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Thiago Maris 22/03/2020 11:56
    Cuba

    Cuba

    Cicloviagem em Cuba, atravessando a ilha de Havana até Santiago de Cuba

    Cicloviagem Acampamento Trekking

    Viajar para Cuba era um sonho antigo, desde os tempos de universidade, das aulas de história econômica e de marxismo. A princípio tinha a curiosidade política, cultural, histórica, mas à medida que os anos foram passando e a paixão por aventuras e natureza foi aumentando, a geografia, o povo e a paisagem de Cuba também começaram a fazer parte desse imaginário. Faltava tempo e companhia legal para isso apenas. Consegui dois meses de folga e o destino cuidou de juntar amigos muito queridos. Assim fomos eu, Marilin, Elisa e Ramon. A ideia era fazer uma cicloviagem sem muito roteiro ou planos engessados. Fomos sem ler relatos, sem traçar mapas ou definir os dias. Queríamos sentir, acima de tudo, a vida Cubana, de preferência longe dos turistas, que são bastantes em Havana, principalmente, e em Varadero e nos Cayos, onde os preços são elevados.

    Começamos em Havana, com as bikes descansando e aproveitando um pouco para conhecer a maior cidade do país. O Centro Velho de Havana é realmente bonito, com bares e músicos para todos os lados, centros culturais e uma arquitetura impressionante. Aproveitamos para conhecer alguns lugares "must see", como o barzinho onde o Hemingway enchia a cara e também para andar simplesmente pela cidade. Perdi a conta de quantos mojitos tomei nesses primeiros dias :). Dali, a Marilin e o Ramon seguiram para Viñales, pedalando. Fica a uns 200 km de Havana e segundo relataram, o caminho não é muito convidativo para o pedal. Eu e Elisa preferimos ficar mais dois dias em Havana e experimentar mais runs e comidinhas gostosas.

    De Havana, botamos nossas bikes num transporte coletivo e seguimos para Viñales para nos encontrarmos. Os "coletivos" são bastante comuns em toda Cuba e é um meio alternativo e mais eficaz para se deslocar para outras cidades. E são baratos. Só não espere conforto e acostume-se com a música irritante que uma parte dos jovens anda escutando. Já até esqueci o nome do estilo, mas soa como um funk dos nossos. Talvez foi a coisa que mais me incomodou em Cuba, hehe.

    Viñales é uma cidade para aventuras. Há montanhas, cavernas (enormes e incríveis, mais de 25 km de comprimento), estradas charmosas, rios e muita natureza. É uma cidade pequena e turística, mas o pessoal que vai pra lá é bacana, gente como a gente. Dali saimos pedalando para a nossa primeira praia de aguas transparentes, Cayo Jutia. São 80 km que podem ser pedalados num dia, é plano, mas sofremos um pouco por conta do calor. No caminho encontramos uma casa de hospedagem que também servia comida. depois de uma conversa e uma leve negociação (acostume-se) sentamos para comer. Uma comida absurdamente deliciosa. Lagostas, bananas fritas crocantes, arroz, feijão e salada. E a cervejinha cubana, que por sinal é bem boa. Pedalamos por mais uma hora e enfim chegamos em Cayo Jutias, num ponto isolado da praia. largamos as bikes, montamos as barracas e caimos no mar. Foi surreal, um mar do caribe inteiro só pra nós. Mas a alegria durou pouco, anoiteceu e as boas vindas vieram adivinham de quem? Pernilongos, milhares. Ficou impossível ficar fora das barracas e ficamos numa espécide de quarentena. No final da tarde tinha aparecido dois cubanos ali, oferecendo rum e dicas contra os pernilongos. Comprei o rum e ignorei os conselhos sobre os pernilongos.. A primeira comida de bronha da viagem, os repelentes e os conselhos...

    Amanheceu e pedalamos alguns kilometros até a parte principal da praia e tivemos nosso primeiro dia de boca aberta. Cayo Jutias é simplesmente maravilhosa. Ali não há resorts, casas, mas apenas um restaurante bom e um bar, e muita natureza. Horas no mar, mojitos, um charuto e a energia estava renovada. Voltamos no final de tarde. As meninas de coletivo, eu e Ramon num pedal de maratona. Chegamos a noite, exaustos.

    Cayo Jutias

    De Viñales pegamos um ônibus para Cienfuegos. De cara, outro problema, compramos as 4 passagens mas na hora do embarque não tinha lugar pra todo mundo, só pra dois. OU voltava pra trás ou iria ao estilo cubano, nas "coxa". Optamos pelo perrengue e eu e Ramon, que mede 1,90, fomos sentados no chao e na escadinha do motorista. Uma sensação peculiar durante 4 horas de viagem.

    Cienfuegos foi a cidade mais charmosa que visitamos. Tem um clima bucólico, uma arquitetura diferente do resto do país, com traços franceses, um bom comércio e restaurantes, e foi o lugar que mais tenho memória afetiva de Cuba. Esticamos alguns dias ali, numa cidade que nem estava no nosso radar e que não é muito visitada por turistas. Se for pra Cuba, vá pra lá!

    Cienfuegos

    Dali fomos para Trinidad, outra cidade que merece a visita. Muita musica, cultura, vida noturna, bares e um entorno maravilhoso. Num raio de 20 km há praias, cachoeiras, trilhas e muita coisa pra se fazer. Num dos dias, pedalamos até a PLaya Ancón (20 km) , outro paraíso com possibilidade de visitar sem gastar uma fortuna.

    Playa Ancon - Trinidad

    Em Trinidad decidimos que queríamos aproveitar mais as praias e seguimos ao oposto da costa onde estávamos, em direção ao Cayo de Santa Maria, que é uma ilha com praias paradisíacas. O problema ali é que para ir até a ilha você precisa estar num dos seus poucos resorts, com preços que começam nos 200 dólares a diária por casal. No way. Uma alternativa que acabou se tornando super agradável foi se hospedar numa cidade costeira chamada Caibarién, outro lugar bucólico, pequeno, não tão cuidado, mas na qual comi uma das melhores massas de pizza da minha vida. Sim, acreditem, em Cuba, e isso porque sou descendente de italiano, moro no Bixiga e já zanzei pela Itália. A Elisa pedia uma pra comer e outra pra levar :). De Caibarién pegamos um taxi e passamos o dia no Cayo. O preço dos táxis em Cuba pode variar muito, a depender da sua conversa e simpatia. À época, o fato de sermos brasileiros aliviava o preço um pouco, mas não sugiro tal abordagem atualmente. O preço de ter um asno fascista no poder pode ser bem alto, hehe.

    Cayo Santa Maria

    Estando em Caibarién, é obrigatória a visita à cidadezinha de Remedios, um charme de lugar. Muita cultura, cidade limpa, tranquila, povo acolhedor e alguns restaurantes bons. Fomos de bike numa manha e voltamos no final da tarde, é pertinho.

    Remedios

    Após uns dias aproveitando esse clima de "tempo que estacionou" fomos para Santa Clara, que fica praticamente no meio da Ilha. Não há praia por lá nem atrativos para quem gosta de natureza, e a cidade é agitada. A vida ali gira muito em torno do comércio e das universidades, além, é claro, de um dos principais pontos turísticos de Cuba: o masouléu do Che Guevara e o museu da revolução. Não iria a Cuba se não passasse por ali e coincidiu que o ônibus que teriámos que pegar até Santiago de Cuba sairia dali.

    Santa Clara - Masouléu de Che Guevara

    A viagem até Santiago foi bem longa, um dia inteiro. Nesse momento já havíamos nos separado. Marilin e Ramon, que tinham o tempo mais apertado, resolveram fazer a "rota da revolução" de bike. Eu e Elisa esticamos a viagem.

    Ficamos alguns dias em Santiago, uma cidade que não deixa muito a desejar para Havana. Tivemos a sorte de estar lá numa semana de festival de musica e podemos interagir mais com as pessoas. Uma das coisas que mais fiz nessa viagem foi conversar com todo o tipo de gente que encontrava, de todas as idades. É curioso que os mais velhos, a grande maioria, defendem o regime a unhas e dentes, com brilho nos olhos. A gente se emociona mesmo com as histórias. A juventude já não é assim. Há os que apoiam, há os que ponderam os lados positivos e negativos e há os que sonham em ir embora e ter mais liberdade econômica e individual. Talvez algum dia escreva sobre essas impressões, é algo interessante para quem curte política e sociologia.

    Em Santiago a gente curtiu bastante, foi a primeira vez que saimos pra "night". Muita coisa aconteceu, desde confraternização com os cubanos, fuga de um lugar sinistro na noite (boate) a uma proposta de swing que recebemos de um casal cubano. Ali já abandonamos os mojitos, descobrimos as maravilhas dos runs "padrão ouro", que eram vendidos no mercado 'negro". A partir daqui era só no shot.

    A ultima cidade antes da Elisa partir seria Baracoa, que fica no outro lado extremo de Santiago, na ponta da Ilha. Baracoa é muito diferente do resto de Cuba. As casas, a comida (no resto de Cuba vc vai comer sempre as mesmas coisas), o tempero, até o cheiro. É um lugar fascinante, envolto de montanhas e uma natureza incrível. Quando voltar a Cuba, certamente esse lugar está nos planos.

    Baracoa - uma cidadezinha toda colorida e charmosa

    Passados alguns dias, voltamos para Santiago. A Elisa pegou o onibus direto para Havana, de onde sairia seu voo de volta, e eu iria começar o meu grande desafio. Pedalar pela costa até a Sierra Maestra, lugar onde começou a Revolução Cubana. Fiz uma revisãosinha na bike, comprei comida para uma semana e segui meu caminho, sem mapa, sem celular mas com um sorriso enorme no rosto. Foram cerca de 400 km até chegar no pé da montanha da Sierra Maestra, num lugar ao mesmo tempo cenográfico e assustador. Não há cidades ou estrutura no caminho, apenas alguns vilarejos remotos. A comida e a agua eram escassas, apesar de estar pedalando na costa. Passei muito perrengue nesse caminho, houve trechos bem longos onde não encontrei uma alma. No final, já sem agua, bateu um leve desespero por conta do calor e da desidratação. Quando vi Marea del Portillo, cidadezinha que seria meu ponto de apoio, lembro de ter deitado no chão e agradecer muito.

    Chivirico e Marea del Portillo

    Em Marea del Portillo me hospedei na casa de um casal cubano e tive um dia dos deuses. Ar condicionado, lagosta feita pela dona da casa e um dia inteiro de sono. Poderia ter ficado mais ali, tem umas prais legais mas estava ansioso para atravessar a montanha da Sierra Maestra de Bike. Meu anfitrião não recomendou fazer, disse que é muito dura a subida e não há nada no caminho, além de mato, subida, descida e alguns riachos. Era tudo que eu queria, depois de um descanso, óbvio.

    O percurso da Sierra Maestra entre as montanhas durou 3 dias. Foi realmente duro, subidas ingremes, chuva, tombo, um pouco de medo, mas uma sensação incrível. Ali tive uma das experiências mais bonitas pelo caminho. No final do segundo dia, meu pneu furou, 10 minutos depois caiu um pé d'água, eu tava ensopado, exausto e com pouca disposição de fazer o remendo ali, naquela hora. Sentei no barranco, olhei pra cima e literalmente desencanei, aproveitei pra curtir a chuva. Dali a pouco, um senhor com um guarda chuvas na mão e uma térmica de café debaixo do braço apareceu, e com um olhar curioso me disse: rapaz, o que diabos você tá fazendo aqui desse jeito?? Eu ri, ele riu, contei a história e ele me chamou pra ir até a casa dele, pra tomar um café no sitio que ficava ali ao lado.

    A mulher, Lucia, me recebeu super bem, curiosa também, e depois de um papo agradável, me convidaram para dormir na casa deles. Não tive como recusar, e logo ela foi para o quintal, matou uma galinha, colheu algumas coisas na horta e foi preparar nosso jantar. à mesa, papo de política (sim, desde o camponês, os cubanos são muito politizados), estilo de vida, curiosidades do Brasil, de lá. Fiquei muito agradecido e a única forma de retribuir foi oferecer um run 15 anos que tinha na bagagem, ainda cheio. Os olhos do senhor brilharam, nunca tinha tomado um daqueles. Me disse: eu poderia trabalhar meses que não conseguiria comprar uma garrafa dessas. Paguei 30 dólares nela ): Rimos bastante, escutamos musica cubana num radio antigo e escutei histórias de um dos filhos dele, que estava no programa "Mais medicos" aqui no Brasil.Foi uma coincidência grande e eles eram muito gratos pelo programa e pela ajuda que o filho mandava.

    Na manha, outra surpresa. Minha bike estava limpa, com pneu remendado e na garupa, um cacho de banana e alguns mamões para o caminho. Marejei os olhos, dei um forte abraço nos dois e segui caminho. Minha viagem já teria valido por aquele momento...]

    Mais um dia e cheguei em Bayamo, uma cidade média mas sem muitos atrativos. Dali teria que fazer a escolha entre voltar pedalando (eu ainda tinha uns 15 dias pela frente) ou pegar um coletivo de volta pra Havana, pra fazer uma imersão na vida urbana de Cuba. Fiz essa opção.

    Não escolhi voltar pedalando porque o interior, a parte mais central de Cuba, não é tão interessante. São centenas de km de plantações de cana e outras culturas, muito pouca estrutura e nada de muito novo pra mim. Fora o calor.

    Chegando em Havana encontrei um casa de cubanos com um quarto confortável, numa região central, e fiz uma verdadeira excursão pela cidade durante 15 dias. Museus, escolas, hospitais, estadios de ginástica, jogos de beisebol, botecos, jogos de xadrez, bibliotecas ou as vezes simplesmente ia ao Malecon, costa de Havana, para observar as pessoas. Foram dias de descanso, de aprendizado, de muita coisa nova. Pude observar o dia a dia das pessoas e entender melhor como funciona o sistema cubano. Depois de quase dois meses, a saudade já era forte, mas antes vendi minha bike a um preço modesto para um rapaz que conheci, me desfiz de tenis, roupas e voltei leve para o Brasil, apenas com a roupa do corpo, umas garrafas de rum charutos, uma pintura e muitas lembranças. Que viagem...

    Thiago Maris
    Thiago Maris

    Publicado em 22/03/2020 11:56

    Realizada de 02/03/2017 até 22/04/2017

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    3 Comentários
    Fabio Fliess 22/03/2020 19:26

    Iradas as fotos. Parabéns pela trip!!!

    Bruna Fávaro 24/03/2020 17:38

    Demais essa viagem, Thiago! Bem-vindo aqui! :D

    Thiago Maris 24/03/2020 17:48

    Valeu Fábio!. E obrigada, Bruna! Demorei pra entrar aqui, to adorando a rede. A quarentena me trouxe essa agradável supresa..

    Thiago Maris

    Thiago Maris

    São Paulo

    Rox
    157

    Analista fiscal, funcionário púbico, marceneiro nas horas vagas e apaixonado pela natureza, cicloviagens e montanhas.

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