. E me permitiram montar a barraca e passar a noite na garagem deles. Foi de uma generosidade que nunca esquecerei.

    Incrível como a percepção das coisas muda totalmente a partir do momento em que ganhamos perspectiva. Um banho que era um acontecimento cotidiano e comum, virou um momento de gratidão ímpar. Dividir a mesa no jantar com eles que me aguardavam sair do banho me emocionou. Senti o mesmo quando ao acordar no dia seguinte, encontrei um pratinho com uma xícara sobre a mesa me aguardando.

    Enquanto armava a barraca na garagem, seu José, o patriarca da família, se aproximou e trocamos algumas palavras. Gostaria de lembrar sobre tudo o que conversamos, mas só lembro dele me pedir o que eu estava fazendo, pra onde iria. O que sei é que foi uma ótima conversa e o seu José me pareceu um homem muito sábio.

    Foi mais uma ótima noite de sono. Ainda estava muito preocupado com meu amigo Matheus, mas o cansaço me venceu e logo adormeci.

    Dia 7 - Aiurê -> Anitápolis (55km)

    No dia seguinte tomei café sozinho, pois eles já haviam seguido para seus afazeres. Após arrumar todas as coisas, pedi permissão para lavar minha bicicleta, que estava muito, mas muito suja. Com barro por tudo. Enquanto isso deixei algumas roupas secando.

    Com tudo pronto, me despedi de cada um deles com o máximo de agradecimentos que consegui. Ao me despedir de longe do seu José que no momento trabalhava com um trator, disse que agradecia muito e que não tinha palavras. No que ele me respondeu: "Não diz nada, segue tua viagem e seja feliz". Não sei explicar, mas nunca vou esquecer dessas palavras.

    Muito obrigado dona Leonida, Rodolfo e seu José!

    Iniciei o pedal de encontro ao Matheus por volta das 10h. Após 5km de subida dura, avistei meu amigo. Desolado. Me explicou o que havia acontecido. Resumindo, a noite dele não havia sido das melhores. Me senti mal e de certa forma responsável por isso. Devido a problemas no carro ele decidiu voltar para Caxias e eu segui em direção a Santa Rosa de Lima. Nos despedimos e cada um seguiu seu caminho. Grande, Berg! Valeu por me acompanhar nesse 2 dias e meio!

    Até Santa Rosa de Lima foram cerca de 30km. Um trecho muito agradável, quase todo plano e descidas. Um pouco de chuva, mas nada de mais. Paisagens muito bonitas, como estava sendo durante toda a viagem. Ao chegar em Santa Rosa de Lima almocei e conversei com o casal que cuidava do bar onde parei pedindo algumas informações sobre se seria possível chegar até Rancho Queimado. Mas, logo mudei de ideia ao saber da distância e dificuldade do caminho, seriam mais 35km de subida após chegar em Anitápolis.

    Segui por mais 25km até Anitápolis. Chegando na cidade, por volta das 17h, vi uma placa que dizia "Cachoeira da Usina". Fiquei com vontade de conhecer o local e assim que encontrei um senhor em frente a uma loja de motos, solicitei informações sobre como ir até ela. O que começou com um simples pedido de informação, me trouxe muito mais. Eu mal havia terminado de fazer a pergunta sobre a cachoeira e o senhor me perguntou para onde eu estava indo e se precisava de um lugar para passar a noite. Obviamente respondi que sim. Ao entrar a cidade percebi um bom lugar atrás de uma igreja, mas não pude recusar a oferta dele. E até um banho consegui em uma mecânica de motos. No fim das contas esse senhor era dono de tudo relacionado a motos na cidade e me permitiu passar a noite em sua lavagem, onde fiquei protegido e tinha água abundante para cozinhar e encher minhas garrafas e mochila.

    Antes de preparar meu lugar para passar a noite, fui conhecer a Cachoeira da Usina. Foi muito legal. Retornei, armei a barraca e fui até o centro da cidade para conseguir wi-fi e mandar sinal de vida a minha família e amigos.

    Anitápolis, que cidadezinha! A praça mais bonita que já vi! E as pessoas muito acolhedoras.

    Voltei para a lavagem onde passaria a noite, jantei e tratei logo de dormir. O dia seguinte prometia ser o último da jornada e eu precisava estar descansado para os 110 km que me aguardavam. Novamente, mais uma ótima noite de sono.

    Dia 8 - Anitápolis -> Floripa (110km)

    O dia seguinte começou cedo, às 8h30 eu já estava pronto pra partir em direção a Rancho Queimado. Mas, resolvi ficar mais um pouco em Anitápolis, na pracinha que havia achado tão bonita.

    Agradeci ao senhor que me cedeu um lugar para dormir e às 9h30 iniciei a subida de 35km até Rancho Queimado. Diferente dos outros 7 dias, esse seria apenas de asfalto. O que me permitia passar mais tempo onde tivesse vontade.

    Meu objetivo era chegar em Floripa, onde um casal de amigos mora.

    Enquanto pedalava, sentia uma coisa estranha. Era o último dia, a jornada teria fim naquele 9 de janeiro. Ali mesmo, sabia que não era a mesma pessoa que havia iniciado no dia 2. Pode parecer que 8 dias sejam poucos para mudar uma pessoa, mas foram 8 dias muito intensos, com acontecimentos dos mais diversos e muitas reflexões.

    Levei 3hrs para chegar a cidade de Rancho Queimado, estava muito quente e o asfalto parecia arder. Como havia tempo, entrei na cidade para conhecer um pouco da cidade. Logo na entrada descobri que ali fica a fábrica dos refrigerantes Pureza. A pracinha, assim como em Anitápolis, era muito bonita, com as latas de lixo em formato de morango. A cidade é conhecida como capital catarinense do morango.

    Rancho Queimado

    Almocei uma comida improvisada embaixo de uma árvore na praça de Rancho Queimado, enquanto meu celular carregava no mercadinho em frente.

    Por volta das 14h segui pela SC 282 em direção à Palhoça, passando por Santo Amaro da Imperatriz. Foi uma recompensa, praticamente só descida e plano por 45km. Claro que a estrada estava muito movimentada, era um sábado de tempo bom em uma estrada que leva ao litoral, mas não tive problemas. Somente ao passar por dentro de Palhoça me senti inseguro devido a carros e principalmente caminhões que passavam muito próximos.

    A partir de São José, busquei seguir costeando o mar e por ciclovias o máximo possível. Demorei um pouco mais, mas valeu muito a pena. Além de mais segurança, foi um caminho muito mais bonito.

    Em São José

    Já em Florianópolis fiz a travessia de continente para ilha pela famosa Ponte Hercílio Luz. Foi um momento muito legal.

    Quanto mais próximo do destino final, mais surreal pareciam ter sido os últimos 8 dias. Era invadido por sentimentos múltiplos. Por volta das 19h30, cheguei à casa de meus amigos (Erlão e Fran, vocês são incríveis! Muito obrigado de coração por me acolherem). Minha jornada chegava ao fim.

    Foi mais que pedalar. Muito mais. Foram lições intermináveis de humildade, simplicidade, de paciência, de superação. Todos os dias por estradas de chão, com exceção do último. Lugares incríveis, pessoas incríveis em todos eles. Pedalar com a tua casa na bike é um desafio que não é pra qualquer um. Mas, que todos deveriam experienciar. Deixar a estrada e os momentos decidirem por ti. Dormi em lugares incríveis. Acampei na casa de estranhos que me acolheram. Fui surpreendido por um senhor me oferecendo abrigo sem eu nem sequer tocar no assunto. Foi mais que um pedal de vários dias.

    Agradeço a todos que acompanharam essa jornada e que me incentivaram.

    Thiago Lazzari
    Thiago Lazzari

    Publicado em 27/04/2021 01:39

    Realizada de 02/01/2021 até 09/01/2021

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    15 Comentários
    Thiago Lazzari 28/04/2021 23:52

    Douglas, mais uma vez te agradeço pelo apoio. Tu que é o cara, meu amigo.

    Thiago Lazzari 28/04/2021 23:53

    Que massa vocês terem curtido, Bruno, Edson e Renan! Valeu

    Thiago Lazzari 28/04/2021 23:54

    Deise! Fico feliz que tu tenha acompanhado, muito obrigado!

    Thiago Lazzari 28/04/2021 23:57

    Bruna, imagino que tu também sabe muito bem como é sair uma pessoa e voltar outra. Uma jornada como essa ensina o que realmente nos é importante e nos faz bem. Agradeço por tu ter acompanhado! Muitos mais virão. :)

    Alexandre Casarotto 29/04/2021 17:06

    Que depoimento incrível! Inspirador!

    Alberto Farber 30/04/2021 08:45

    Acompanhei pelo IG também, depois vou ler com calma, mas a pernada foi grande!! massa!

    Thiago Lazzari 30/04/2021 12:37

    Valeu, Alexandre! Que bom que tu curtiu.

    Thiago Lazzari 05/05/2021 23:04

    Obrigado por ter acompanhado, Alberto!

    Thiago Lazzari

    Thiago Lazzari

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