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Vgn Vagner 28/04/2021 08:43
    Relato: Remada (caiaque) - Ilha do Maracujá

    Relato: Remada (caiaque) - Ilha do Maracujá

    Objetivo: ver o nascer do sol em alto mar. Aventura concluída com sucesso! Gratidão, Luciano Carvalho

    Canoagem Navegação Acampamento

    Já se passavam alguns meses que o Luciano já vinha falando de seu desejo em remar até uma ilha, qualquer ilha que fosse, no litoral paulista para ver o sol nascer. Devido a acúmulos de trabalho, nos dois trabalhos em que eu me mantia, fui postergando as oportunidades, deixando de escanteio por falta de datas disponíveis, e, até mesmo ânimo suficiente para me lançar em algo que não era o meu forte. Além do mais, estávamos vivendo uma pandemia viral que assolava não só nosso país, mas também o mundo inteiro. As restrições locais, e de cidades de toda a nação, eram severas. Toque de recolher, distanciamento social e até o funcionamento do que era considerado como serviços essências (hospitais, mercados, postos de gasolina e etc...), impediam que quaisquer pessoa pudesse viajar, alguns trabalhar, para evitar a disseminação do vírus que até era novo e vinha dando cano a muitas vidas. O uso de máscaras faciais era obrigatório em todo território nacional, e todos os procedimentos de higiene se faziam necessários para diminuir o risco de contágio.
    Tudo isso trouxe o caos aos sistema hospitalar, quebra financeira aos menos favorecidos de verba. Uma situação gravíssima. Os que não foram destruídos fisicamente pelo vírus, psicologicamente ficar arrasados.
    Fui infectado por essa doença maldita, e me recuperei. Pouco depois tive crise de ansiedade e sintomas de depressão. Luciano até então foi contaminado duas vezes, e também teve lá suas dificuldades emocionais, fora outros problemas que adentram o âmbito da intimidade. Nossos espíritos gritavam por algo com alto teor de adrenalina, de vivência ao ar livre como sempre gostávamos e fazíamos, mas estávamos impedidos de fazer. Até que não aguentamos mais...

    Com todo o cuidado do mundo, sem usar o transporte público, sem ter contato direto com mais ninguém além de nossos familiares, nos encontramos numa noite de sexta-feira (16 de Abril, de 2021), às 22h30, e partimos de carro rumo ao litoral Norte Paulista. Mais precisamente, Praia da Juréia, em São Sebastião/SP. Seguimos pela SP-098, ouvindo nossas melhores músicas (ao gosto), e desabafando nossas catástrofes emocionais um ao outro, como fazem bons amigos.
    Era tarde da noite quando, sem propósito algum, coloquei a cabeça além do Mitsubishi Lancer, que seguia tranquilo pela rodovia em trânsito livre, e pude constatar que teríamos uma madrugada incrivelmente linda. O céu estava salpicado por milhões de pontinhos brancos, sem nenhum resquício de nuvens, sendo pouco ofuscado pelo brilho que vinha das cidades da baixada. Eu parecia uma criança encantada com algo exuberante que se se vê pela primeira vez. Estilo Will Smith, na abertura do seriado Um Maluco no pedaço. O vento gelado ardia as bochechas, mas nos fazia felizes. Mesmo trazendo a sensação de que passaríamos muito frio durante a noite. Conclusão tirada quando paramos no Mirante do km 86 para dar um pouquinho de atenção a tudo aquilo, e pudemos sentir em loco a friaca que fazia fora do carro.
    Respeitando os limites de velocidade da rodovia, com os ponteiros marcando 80 km/h, após 1h30 de estrada, chegamos em frente a guarita que controla o acesso de moradores e visitantes ao condomínio e à orla da praia. A cancela estava baixa, e, placas com dizeres com o intento de fazer com que qualquer um que chegasse até ali desse meia volta.
    Luciano, como sempre, educadamente, deu uma deu "João sem braço" ao conversar com o vigia, e garantiu nossa passagem ao condomínio.
    Incrivelmente, diferente da descida pela Serra, o clima estava agradável, sem ventos frios, apenas com o mormaço predominando no ar. O que favoreceu nossa agilidade em desembarcar as tralhas do carro, deixando o desnecessário no porta malas, inflar o caiaque duplo e marchar rumo a areia.

    Já batia meia noite quando nos considerávamos prontos para entrar no mar. As mochilas estanque estavam bem lacradas, protegendo nossos itens de importâncias para o pretendido pernoite na Ilha do Maracujá, estávamos trajando roupas leves (segunda pele), e cada um usava uma lanterna de cabeça, resistentes à água.
    Forçando a visão, procurávamos as áreas menos revoltas para um embarque mais seguro possível, mas as ondas explodiam na nossa frente, como se nos avisasse que iríamos levar uma surra do mar caso a gente decidisse encarar o desafio àquela hora, e, com a maré subindo em força não teríamos nem a chance de dar 10 remadas adiante. Até então, eu, que sempre soube me manter tranquilo e sem medo diante de situações adversas, estava tranquilo. Mas, quando erguemos o caiaque diante das ondas enfurecidas quebrando em nossos umbigos, havendo somente a escuridão como horizonte, a tensão se fez presente. Ela me fez calar. Deixando apenas a audição aguçada para que eu pudesse atender às coordenadoras de Luciano. Eu agia conforme os comandos, demonstrava tudo que eu sentia através de meus olhos, lutava contra a força da água, e, quando consegui pular e sentar sobre a dianteira do caiaque, percebi que meu amigo se empenhava demais para, ainda de fora do bote, direcionar o caiaque para rasgar as ondas, esperar uma nova rebentação e subir também. Mas o mar não dava trégua. Vinham ondas atrás de ondas, e eram fortes, com correnteza de retorno nos puxando e fazendo o caiaque girar em 180 graus, deixando o barco de lado, resistindo apenas com a força de um homem o segurando. Mas, ao explodir de mais uma onda forte, vraaapo... Tomamos um "caldo" e saímos rolando, girando como dentro de uma máquina de lavar roupas, até pararmos na areia. Foi como se desse pra ouvir o mar dizendo: saiam, seus imundos. E não voltem mais aqui a essa hora da madrugada.
    Recolhemos nossa ousadia, enfiamos os rabinhos entre as pernas e arrastamos a embarcação pela areia até a parte mais alta.
    Olhamos ao breu com caras de tacho, e sem ter muito o que fazer. Nosso objetivo de pernoite na Ilha do Maracujá perdera força, mas não nos demos por vencidos. Decidimos recuar, o que era o mais sensato a ser feito, tirar um cochilo nas areias da Juréia mesmo, e levantar as 04h00 para mais um round.

    Estendemos nossos isolantes térmicos e sacos de dormir, e nos preparamos para descansar. Mas a noite estava espetacularmente linda, com milhões de pontos cintilantes ao céu, e, as vezes, com uma ou outra nuvem rala passando sobre nossas cabeças recebendo reflexos das luzes dos bairros litorâneos fazendo lembrar um tanto a Aurora Boreal que se vê somente nos confins do hemisfério sul. Algo tão lindo de assistir, que éramos incapazes de deitar para dormir. Ficamos por um looongo tempo, entre prosas e risos, admirando e fotografando aquela maravilha na calada da noite.

    Quando o celular nos despertou, havíamos completado apenas duas horas de sono. Apanhamos nossas tralhas, guardamos no carro o que era desnecessário, pra podermos encarar mais uma luta carregando apenas uma das mochilas que o que julgamos o suficiente.
    Ainda estava bastante escuro, as ondas ainda estavam fortes, a tensão também estava presente, mas não poderíamos retroceder. Com o caiaque inflado, mochila carregada, e a vontade pela aventura pulsando forte, entramos na água sem pensar muito. Só apenas com o alerta de agirmos rápido.

    - quando a gente ver a calmaria, pula pra dentro, e quando eu disser rema, você rema com vontade. - disse o Luciano.

    Ao quebrar de uma onda, sem outra vindo em sequência, me joguei sobre o bote, Luciano embarcou logo em seguida, vimos as ondas se formando diante de nós, e, com a adrenalina energizando nossos corpos (rema, rema...), Vencemos a rebentação e comemoramos por estar fora do campo de combate.

    Era possível ver qual direção tomar, ao fundo, silhueta da ilha se destacava em penumbra. Remamos tranquilamente, dentre as várias orientações que o Capitão Luciano me passava. Íamos bem. Por não estar acostumado com o modo de se sentar nesse tipo de transporte, por estar mal posicionado, tive muitas dores próximo a virilha que me forçavam a interromper a remada. Pior que eu não achava um jeito que me deixasse confortável. Mas tínhamos que prosseguir. E, para atrapalhar mais ainda, comecei a sentir enjôos que me forçavam a parar de remar, deixando toda a responsa de direção e força aos braços do capitão. Menos mal que eram pequenos intervalos.

    Aos poucos, a claridade do dia surgia em diferentes tonalidades de laranja, vermelho, rosa. Um misto incrível de ser visto enquanto as ondulações nos lançavam para cima e para baixo.
    Tivemos força e habilidade suficiente para chegarmos de frente a ilha, "tateando" o melhor local parar atracar. Buscamos a parte abrigada do vento, olhamos para os vãos onde menos estouravam ondas, miramos, e avançamos na mais breve calmaria das águas. Deveria ser uma jogada rápida, pois o embarque é feito sobre ouriços que cortam com uma facilidade impressionante. Um perigo para o caiaque que é feito de lona e borracha. Já o perigo para nós, caso não estivéssemos bem calçados, era de cortarmos os pés e/ou mãos no contato com as rochas. Mas, ainda bem que isso não aconteceu.
    Embarcamos com sucesso, e fomos logo escalando as rochas procurando o melhor mirante voltado para a direção do sol nascente. E, quando terminamos tal atividade show tão desejado começava por trás das montanhas que beiram a Serra do Mar. Parecia fogo a queimar abaixo das nuvens. Um multicolor dominante se refletia sobre o mar que espelhava toda aquela beleza de volta.
    Uma pena algo tão incrível durar tão pouco tempo. Mas tempo suficiente para nos deixar em êxtase, boqueabertos por um momento.
    Nós abraçamos em comemoração, eu com o nó entalado na garganta, emocionado e feliz por toda aquela experiência.
    Depois que sol já ia alto, tratamos de nos alimentar e sair em exploração de terreno para conhecermos melhor a ilha. Encontramos pontos com vista direta às cadeias montanhosas da Serra, e também para mar aberto com suas maiores e mais distantes ilhas (Montão de Trigo e Alcatrazes).

    Pouco mais de duas horas, aproveitando bem o local, decidimos zarpar em direção a prainha deserta onde pretendíamos passar a noite anterior. Era notável que a maré já havia subido bastante. As pedras por onde desembarcamos já estavam submersas. O que nos obrigou uma movimentação muito rápida para não sermos lançados contra as rochas, correndo o risco de acidente grave, ou rasgar o fundo do inflável.

    A remada até a praia foi bem mais tranquila, com direcionamento mais corretos, mais suavidade e beleza sobre a água em tom de verde esmeralda.
    A ponta da Juréia abriga tal praia do vento. O que diminui as ondas e favorece aproximação com calmaria. Fizemos o reconhecimento da Prainha e sua vizinha. Observamos água potável descendo do morro ao fundo, buscamos áreas de um possível futuro pernoite ali e acabamos encontrando resquícios de uma trilha que leva até a Juréia.

    A volta foi horrível. Apesar de ter um melhor controle sobre os remos, em perfeito sincronismo, tive enjôos absurdamente fortes que me tiravam toda a força. Fraco, eu pendia a cabeça para o lado na esperança de que toda aquela balbúrdia dentro do meu estômago pulasse boca a fora. Só assim eu teria meu bem estar de volta. Mas não tive. Entre várias pausas e remadas íamos nos aproximando lentamente do costão rochoso, tentando manter um caminho mais curto possível! Dali conseguimos admirar a extensa cadeia de montanhas (Queimada Grande, Pico Pardo, Pico do Papagaio...), e Vales (Rio SILVEIRAS, Rio Una, Rio Cristina/Pouso Alto, Cubatão do Norte...), do PESM - Núcleo Padre Dória.
    Quando fizemos a curva após a Ponta da Juréia, uma quantidade surpreendente de surfistas estavam a deriva esperando a formação das maiores e melhores ondas para eles (piores para nós). Ao nos verem seus semblantes imprimiam descrença, como se perguntassem: Que diabos aqueles caras estão fazendo ali, e como entraram no mar com uma tábua de maré tão alta para remar? As ondas a nossa frente cobriam todos eles, e faziam sumir a faixa de areia da praia. Situação perfeita para dar tudo errado para nós. A tensão voltou a se instalar. Era certo de que levaríamos "um tapão" nas costas e sairíamos rolando até a areia novamente. Porém, com todo um público expectador ávido pela desgraça alheia (rs). Mas, como não tinha como fugir daquilo, parei para recompor as forças, mantivemos a deriva como faziam os surfistas, e quando julgamos favorável...

    - rema, rema, com força. Vai, vaaaai...! - berrava o Capitão.

    E foi assim, com os pés em terra firme, e surpresos com a grande facilidade na saída, que pudemos comemorar nossa maravilhosa aventura sobre o mar. Ainda tivemos tempo de sobra para esticar mais um pouco e manter os braços em giratórias sobre as aguas calmas e escuras da Lagoa da Juréia. De onde pudemos apreciar nossa encantadora Serra do Mar e sua tríplice divisa de núcleos.

    Para finalizar, ainda demos alguns tibuns para terminar de lavar a alma e agradecer pelo sucesso da odisseia.

    Fim!

    Vgn Vagner
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    Publicado em 28/04/2021 08:43

    Realizada de 16/04/2021 até 17/04/2021

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