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Uma aventura sozinha: roteiro para minimizar os riscos

    Sugestões de planejamento para viver sozinho e com segurança uma experiência de aventura.

    Bruna Fávaro
    19/04/2020 17:21

    Para quem está acostumado a acordar vendo o nascer do sol de cima de uma montanha, a pedalar quilômetros em lugares ermos ou passar alguns dias caminhando pelas veredas desse mundão, a situação de isolamento social pode não ser muita novidade.

    Neste tipo de atividade é comum vivenciarmos experiências de pouco contato externo e muita introspecção, mesmo quando nos aventuramos em grupo. Algumas pessoas, no entanto, levam a situação ao limite e optam por realizar e viver sozinhas todas as “etapas” das aventuras: sonham, planejam, vivem e depois contam as histórias que guardam na memória.

    Poço do Gavião, na região do Vale do Capão


    Essa opção, infelizmente, não é feita sem medo, principalmente se você vive em uma sociedade marcada pela violência generalizada e em que as mulheres são vítimas em potencial. Nesse cenário, o fato de estar isolado, sem ninguém por perto, pode gerar para muitos não a paz que buscamos extrair dessas situações e sim muita ansiedade e aflição.

    Justamente por isso levei muito tempo para realizar minha primeira trilha sozinha: sem amig@s e sem o apoio de um guia. Mesmo tendo como exemplo tantas amigas e amigos que já tinham feito essa escolha e conhecendo de perto suas histórias, viver a minha própria experiência veio só depois de quase dez anos que coloquei o pé na trilha pela primeira vez.

    O impacto dessa experiência foi tão importante para mim que achei que poderia ser útil descrever algumas escolhas que fiz, o processo de planejamento e atitudes que tomei como precaução. Longe de ser especialista nisso, claro!

    ESCOLHA DO DESTINO

    Escolhi um destino bastante conhecido: o Vale do Pati, na Chapada Diamantina.

    Levando em conta que a prioridade era eu me sentir segura, considerei alguns fatores:

    Vista do Vale do Pati a partir da Rampa, já no 8º dia

    Primeiro porque é uma trilha em que eu tinha a certeza de que encontraria outras pessoas, uma vez que era alta temporada. No caso de eu precisar de ajuda, poderia contar com alguém que estivesse passando. Além disso, se eu me sentisse sozinha, poderia abandonar a ideia e tentar me juntar a um grupo.

    Segundo porque é uma trilha bastante marcada e eu não teria grandes problemas com orientação.

    Terceiro porque eu poderia adaptar o planejado conforme minha vontade. O Vale do Pati é um caminho que permite alguns “pontos de fuga”. Se inicialmente eu planejava entrar por Andaraí e sair no Vale do Capão em um total de 9 dias, poderia facilmente mudar de ideia e voltar por onde entrei ou sair pela cidade de Guiné, por exemplo, alterando também a quantidade de dias, que poderia cair para 4.

    CUIDADOS NO PLANEJAMENTO

    O planejamento foi a parte que mais deu trabalho. Listo alguns cuidados que tive tanto para fazer a coisa toda funcionar, quanto para garantir certa tranquilidade para minha família.

    A) Estabelecer um roteiro mais pausado.

    Além de prever quilometragens baixas por dia, deixei 1 dia livre. Meu receio inicial era o de não estar fisicamente preparada, então garanti que pudesse fazer tudo com calma.

    B) Apropriar-se das informações.

    Li inúmeros relatos de outras pessoas que publicaram aqui no AventureBox. Isso fez com que eu me sentisse segura sobre o tipo dificuldade que eu poderia ter. Sabia quais eram os dias mais puxados, onde estavam os atrativos naturais que deseja muito conhecer, a casa de moradores nas quais optei me hospedar etc. Isso evitou surpresas desnecessárias.

    C) Levar um GPS.

    Apesar de ser uma trilha bem marcada, para mim foi importante saber que, se eu tivesse dúvidas sobre o caminho, poderia consultar meu GPS. Foi o caso em um trecho, o do Cachoeirão por baixo, quando sabia que não estava perdida, mas achava que estava indo pelo caminho mais difícil. Sei que nem todos têm um aparelho GPS, mas hoje em dia existem alguns aplicativos para celular que cumprem bem a função. Às vezes uso o Wikiloc, por exemplo. Lembrando, claro, que muitas vezes esses aplicativos dependem de sinal de telefonia e podem te deixar na mão em lugares mais isolados.

    Imagem dos tracklogs que selecionei previamente

    D) Investir em um rastreador satelital.

    Tenho um SPOT Gen3 e com ele pude garantir duas coisas que para mim eram importantes em uma situação em que não há qualquer sinal de telefone. A primeira delas, era sentir que, caso acontecesse algo mais grave comigo, eu poderia acioná-lo. Se eu me machucasse, poderia apertar um botão e pelo menos alguém ficaria sabendo. Eu poderia pedir socorro. Sabemos que isso não garante ter a vida salva, mas, com certeza, é um cenário melhor do que estar passando por problemas e nem ao menos conseguir avisar alguém.

    A segunda é que importava para mim manter minha família informada. Com o aparelho, toda noite eu mandava a minha localização e a mensagem de que estava tudo bem. Eles também podiam seguir meus passos ao longo do dia e acompanhar minha viagem a distância. Certamente isso fez toda a diferença, porque eu não tinha pressa em terminar a trilha por estar aflita em não dar notícias a eles.

    Foi a primeira vez que usei e recomendo muito esse investimento para quem puder!

    Aqui um exemplo de mensagem enviada na noite de Ano Novo!

    E) Compartilhar os planos.

    Antes de começar a trilha, quando ainda tinha acesso à internet, enviei a alguns amigos de montanha, aos meu familiares e ao namorado um lista com as datas e o que pretendia fazer em cada dia. Também deixei indicados alguns telefones onde poderiam buscam ajuda, caso algo acontecesse (Bombeiros, Polícia da região, Grupos de Resgate da região). Depois ainda enviei informações sobre minhas condições (se tinha roupa para quais temperaturas, se estava com barraca, se tinha comida para quantos dias etc.).

    Compartilhando meus planos com meu pai

    ATITUDES

    Apesar de as atitudes descritas aqui servirem para qualquer experiência, seja ela sozinha ou não, acho válido reforçá-las.

    Evitei divulgar meus planos em redes sociais. Essa foi uma dica que recebi de amigas que fizeram longas viagens de bicicleta (Carol Emboava, Juli Hirata, Ada Cordeiro, Aline OS e taaaaaaantas outras). Divulgar os próximos lugares pelos quais você vai passar pode facilitar a ação de alguém mal intencionado. Durante a trilha, também evitei dar essa informação para as pessoas que encontrava no caminho. Claro, nem todas! Mas quando havia pouco contato, limitava a dizer “o grupo está vindo logo atrás”.

    O nível de prudência foi mais do que dobrado. A última coisa que desejava era me machucar. Ao invés de pular de uma pedra a outra, preferia dar a volta e caminhar. Ao invés de atravessar um rio evidentemente perigoso, preferia fazer outro caminho. Ao invés de sair para caminhar à tarde, preferia sair cedinho, garantindo que houvesse luminosidade. Ao invés de encarar riscos, preferia ir até onde me sentia confortável.

    Rio Funis, quando evitei atravessar por estar com forte correnteza

    ***

    Foram oito dias tranquilos, sem atropelos e seguros. Para alguns, a descrição completa do que NÃO seria uma aventura... Para mim, um processo interno de muita exploração: do lugar, das pessoas e, sobretudo, de mim mesma. Ou seja, uma aventura completa!

    Esses cuidados todos serviram para mim, na minha primeira vivência sozinha em uma trilha, diante dos meus medos e daquilo que estava disposta a abrir mão. Talvez o tempo traga ajustes. Talvez não servirão em sua totalidade para muitos. Talvez servirão para alguém, em alguma medida.

    Mas com certeza provou para mim o que há muito tempo já se sabe: lugar de mulher é, também, aventurando-se onde ela quiser.

    O resultado dessa experiência foi relatado AQUI.

    13 Comentários
    André Lima 20/04/2020 20:33

    Um ótimo manual de como planejar uma aventura. Muito bom!!!

    Bruno Negreiros 21/04/2020 10:05

    Irado, Bruna. O seu guia de procedimentos me lembrou muito de quando organizei a viagem solo pelos Lençóis. É exatamente isso!

    Show! Muito bacana as informações da matéria e sua experiência!!👏🏼🙌🏼💪🏽

    Douglas Cordeiro - DC 29/04/2020 12:19

    Bruna que massa!! Parabéns por essa aventura que é o sonho de muitos.

    Nathachi_Aventureira 29/04/2020 15:01

    Sensacional! Me identifico muito ♥ Viajar solo é o máximo! PArabéns Bru!

    Dielson S Ferreira 01/06/2020 17:00

    Parabéns Bruna. Adorei o seu relato! Em Set/19 eu fiz a travessia a partir dos Aleixos em direção a Andaraí. Eramos 6 amigos do Rio e uma amiga de São Paulo. Com certeza foi o melhor trekking que já fiz. chego a afirmar que superou o Monte Roraima em Fev/12. Sucesso pra vc!

    Luiz/ Lu Ribeiro 09/10/2020 11:35

    parabens tudo muito lindo , lencois é minha parada obrigatoria no portal da chapada. um lugar magico. eu gosto de renovar minhas energias em pratinha . um lugar magico tambem.

    Marcelo Lemos 10/10/2021 22:47

    Relato de planejamento muito interessante, Bruna. Foi lá nos detalhes. Olha, não sei se você planeja outras do tipo, mas, quando ela reabrir (no momento, está fechada devido à pandemia e falta de contrato com empresa para administrar o parque), a Travessia Petrópolis-Teresópolis (no Parque Nacional Serra dos Órgãos) é tranquila quanto à segurança pessoal, por entar em área protegida e de acesso relativamente difícil. O percurso é que deve ser feito com atenção, mas em um feriadão, por exemplo, sempre tem muitos grupos. Procure se informar melhor quanto ao percurso, se te interessar, principalmente o lance do cavalinho.

    Bruna Fávaro

    Bruna Fávaro

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    Montanhista, ciclo-mochila-viajante, professora e de bem com a vida!

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