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Trilhas Perdidas 26/10/2016 01:14
    Poço dos Tucanos

    Poço dos Tucanos

    A exploratória que revelou um pequeno paraíso.

    As imagens de satélite não mostravam grande coisa. Dois poços com cachoeiras pequenas. O lugar também não era tão distante. Cumpria, no entanto, todos os requisitos para uma exploratória do projeto Trilhas Perdidas: sem trilhas, sem referências e num lugar pouco acessível (mas não difícil). Fomos até lá sem criar muitas expectativas.

    Alguns quilômetros após o povoado São Gabriel, paramos o carro no portão de uma fazenda pequena. O proprietário - um senhor de uns 75 anos, presumo - tinha um sotaque diferente. Talvez fosse português. Ele era sisudo, mas receptivo. Falava muito, dava instruções em excesso. Para as bandas em que iríamos caminhar ele nunca tinha ido e tão pouco sabia da existência de cachoeiras.

    Cálculos preliminares indicavam uma pernada de não mais que 5km, só para a ida. Parte em terreno pouco inclinado, parte em leito de córrego. Estaríamos de volta cedo. Mas não foi bem assim.

    Logo na primeira hora de caminhada tivemos um vislumbre do que encontraríamos pela frente: os famigerados bambuzais finos que o Cerrado adora colocar na margem dos rios. São estruturas naturais densas e irritantes. Elas cortam, agarram e te irritam. Melhor é sempre evitá-las. E foi o que fizemos. Continuar andando muito perto da margem do córrego, como estávamos fazendo, não seria legal. Decidimos subir os morros à direita e descer somente quando estivéssemos alinhados com as cachoeiras. Lá em cima, uma boa notícia: a lavoura da fazenda realmente mais próxima tinha uma estrada (veja, estradas em lavouras nem sempre existem todo o tempo: geralmente elas só aparecem depois da colheita).

    A descida para a cachoeira foi tranquila, mas não tão tranquila. Parecia existir uma trilha, mas um tanto apagada. Fomos por ela até encontrar um bambuzal bem denso. Nesse momento avistamos um grupo de tucanos sobrevoando (já era a segunda vez). Desviamos, enfim, para um grota ao lado, que acabou oferecendo uma via relativamente limpa até o córrego. Mais alguns minutos e estaríamos lá nas cachoeiras.

    Quando chegamos, a primeira coisa que vimos foi uma queda pequena com um poço bem transparente. Mais pra frente, no entanto, estaria a primeira cachoeira que avistaramos nas imagens. A queda em si não intimidava: era baixa e inclinada. Mas o poço era de um verde bem bonito. Águas rasas. Nas bordas, as pedras e a areia amarelavam a água. Um cerrado bem preservado ao redor terminava a pintura.

    Não chegamos a visitar a segunda cachoeira na primeira expedição. Voltamos rápido. Na volta pegamos um caminho polêmico: ao invés de refazer o caminho original, fomos andando pela lavoura que tínhamos encontrado lá em cima. Mas não previmos que ela serpentiaria, aumentando a distância, e que sairia distante da fazenda em que estavam os carros. Resultado: andamos bem mais que o esperado; foram 20km no total, ida mais volta.

    Nas expedições subsequentes tratamos de estacionar os carros no fim da lavoura. A trilha se resumiria, então, a meros 2km, em processo de descida. As águas do poço estavam sempre transparentes e de cor imbatível. Visitamos a segunda cachoeira que, apesar de não apresentar um poço tão bonito, tem uma queda interrompida em vários "ofurôs". Encontramos lá algo curioso: bem do lado da base da queda, um buraco pequeno (cabe no máximo uma pessoa) várias vezes mais profundo que a profundidade média. Peguei uma madeira bem grande pra medir. Dá uma olhada nas imagens abaixo.

    Enfim, passamos a chamar o local de Poço dos Tucanos. Tiramos a cachoeira do nome porque o poço realmente é a estrela. Tínhamos explorado um mini-paraíso, bem preservado, de fácil acesso e muito desconhecido.

    Pequena Travessia Ciganos - Tucanos

    O caminho originalmente traçado, apesar de menor e mais fácil, não é mais utilizado. Ele deu lugar a um caminho mais longo, passando por um bolsão de cerrado bem preservado. Foram necessárias várias idas para entender que este novo trajeto já tinha sido aberto por antas (pegadas, fezes e a largura da trilha foram os indícios).

    A trilha começa num córrego chamado Ciganos, não muito longe de sua nascente. Por não atravessar áreas muito acidentadas, há apenas uma pequena cachoeira por ali. Suas águas tornam-se barrentas com extrema facilidade em virtude dos barrancos de terra solta nas margens. O acesso ao córrego é simples, embora existam paredões íngrimes em alguns pontos.

    Interessante notar que grande parte da travessia aparentemente ocorre dentro ou muito perto de um assentamento criado em meados de 1996, onde antes funcionava a Fazenda Cigano. Ainda nos primeiros metros da trilha, é fácil perceber que tudo ali já fez parte de um antigo pasto.

    Mas por que o nome Cigano? Em geral, nomes de rios e serras fazem algum sentido, costumam indicar a característica ou história de uma região. No caso do Rio Ciganos, o que se pode fazer é supor uma explicação. Tudo começa na cidade de Água Fria de Goiás (a maior nas proximidades), que aliás tem esse nome por conta de um riacho que existia por ali e possuia água muito fria. Ela surgiu na década de 40 e/ou 50, quando famílias vieram de Minas Gerais procurando terras para criação de gado e produção de cana-de-açucar.

    Naquela época, com um comércio local praticamente inexistente, era preciso viajar longas distâncias para escoar a produção regional (açucar e toucinho) e trazer itens como café, sal, remédios, ferramentas etc. Esses comerciantes organizavam-se em caravanas, colocando no lombo dos burros tudo o que viria a ser comercializado. Levavam mais de 10 dias para chegar em cidades como Catalão, Uberaba, Pirinópolis, Formosa entre outras. Tempo que poderia se prolongar caso precisassem esperar baixar o volume de alguns rios. Inclusive, há ali perto de Água Fria o rio Cangalha (cangalha é aquele cargueiro colocado no lombo de burros e cavalos). Bem, quem sabe toda essa mobilidade, organizada em caravanas, não tenha contribuido para o nome 'Ciganos' do rio?

    Mas voltando à trilha, ela começa verdadeiramente após o rio ciganos. Uma subida leva até um morro alongado e levemente aplainado, onde surgem várias trilhas intermitentes típicas de movimentação animal. A parte final do morro, já numa crista estreita, revela uma vista prolongada e desobstruída do horizonte oeste, sendo possível observar a cidade de Água Fria a quilômetros dali. Mas a trilha continua pela face leste, numa descida íngrime que conduz até o vale onde encontra-se o Poço dos Tucanos (figura acima mostra a descida do morro).

    O vale é dominado por uma vegetação rasteira fácil de ser transposta. Ali há o encontro de dois córregos perenes, que seguem a oeste para sair da serra, passando, vale notar, perto de um bosque de buritis interessantíssimo (figura abaixo). A água de um dos córregos é levemente salobra e a longo prazo piora a sede, ao invés de saná-la!

    Finalmente, a partir do encontro dos córregos, chega-se no primeiro dos Poços dos Tucanos em poucos minutos. As figuras abaixo mostram o vale do Tucanos e uma imagem recente do poço principal em plena época de seca.

    Algumas das fotografias aqui expostas são de autoria da Raissa Fraga e/ou Danillo Sangali.

    Trilhas Perdidas
    Trilhas Perdidas

    Publicado em 26/10/2016 01:14

    Realizada de 05/10/2015 até 10/07/2016

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    1 Comentários
    Bruna Fávaro 31/10/2016 17:11

    Guilherme, não canso de achar incríveis as rotas que vocês fazem e tudo o que descobrem!

    Trilhas Perdidas

    Trilhas Perdidas

    Brasília - DF

    Rox
    299

    O projeto Trilhas Perdidas vem usando as tecnologias de imagens de satélite para mapear e catalogar atrativos naturais conhecidos ou desconhecidos Brasil afora.

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