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Claudio Luiz Dias 28/05/2016 08:21
    Vivenciando a Serpente - Rumo a Machu Picchu – Parte II Cusco

    Vivenciando a Serpente - Rumo a Machu Picchu – Parte II Cusco

    A ideia é compartilhar dicas e aprendizagens da viagem realizada ao Peru em abril de 2016, incluindo a trilha inca de 4 dias e muito mais.

    • Aclimatação

    Continuando nossa aclimatação física e cultural, depois de 3 dias em Lima, viajamos para Cusco (umbigo do mundo em Quechua), localizada a 3500 metros acima do nível do mar.

    Inicialmente tinha ouvido histórias de que o pouso no aeroporto de Cusco é com emoção, pois devido à montanhas do entorno, a descida é meio abrupta. Mas isso não aconteceu e a descida foi bem tranquila. Pode ter sido devido ao tipo relativamente pequeno do avião.

    Quando chegar em Cusco, voce vai ver bandeiras do arco-iris por todos os lugares. Não, nao vai haver uma parada GLBT. É só a bandeira oficial do Departamento (Estado) de Cusco.

    Uma das primeiras coisas a fazer em Cusco é tomar um chá de coca e dormir algumas horas, para aclimatar o corpo à altitude e evitar ou minimizar o soroche (mal da altitude).

    Mesmo com esses cuidados, dois dias antes de encararmos a trilha, Carlo passou mal numa das noites, com dor de cabeça e vômito. Com a altitude e menos oxigênio, a disgestão de comidas mais pesadas como carnes fica comprometida para quem não está plenamente adaptado.

    Fazer os passeios em Cusco e arredores, além de cultural, ajuda na preparação para a trilha, já que em muitos locais, há caminhadas em ruínas e escadarias, que requerem esforço físico, principalmente devido ao oxigênio mais rarefeito.

    Pelo facebook agendamos de fazer um city tour na manhã do dia seguinte com o guia Jim Salas Cruz, que foi o guia do Renan no relato https://aventurebox.com/renancavichi/trilha-inca-machu-picchu-peru/report.

    Jim é um professor de história, que fala muito bem o português e conhece o Brasil. Só não sabe escolher time brasileiro de futebol para torcer.

    Fizemos o city tour tradicional, mas com o diferencial de rodar em carro que, se não era guiado por Deus, era dirigido por Jesus, o motorista contratado. Assim, tínhamos o Jim só para nós dois e ele não teve nenhuma pressa em percorrer os pontos turísticos e nos contar histórias dos Incas e da colonização espanhola, lendas e rituais.

    Mostrou-nos detalhes da arquitetura pré-incaica, inca e hispânica, diferenças entre casas comuns, casas de autoridades incas e templos. Nos ensinou a identificar as portas duplas dos templos e as cavidades nos "batentes" para inserir "porteiras"

    Explicou-nos sobre o uso das estruturas trapezoidal e vazada para resistir aos sismos. Também nos falou do trabalho dos Incas e dos Inca-pazes (detalhes nas contruções que só vai saber quer for lá conversar com o Jim).

    De acordo com Jim, nosso guia professor, os incas, ao expandir o império, sempre aprendiam a dizer por favor e obrigado na língua do povo “anexado”. Ofereciam um modo de vida evoluído, em troca de mão de obra para as construções e produção de alimentos. Seria a Pax romana dos andes?

    Assim, aprendemos a dizer “Sulpaki”, que é obrigado em quéchua, a língua inca que resistiu aos tempos e hoje é reconhecida pelo governo como língua oficial do Peru, juntamente com o espanhol.

    Apreendemos também que uma das principais deidades dos incas era a Pachamama, geralmente representada pelas montanhas. Aproveitando isso, os espanhóis vestiam imagens de Nossa Senhora com vestidos rígidos e em forma de cone que se assemelhavam ao formato da montanha, facilitando a migração dos cultos.

    Se tiver tempo para ver a maioria dos pontos turísticos de Cusco e arredores, compensa comprar o Boleto Turístico que dá direito à entrada em muitas atrações. O custo é de $ 130,00 soles e vale por 10 dias. Mas algumas igrejas ou museus tem custo à parte. Soubemos que 80% do valor pago vai para o Ministério da Cultura em Lima e somente 20% fica para gestão direta da atração turística.

    O legal de iniciar o city tour de manhã é aproveitar melhor a luz do dia para ver algumas ruínas, sem precisar “correr”.

    Passamos em O’oricancha ou Koricancha (muro dourado) no centro de Custo. Sobre este imponente templo foi construída a igreja de Santo Domingos (o criador da inquisição). O nome do lugar (dourado) dá uma ideia do que continha: ouro. Alguns aposentos do antigo templo remanesceram.

    Depois fomos a Sacsayhuamán (pronuncia-se algo como sexy woman). Se a Cusco dos incas tinha a forma de um Puma, Sacsayhuamán era a cabeça da fera e suas muralhas em zig-zag eram os dentes do felino. Algumas pedras da muralha pesam 350 toneladas.

    Havia torres imensas cujos vestigios das suas bases circulares ainda estão presentes.

    Em 1536, Manco Inca o imperador empossado pelo espanhóis se rebelou ao perceber que era um fantoche, e se aquartelou em Sacsayhuamán. Neste local, milhares morreram e Manco Inca fugiu para Ollantaytambo, no Vale Sagrado. Depois, o lugar foi utilizado como pedreira para a construção de igrejas pelos espanhóis e casas pelos cusquenhos, ficando bem descaracterizado e sem as torres. Mesmo assim, sente-se a sua imponência.

    Algumas pedras nas muralhas são dispostas formando imagens. Jim nos mostrou a Lhama. Você consegue vê-la na imagem absaixo?

    Hora de seguir para Tambomachay, local destinado à referenciar a divindade água. Canais conduzem as águas de nascentes para locais de banhos cerimoniais.

    Há um lindo ritual quechua de purificação e limpeza espiritual e das casas que ainda realizado a cada ano, como encerramento de um ciclo e começo de outro.

    Depois foi a vez de Pukapukara (forte vermelho) devia ser uma local de parada ou descanso entre cidades incas. Ou mesmo um ponto de vigia, pois a vista do vale, ainda hoje cultivado, é ampla.

    Q’enko era um local cerimonial, com uma pedra para sacrifícios de lhamas em uma pequena gruta. Múmias da elite eram mantidas no local, e por vezes elam levadas em procissões em festas e rituais.

    Pedra para sacrifíciosdentro da gruta

    Nos nichos acima, as mumias eram colocadas para participarem das festividades e tituais

    Um "parenteses" no city tour:

    Como os espanhóis proibiram os rituais com as múmias, as expressões sacras foram migrando e devido ao sincretismo com o catolicismo, a tradição das procissões continuou, porém levando santos e cruzes, ao invés de múmias.

    O interessante é que as imagens são ricamente vestidas e usam cabelo humano. Há vários ateliês de costura nas proximidades da Igreja de São Pedro que bordam mantos de santos e toalhas para altares. Tudo muito alegre, com muito brilho e cores fortes. Até Jesus na cruz (o santo, não o nosso motorista), usa sarongues ricamente ornamentados.

    Tivemos a oportunidade de acompanhar uma dessas manifestações: a festa das Cruzes. Cada comunidade ou mesmo família em Cusco tem uma Cruz de devoção. A cruz é ornamentada e levada a uma igreja para ser abeçoada.

    Não é raro ver devotos mascarados levando andores com sua cruz.

    Nas igrejas, cruzes são mantidas do lado de fora e grupos se revezam na chamada “velada”, onde velas multicoloridas queimam a noite toda, ouvindo as rezas e preces dos devotos.

    E grupos de jovens saem dançando, paramentados com roupas alegres, reluzentes e barulhentas, dançando ao som do ritmo dado por bandas de sopro e percussão, evoluindo em louvor à sua cruz.

    Apresentação no pátio do Mercado de São Pedro com a Igreja de São Pedro ao fundo

    Bom, feito o esclarecimento sobre a religiosidade, voltemos ao tour.

    Passamos ainda no Museu Inka em Cusco, onde nosso já amigo Jim deu-nos mais uma oportunidade de conhecer a história das culturas pré-hispânicas.

    O tour terminou com a visita à Catedral de Cusco, localizada na Plaza de Armas, fechando o ciclo das culturas sobrepostas. O custo para visitar a Catedral foi de 25 soles e é proibido tirar fotografias no seu interior.

    Nesta noite, recebemos no hotel a visita do Mario, nosso guia da trilha. O objetivo orincipal foi de nos conhecermos. Mas também tirar dúvidas, dar dicas sobre equipamentos, certificar-se que os passaportes estão de acordo com os boletos da trilha e marcar um ponto de encontro para o dia de início da caminhada.

    No dia seguinte, saímos novamente com o Jim para fazer o tour pelo Vale Sagrado, no mesmo esquema de carro particular. Assim, chegávamos mais cedo nos pontos turísticos antes da turba.

    A primeira parada foi em um sitio onde são criadas lhamas (que adoram espirrar na cara dos turistas desavisados), alpacas e vicunhas, e também se pode observar diferentes variedades de milho, batata e feijão e ainda insumos utilizados no tingimento dos fios produzidos com pelos desses animais.

    Depois, em Pisaq, uma cidade com muita arte, artesanatos, joias em pratas e tecidos, vimos ruínas incríveis com terraços gigantescos, e construções residenciais com vista para o vale sagrado. É possível avistar impensáveis catacumbas incrustadas na montanha em paredes verticais. Difícil imaginar como as múmias eram levadas até lá. As populações que havitavam o lugar deviam conhecer técnicas de rapel.

    As cavernas na rocha são túmulos (já saqueados)

    Depois de um rico almoço self service incluído no pacote, foi a vez de conhecer as ruínas de Ollantaytambo, que é também a cidade base para o início da trilha inca. A cidade atual é viva e algumas casas ainda mantém a estrutura inca de ter 4 residências voltadas para um pátio interno, servida por água corrente canalizada.

    Subir até o topo dos enormes terraços seria um esforço muito grande.

    Na parte de baixo, um terraço estava sendo cultivado com quinoa, com sua linda inflorescência vermelha e há fontes de água para banhos cerimoniais.

    Mas o incrível é olhar para a montanha em frente onde há imensas esculturas de faces esculpidas na rocha.

    Há também um grande armazém para guardar mantimentos. Jim explicou que a posição deste armazém é propícia para receber ventos gelados das montanhas nevadas, favorecendo a conservação dos mantimentos.

    A vista do vale sagrado é muito linda

    Do trono Inca (uma poltrona esculpida em rocha), é possível observar o exato solstício de verão quando o sol nasce por traz do nariz de uma dessas esculturas, bem à esquerda da foto abaixo.

    Por fim, passamos em Chinchero, chamada de berço do arco-iris, localizada a 3.772m de altitude. Manco Inca em retirada fugindo dos espanhóis incendiou a cidade para não deixar suprimentos e abrigo aos inimigos. Dominada a cidade, foi construída uma igreja sobre os alicerces incas. Paredes e tetos são pintados com afrescos feitos pelos indígenas convertidos. Essa relíquia está precisando de reparos urgentes. E a população atual mantém tradições incas, no vestuário e na tecelagem. Bom local para comprar artesanatos.

    Jim nos explicou que se você paga o preço pedido inicialmente pelos comerciantes, sem pechinchar, você pode deixar o sujeito em crise existencial, pensando "será que eu devia ter cobrado mais?". Então, pela boa saúde dos artesãos, pechinche!

    Nos campos, notamos que praticamente não existem cercas de divisas de propriedade. A cultura Inca socialista persiste (e a reforma agrária no Peru se deu nos anos 60). Assim, familias tem seu quinhão de terra para produzir. Para evitar danos às lavouras, todos os animais (bois, porcos, ovelhas) pastejam com cabrestos individuais.

    Em Cusco há muito o que ver: incontáveis igrejas, locais de venda de arte sacra, roupas, souvenires, semi joias de prata, museus e mercados.

    Entre a Plaza de Armas e a igreja de San Blas, lojas finas e muita prata. Na Avenida del Sol, galerias de artesanato, cafés e museus.

    No mercado de São Pedro, que ficava perto do nosso Hotel (Betel House) havia uma variedade de frutas, legumes, artesanatos, pães, carnes, flores, ervas, etc.

    Há boxes de refeição muito procurado pela população local. Almoçamos dois dias lá, sendo a comida simples, boa e muito barata Por exemplo, no "arroz com huevos" vem: arroz, banana frita, ovos fritos, e salada, por 5 soles.

    Um ótimo museu a ser visitado é o Museu Histórico Regional que está incluido no Boleto Turistico. Outro é o Museu de Sitio del Qorikancha, situado no subsolo do Korikancha, com entrada pela Av. del Sol.

    Em outro dia, por questão de custo , fizemos um passeio de ônibus (com grupo maior) para as estruturas de Moray e as Salinas de Mara. Desta vez nosso guia foi o Dionel Baca Collantes (www.machu-picture.com), que durante a trajetória também nos contou passagens da história do Peru.

    A escursão parou inicialmente em Chinchero, em uma Associação de tecelãs que nos mostraram muito alegremente as etapas da fabricação dos tecidos com pelos de lhamas.

    Primeiro os pelos são lavados com um shampoo natural extraído de uma raiz ralada (este shampoo também evita que os cabelos humanos fiquem brancos com a idade). Depois são fiados (transformados em fio) e então tingidos. Dezenas de cores obtidas de infusões com raízes, folhas, sais e até cochonilhas. Então é "só" tecer os lindos mantos e roupas. Impossível resistir a uma comprinha...

    Em Mara, as salinas são incríveis pelo tamanho e localização. Quando os andes se elevou, represou água salgada do mar em grandes lagos. Com a evaporação, restaram os sais, que foram então recobertos por sedimentos. A água subterrânea que flui das montanhas em direção ao rio mais abaixo, passa por este "pacote salino" e se enriquece de sais. Ao aflorar na encosta da montanha como uma nascente, carreia os sais para fora da montanha.

    Isto é o que os cientistas dizem. Mas na verdade, a água salgada é resultado das lagrimas de Ayar Kachi, o mais novo dos irmãos Ayar que chegaram a Cusco para fundar o império Inca e foi enterrado alí por seus irmãos.

    Desde tempos remotos, o homem andino aprendeu a manter a água em poças rasas, aguardando a evaporação da água para retirar o sal. Hoje são mais de 3 mil poças, trabalhadas por dezenas ou mesmo centenas de familias locais. É bom ir de óculos escuros.

    Por questões de segurança, somente é permitido ficar no local por 30 minutos. O ônibus também não pode parar na estrada que dá acesso às salinas.

    Em Moray, eu havia me preparado para descer (e depois subir de volta) até o centro deste complexo que segundo a teoria mais aceita era um local de aclimação das culturas às diferentes temperaduras. Mas não é permitido!

    Além da estrutura maior, que foi restaurada, há duas outras estruturas circulares que são mantidas propositalmente da forma como estavam quando foram "tombadas" pelo Ministério da Cultura.

    Estas estruturas foram criadas aproveitando um acidente geográfico natural, onde ocorreu a subsidiência do solo, formando uma espécie de arena.

    Nosso Guia celebrou um pequeno ritual de energia de Pachamama, respirando e sentindo as influências deste local, onde milhares de pessoas derramaram seu suor para escavar a terra original, trazer blocos de pedras, areia, esterco de lhama e terra nova, criando os terraços para plantio.

    Agora, estavamos nos sentindo preparados para curtir a trilha inca, saboreando as ruínas que veríamos durante o trajeto e depois no auge, na cidade perdida de Macho Picchu, que vista de cima tem a forma de um Côndor voando.

    Sempre lembrando do que aprendemos com o Jim Salas. Ele frisou que a cultura Inca tinha um forte simbolismo na trindade:

    • a Serpente (inteligência) guardiã do mundo de baixo, conhecido como Ukupacha (o mundo dos mortos);
    • o Puma (força), guardião do mundo do meio, conhecido como Kaypacha (o mundo dos homens) ; e
    • o Condor (espiritualidade), guardião do mundo de cima, conhecido como Hananpacha (o mundo dos espíritos),

    E disse que se Cusco é o Puma e Macho Picchu é o Côndor, então a Trilha é a Serpente.

    Então, melhor dizendo, estavamos prontos para vivenciar a serpente!

    Claudio Luiz Dias
    Claudio Luiz Dias

    Publicado em 28/05/2016 08:21

    Realizada de 24/04/2016 até 28/04/2016

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    Claudio Luiz Dias

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    Agrônomo pela ESALQ USP.Trabalha na CETESB (Agência Ambiental do Estado de São Paulo) desde 1990. Interesse por meio ambiente, historia e cultura (foco em cerâmica indígena)

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