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Divanei Goes de Paula 16/11/2015 18:19
    Travessia Pedra do Frade - Bananal x Mambucaba

    Travessia Pedra do Frade - Bananal x Mambucaba

    Travessia partindo de Bananal-SP,passando pelo cume da lendária PEDRA DO FRADE e finalizando em Mambucaba-Rj.

    Montanhismo Trekking

    Travessia: Bananal-SP x Pedra do Frade x Mambucaba-RJ

    Março/2004 : Esta foi a primeira vez que eu a vi . Ou a primeira vez que eu realmente prestei atenção nela. Foi amor à primeira vista. Estava em Parati-Mirim-RJ, tentando desesperadamente conseguir um barco que me atravessasse o Saco do Mamanguá, onde eu iria dar início à grande Travessia da Ponta da Joatinga. A Pedra do Frade, vista daquele ponto, enfeitiça qualquer aventureiro apaixonado por montanha, e comigo não foi diferente. Jurei um dia trepar(escalar,rsrsrsrsr) naquela pedra, mesmo sem saber sequer se trilha existia até lá. E então deixei o tempo passar..............

    Maio/2009 : O dia amanhece extremamente chuvoso. Nossa barraca está toda inundada. Nada ficou seco, foi uma noite terrível. Montamos nossa casa de mato bem encima de uma poça d'água, alias, era o único lugar com meio metro de terreno plano que achamos. Para chegarmos até aqui, tivemos que atravessar quilômetros de lamaçais à nado. Bem que avisaram pra gente não vir, mas eu e meu primo fomos teimosos feito mulas. Mas também, vá falar pra um aventureiro que ele não consegue chegar sem um guia em algum lugar, essa gente não costuma levar desaforo pra casa, não fogem de um desafio por nada. Confesso, quebramos a cara e tivemos que enfiar o rabo entre as pernas e sair correndo, feito criançinhas para o colo quentinho da mamãe. Mas não há de ser nada, da próxima vez, esta maldita Pedra do Frade me paga. Ela não perde por esperar...............

    Outubro/2010: O dia da minha vingança estava marcado. Feriado de finados. Mandei e-mail para uma dezena de amigos, convidando-os para a empreitada. Alguns, simplesmente ignoraram, como sempre. Outros fugiram as pressas pra Colômbia. Outros iriam levar a vó na musculação, a mãe pra tomar vacina anti-rábica, o pai pra fazer o Papa Nicolau e por aí vai. Arrumei minha mochila, decidido a seguir sozinho, sabia que a trilha era difícil e complicada e que todos os artigos da NET diziam que não dava pra fazer sem guia e sem GPS e quem fosse por conta própria ia se ferrar e “tralalá e tralalá”. Não tava nem aí, iria só e pronto.

    Dois dias antes da viagem, aparece na minha casa um dos meus amigos de infância, que há uma década, tinha morrido para as aventuras, (quem será que libertou ele da tumba?, rsrsrsr). Seu nome: Valdemir, ou professor Valdemir, formado em matemática pela Universidade de Campinas (Unicamp), mas aqui chamarei apenas de Dema, que é como eu sempre o chamei, desde os remotos tempos de escola. O Dema foi sempre companheirão de altas aventuras e vários perrengues e caminhadas, mas nos últimos dez anos esteve congelado, veio até mim, buscar ajuda para um problema de saúde que atacam quase todos nestes tempos modernos. Estava sofrendo de stress crônico. Professor de escola pública, também foi vitima do descaso e do abandono da educação pelos caras da”estrela vermelha”e também do “pássaro bicudo”.

    Embarcamos na rodoviária de Campinas, rumo à São Paulo e de lá, para Aparecida. De Aparecida para Cruzeiro, última cidade do estado de São Paulo, para descobrir que não tinha mais ônibus para Bananal e para nenhum outro lugar. O jeito foi dormir na rodoviária mesmo e esperar até as seis da manha, quando partiria um ônibus para Barra Mansa, cidade fluminense que fica a 13 km de Bananal - SP. Finalmente às 10 horas da manha saltamos na minúscula rodoviária de Bananal. Claro, teríamos evitado todo este sofrimento se tivéssemos achado passagem de São Paulo até aqui, mas com o feriado prolongado isso não foi possível.

    Bananal é uma cidade muito pequena, mas muito charmosa. Exibe casarões antigos, herança dos tempos de fartura e riqueza, proporcionados pelo café. Atravessamos o centrinho da cidade, cruzando sua rua principal, passando pela mais antiga farmácia do Brasil. Seguindo as placa Serra da Bocâina, viramos à esquerda e interceptamos a rodovia SP-247, bem no seu início, com a inconfundível placa km-0.

    O nosso objetivo era alcançar o povoado do Sertão da Bocâina, também conhecido como Brastel. Para lá existe dois ônibus durante todo o dia: um parte de manhã às 06h30min e o outro só às 14h30min. Tentamos arrumar uma carona no km-0, mas como disseram os nativos do lugar: “ Carona num arruma não moço , essa gente que passa na estrada são de cidade grande e num tem costume de dá carona”.Ficamos mais perdidos que cachorro que cai do caminhão de mudança. Até o final da estrada são mais de 35 km e não daria para seguir a pé. Sem saber o que fazer, fomos seguindo nossa marcha e tentando ver se algum carro se comovia e parava para nos dar uma carona . Seguimos enfrente, um pé na frente do outro e já conformados com nossa situação, resolvemos andar até de tarde e esperávamos que o tal ônibus parasse quando déssemos sinal.

    Durante a longa caminhada, íamos conversando sobre a vida, com papos ultra, mega revolucionários, esculhambando com as religiões, com os partidos políticos, com o capitalismo exacerbado, com todas as ações racistas e preconceituosas e todas as outras formas de dominação, alienação e exploração humana. Queríamos reformar o mundo. Mas pra falar a verdade, queríamos mesmo era botar fogo em tudo e começar de novo. Se a conversa em si não levaria a lugar nenhum, pelo menos servia para fazer passar o tempo e nos fazer esquecer da longa jornada morro acima. ““Às vezes pedíamos carona para algum carro que esporadicamente passavam por ali, mas as desculpas eram sempre as mesmas: “Vou entrar à esquerda”,” Vou entrar à direita” . Provavelmente deveria haver alguma passagem secreta naquelas montanhas, pois não víamos entrada para lugar algum.

    Mais de hora depois da caminhada começar, dei sinal para uma caminhonete de cabine dupla e caçamba, acho que era uma L-200. O cara parou e mandou que nós subíssemos. Fizemos festa e abrimos um sorriso de jacaré. O 4x4 foi subindo pela estrada horrível, cheia de buracos e subidas intermináveis , até que não agüentou o tranco e ferveu, explodindo água para todos os lados. Descemos já achando que nossa carona tinha acabado no meio do caminho, faltando uns 20 km para nosso destino. Os ocupantes da caminhonete desceram e aí ficamos sabendo de quem se tratavam. Era um padre e seus ajudantes, que estavam seguindo para realizar um casamento no Povoado do Onça, vilarejo uma hora depois do povoado Brastel. Demos a água do nosso cantil para abastecer o radiador do carro e fomos tentar achar mais em uma curva morro acima. Resolvido o problema, seguimos até o alto da serra, onde o padre nos deixou e seguiu seu destino para cerimônia do casório.

    Já era quase meio dia e tratamos logo de apertar o passo. Passamos pelo restaurante Chez Bruna, viramos à direita na bifurcação seguinte e seguimos caminhando pela área rural, até finalmente conseguirmos avistar a imponência da Pedra do Frade. Quando passei por aqui da outra vez, não vi coisa alguma por causa do mau tempo. Ela é realmente gigantesca, linda e nos chamava para uma grande aventura e nós tínhamos aceito o desafio, não era hora de recuar, seguimos enfrente o mais rápido que pudemos, até que finalmente chegamos a Pousada/camping do Brejal, onde fomos muito bem recebidos pelo Carlinhos . Batemos um papo, tomamos um último refrigerante gelado e às 13: 00 partimos para a trilha.

    Partindo, portanto da Pousada do Brejal, ainda pela estradinha de terra (SP-247), logo à frente encontramos uma bifurcação, mas o caminho correto é mesmo para a esquerda, fazendo a curva. Mais à frente, passamos pela Fazenda Seda Moderna e logo à esquerda em uma pequena colina, aparecerá um cruzeiro, mas de tão medíocre, quase imperceptível. Mais alguns metros de caminhada, entramos de vez no Estado do Rio de Janeiro, mas não consegui mais ver placa alguma de divisa de estado. Na próxima curva, aparece uma placa informando pousada do Rio Mimoso, a 1,5 km . Na placa, abandonamos a estrada e entramos na porteira de arame à direita e fomos seguindo até encontrarmos outra porteira de arame e então entramos sem problema algum, caminhando por uma área cheio de lama. Outra porteira de arame foi cruzada, uma curva para a direita, mais uns 10 minutos de caminhada, chegamos à uma ponte de troncos podres e logo à frente, interceptamos em um descampado, o Rio Bonito, a nossa trilha começa do outro lado.

    Antes da travessia do Rio Bonito, fizemos uma pausa para um descanso. Mal havíamos começado a caminhada e já estávamos muito cansados. Havíamos dormido quase nada, comido muito pouco, mas mesmo assim, estávamos dispostos a chegar ao topo da pedra até a noite. Até tentamos nadar no rio, mas a água estava de congelar os ossos. Um mergulho foi o bastante para sairmos correndo da água e vestirmos nossas roupas novamente. O Rio Bonito é raso, mal passa da altura da cintura, por isso não tivemos dificuldades de atravessá-lo com nossas mochilas.

    Atravessando o rio, subimos pela esquerda, passando por um pequeno pasto, com uma grande araucária, com um bom lugar para acampar. Neste momento baixou sobre nós uma espessa neblina e praticamente não enxergávamos quase nada. Como eu já havia estado por aqui há quase dois anos atrás, sabia que teria que achar um riachinho, junto a um brejo. Então passando pela araucária fomos descendo pela a esquerda, até interceptá-lo a uns 80 metros abaixo. Depois do brejo, viramos à direita na já consolidada trilha e fomos seguindo floresta adentro, tentando nos livrar dos enormes atoleiros que mais pareciam com um grande pântano. A trilha é meio confusa, por isso é preciso ter muito cuidado e tentar seguir sempre pela mais batida. Menos de meia hora depois da grande araucária, tropeçamos no Rio Goiabeira.

    O Rio Goiabeira é bem mais raso e bem mais estreito que o Rio Bonito. Sua água é igualmente cristalina e no ponto em que a trilha o atravessa, existe uma pequena cachoeirinha. Atravessamos o simpático riacho e chegamos logo em mais um atoleiro. A neblina se transformou em chuva e as dificuldade foram aumentando, não havia mais como fugir do lamaçal, O Dema reclamava feito doido, tentando manter os pés fora da lama, mas não tinha jeito, uma bobeada qualquer e a bota desaparecia. Na minha primeira tentativa de alcançar a pedra, em 2009, estava muito pior. A caminhada seguia, e a chuva, cada vez mais forte. A trilha passa por mata muito densa, alguns coqueiros aparecem do lado direito e depois de uns 40 minutos ou menos chegamos a um riachinho com uma bifurcação em “T”. Pulamos o rio e seguimos para a direita, sempre caminhando com a floresta nos fazendo companhia. Passamos por mais um riacho e quando chegamos ao outro riacho à frente, encontramos uma rústica porteira de madeira fechando a trilha. Paramos imediatamente.

    Eu não estava conhecendo mais a trilha, achei que estávamos perdidos. Procuramos pela seqüência da trilha, mas não achamos nada. Foi quando de repente, saindo do nada, como se tivesse vindo das entranhas da terra, surge um homem de pequena estatura, carregando a tira colo, um enorme facão. Eu e meu amigo quase morremos de susto. Era um sertanejo que disse ter vindo lá de baixo da serra para trazer cavalos para pastar no descampado próximo dali. Achamos estranha a história que ele nos contou, mas aproveitamos para perguntar pela trilha correta. Ele nos confirmou que ela continuava depois da cerca de troncos. Estava claro, quando havia passado por aqui da outra vez, não havia cerca alguma, por isso fiquei confuso. Pulamos a cerca, agora com a companhia do sertanejo e em mais um 10 minutos chegamos ao primeiro grande descampado.

    Estamos dentro do Grande Parque Nacional da Serra da Bocâina, Nesta parte do parque, não há fiscalização alguma, aqui ele está entregue a sua própria sorte e apenas a enorme dificuldade de acesso é que o mantêm selvagem e quase intocado. Despedimos-nos do sertanejo e seguimos enfrente, atravessando o grande descampado bem no meio, até encontrarmos a trilha na mata. No descampado é possível avistar a Pedra do Frade, mas como estava chovendo, nada vimos. Entrando, portanto na mata, em mais 20 minutos de caminhada chegamos a outro descampado, um pouco menor que o outro. Atravessamo-lo e entramos de novo na mata. A trilha vai subindo e descendo, mas sem dificuldades e então começamos a caminhar por dentro de um riachinho, onde vários córregos são cruzados e 50 minutos depois chegamos a uma grande árvore, onde eu esperava encontrar um grande “F” incrustado nela. Nada encontrei, mas como ainda lembrava do caminho segui enfrente. Só que 5 minutos depois, já me encontrava sem saber onde estava. Abandonei minha mochila com o Dema e voltei para me certificar se estava no caminho correto. De volta à grande árvore, pude notar que o tal “F” havia desaparecido embaixo dos musgos. Localizei a direita, a grande trilha que desce para o litoral. Certo de estar no caminho correto voltei a encontrar meu amigo e então retomamos a nossa caminhada. Em mais 20 minutos encontramos outra grande árvore, agora com a inscrição “PF”, de Pedra do Frade. Foi aqui que eu e meu primo acampamos em 2009 e foi daqui que voltamos para casa, fracassados , é claro.

    A nossa trilha continua à direita, sempre pela mata e vai cruzando vários riachos. È impressionante a quantidade do precioso líquido por estas bandas. Depois de cruzarmos três riachos, chegamos ao quarto. Atravessamos e nos vimos totalmente perdidos. A trilha subiu um pouco e voltou de novo para o mesmo riacho. Interceptamos uma outra trilha, que segui por uns 50 metros e se perdeu em um vale logo abaixo. Cansados ao extremo, estávamos sem forcas para ficar procurando pela trilha e então começou a bater o desespero. Mas foi num golpe de sorte que o Dema achou perdida atrás de uma árvore o nosso caminho, e então seguimos à passos largos pela floresta, subindo e descendo até chegarmos a uma outra bifurcação em “T”. Uma trilha larga e bem aberta, na qual viramos para a direita e logo a frente chegamos a algumas pedras e a uma árvore caída e então pegamos para a esquerda. Fomos subindo e descendo até passarmos por uma ponte de troncos sobre um riacho. Logo a frente apareceu um rio bem mais caudaloso que alguns anteriores e subitamente chegamos à Gruta dos Alemães, onde desabamos de cansados.

    Já eram mais de 06 horas da tarde, o Dema estava um bagaço e eu não estava melhor que ele. A minha vontade insana de chegar ao topo da pedra do Frade não havia desaparecido, mas estava difícil convencer meu amigo a seguir enfrente. O Dema estava resoluto a acampar ali. A Gruta dos Alemães é muito grande, mas impossível de acampar lá dentro. O piso é muito irregular e muito úmido. Já do lado de fora existe uma clareira plana, mas como estava chovendo, também estava quase um brejo. Mas o Dema não queria nem saber, iria ficar ali e pronto. Joguei minha mochila no chão e cedi aos apelos do meu companheiro. Mas de súbito o cara foi tocado por uma força estranha, uma energia que não sei de onde veio. Talvez da mordida no doce de perna de vaca que eu tinha levado. “Levantou-se, colocou a mochila nas costas e disse: -” Divanei, vamos pro topo”. Mais que depressa, apanhei minha cargueira, enchi os cantís com água , já que era a última antes do topo e o acompanhei. Não pouco mais de 20 ou 30 metros a partir da boca da gruta, subindo à esquerda, começa a trilha final para a pedra. A trilha sobe desgraçadamente, sem dó nem piedade, vai passando por grandes matacões, sempre dentro da mata. A subida foi realmente penosa. Caminhávamos na penumbra e a noite já havia praticamente chegado. As nossas forças já haviam acabado a muito tempo, éramos mortos vivos com uma mochila nas costas, dávamos um passo de cada vez, nos apoiando nos nossos cajados, feitos de galhos de árvores, e uma hora depois da gruta, chegamos ao grande mirante e desabamos de cansados mais uma vez.

    Medo, pavor. Sim, estas são as palavras que definem a visão da Pedra do Frade vista a partir do mirante. Um grande monólito gigantesco, cativante, hipnotizante. A chuva havia dado um tempo e o litoral estava todo aberto, com as luzes das cidades acesas. Era difícil de acreditar que seria possível ir ao topo daquela montanha sem equipamentos de escalada. Na verdade, estava difícil de acreditar que chegaríamos de qualquer jeito naquele dia. Já estava escuro e nós não tínhamos mais energia para irmos a lugar algum. Mas era preciso seguir enfrente, pelo menos até conseguir um lugar para montar a barraca.

    Ligamos uma pequena lanterna, já que eu estava sem coragem de montar a minha lanterna de cabeça. O Dema foi nos guiando noite à dentro, pelo selado que liga o mirante a base da pedra. Cada vez que via um palmo de areia, sugeria que acampássemos. Alguns lugares eram tão pequenos que não daria nem para um gato fazer as suas necessidades. Eu não estava enxergando nada, vez por outra, socava meu pé em um buraco e o meu joelho em uma pedra. Meia hora após o mirante, com a chuva voltando a nos castigar, chegamos à base da Pedra do Frade. A trilha segue para a direita sem se afastar em nenhum momento da pedra. O Dema continuava querendo acampar em qualquer lugar. Estávamos nas últimas, se sentássemos não levantaríamos mais. Mesmo assim, queria chegar ao topo, e a todo o momento, eu tentava persuadi-lo a ir até lá. Éramos dois zumbis vagando ao lado da pedra. A situação começou a ficar perigosa. Quase caí numa fenda escura junto a uma grande rocha. E a trilha foi seguindo por baixo de grandes pedras, até que chegou a uma grande parede quase intransponível, pelo menos para nos, naquele estado lastimável. Havíamos perdido a trilha, havíamos perdido a esperança de chegar ao topo naquele dia. Não tínhamos mais força pra nada. Não tínhamos mais força nem pra procurar um lugar pra acampar. Estávamos acabados. A Grande Pedra do Frade, havia nos vencido naquele dia, estávamos fadados ao fracasso. Poderíamos subir no dia seguinte, mas com certeza não veríamos nada lá de cima. A previsão do tempo previa chuvas intensas: - MALDITA PEDRA, você nos venceu de novo!!!!

    A Trilha terminou junto a uma parede, como eu acabei de dizer. Na verdade estávamos em uma espécie de gruta. O chão era plano e seco. A água da chuva escorria pelas paredes e entrava em um grande buraco. O local era tão abrigado do vento que pudemos deixar as velas acesas sem nenhuma preocupação de elas apagarem. Pra falar a verdade, talvez este seja o melhor lugar para se acampar junto à pedra. O Dema queria dormir sem barraca. Não tínhamos nem forças para monta-la, mas como eu ainda não tinha certeza se o local era mesmo bem abrigado, fizemos mais este sacrifício. Montada a barraca, jogamos o isolante térmico e o saco de dormir para dentro e nos arrastamos para dentro também. Combinamos de descansar por uma meia hora e depois levantaríamos para preparar a janta. O nosso descanso acabou se estendendo um pouco mais. Acordamos da quase morte às 04 da manhã e resolvemos mandar a janta para “PQP” e voltamos a dormir. E dormimos e dormimos e dormimos até as nove da manhã. Foram mais de 12 horas de sono e só acordamos quando deu vontade de acordar, sem compromisso com nada. O vento varria a pedra. A minha esperança de conseguir ver alguma coisa lá de cima tinha se reduzido a zero. Deixando a angústia da pedra de lado, tratamos logo de cuidar do café da manhã, antes da derradeira subida final.

    Com a barriga cheia e as energias renovadas, pegamos apenas água e agasalho e reencontrando nossa trilha a 3 metros da nossa toca, seguimos para o topo. A trilha vai seguindo sempre colada a pedra e vai contornado-a até que intercepta a canaleta final, que dá acesso à escadinha de madeira, instalada há décadas para dar acesso ao cume. Chegando, portanto na canaleta, pegamos para a esquerda, ou seja, pra cima e logo alcançamos a escada, incrustada de musgo, onde uma corda ajuda e da segurança à subida. Depois da escada é preciso deixar a canaleta pela direita e subindo pela esquerda, ganhamos o grande paredão de acesso a clareira de acampamento. Mais alguns metros e estamos finalmente no grande cume.

    1590 metros de altura. “Meu Deus” está tudo aberto!!!!! Somos tomados por uma euforia e uma alegria que não tem tamanho. A montanha reconheceu o nosso esforço. Corremos para cá e para lá feito crianças. Enquanto meu amigo liga para sua família em Sumaré, contanto sobre sua grande aventura e de como foi difícil chegar até ali, não me contenho e deixo uma lágrima escapar. A beleza é coisa que me comove. E como é linda a vista lá de cima. Um litoral com centenas de ilhas e ilhotas. A baia de Angra é realmente fantástica. A oeste toda imponência da Bocâina, com floresta a perder de vista, onde gigantescas cachoeiras despencam de altas montanhas. É gratificante sentar-se no cume de uma montanha como esta e olhar o mundo daqui de cima. Tudo lá embaixo parece pequeno e fútil. Um grande carro, um grande barco, uma grande mansão. Tudo é insignificante. Grande mesmo é esta pedra, grande mesmo é este sentimento de liberdade, que nos invade estando aqui encima, e isto não tem dinheiro que pague.

    Ficamos por mais de uma hora no topo e quando o tempo voltou a fechar, nos despedimos da nossa querida pedra e voltamos para o nosso acampamento, no sopé da pedra. Descemos em 20 minutos à nossa gruta. Como não sei se o lugar tinha nome, mesmo sem o consentimento do meu amigo, vou batizá-la de gruta do Bom Abrigo, talvez sirva de referencia para outros aventureiros que vier depois de nós.

    Resolvemos preparar o almoço antes de partirmos de volta para a Gruta dos Alemães. Nada de comida liofilizada, a base de soja ou miojos e coisas do gênero. Arroz, grão de bico, feijão, sardinha, salame, queijo, carne de sol dessalgada, doce de abóbora, mocotó, sucos, torradas e por aí vai...Comemos até quase desmaiar.

    De volta a trilha, em uma hora estávamos de volta à grande gruta. Nossa intenção era localizar uma das trilhas que liga a gruta dos alemães ao litoral, mais precisamente perto das cercanias de Cunhambebe. A trilha existe, mais deve estar sem uso a muito tempo porque não encontramos nem sinal delas, talvez deveríamos te-la procurado melhor. Mas como encontramos a trilha do Frade totalmente fechada a partir da árvore com a inscrição “F”, imaginamos o estado que estaria esta trilha caso a tivéssemos encontrado.

    Seguimos então para o nosso plano “B”. Descer para o litoral pela trilha para Mambucaba, que é a trilha da árvore “F” . Então, a passos largos e decididos, já que estávamos com energia de sobra, voltamos rapidamente para a tal árvore e encontramos a bifurcação. O Dema resolveu não deixar que este importante ponto de localização dos caminhantes desaparecesse e resolveu refazer a letra “F” da árvore. Chegando à grande árvore, viramos agora para a esquerda na grande trilha larga e bem aberta, já que é freqüentada por mulas de palmiteiros. Caminhamos uns 60 metros e demos de cara com uma clareira quase no meio da trilha. Já passava das 06 da tarde e então resolvemos acampar, pois não sabíamos se encontraríamos coisa melhor pela frente. A clareira fica junto a um pequeno riacho, ou poça de água, que talvez nem exista no inverno. Montamos nossa barraca, mas ficamos preocupados. Caso chovesse muito, a água inundaria nossa casa. A noite caiu rápido no meio da grande mata e a “sapaiada” fazia coro na floresta. Jantamos muito bem e ficamos jogando conversa fora até tarde da noite. O Dema guardou sua faca do “Rambo” em lugar estratégico, caso aparecesse um palmiteiro malvado.

    Acordamos às 08h30min e partimos logo. A trilha é bem aberta e bem lamacenta, praticamente só desce. Uma hora de caminhada depois, passamos por um lugar plano onde seria possível montar uma barraca e mais uma hora chegamos a um mirante, onde em dias claros pode se avistar a Pedra do Frade. Passamos pela porteira de arame e descemos muito rápido. No caminho, passamos por várias palmeiras Juçaras cortadas, denunciando a presença dos palmiteiros durante a noite. Depois de umas 3 horas de descida chegamos a uma bifurcação. Escolhemos no par ou impar e pegamos para a esquerda, onde fomos dar em um rancho de palmiteiros, um pequeno sítio meio abandonado. Um rancho com fogão a lenha, camas e utensílios de cozinha. Na frente do rancho, três mulas carregadas com uns 80 quilos de palmito cada uma. Ao lado das mulas, os terríveis, sanguinários, bandoleiros, assassinos de trilheiros e caminhantes. Dois palmiteiros e um caçador frente à frente conosco. Esta é a idéia que nos passaram dos palmiteiros, quando estivemos nesta serra em 2009. Na verdade, sertanejos que exalam simplicidade, sofrimento e miséria. Nos receberam com bananas, café e outras frutas e com uma amabilidade que não se encontra em lugar algum. A chuva desabou sobre nossas cabeças e ficamos durante horas, abrigados no rancho, tomando baldes de café na companhia do caçador e de sua filhinha. Despedimos-nos desta gente sofrida e seguimos nosso caminho serra abaixo, sempre optando pelas bifurcações à direita, até que saímos em um casebre de pau-a-pique. Depois do casebre apareceu uma pequena estrada e em menos de 40 minutos, nos levou a uma estrada maior e depois de mais uma meia hora, desembocamos na estrada principal. Esta estrada é a mesma estradinha onde termina a tradicional Trilha do Ouro. Quinze minutos adicionais, já estávamos nos lavando de toda a lama no ultimo grande rio desta pitoresca estrada.

    Foi no rio que nos encontramos com um grupo de 14 adolescentes da Igreja Adventista, que haviam chegados da trilha do ouro. Juntamos-nos a eles e seguimos por hora e meia até Mambucaba, que nós já conhecíamos quando fizemos a travessia do ouro em 1998. Em Mambucaba não achamos nenhum camping e graças às negociações do líder dos escoteiros, conseguimos uma pousada simples pela metade do preço, já que o povoado estava às moscas por causa das chuvas. Os adventistas eram da capital paulista e como estavam de microônibus, nos ofereceram um carona até São Paulo e de lá pegamos um ônibus para Campinas, aonde chegamos à meia noite e meia do feriado de finados.

    Como já era de madrugada, a mulher do Dema veio nos pegar na rodoviária. Ver o encontro do meu amigo com sua família foi impagável. Ele não se continha, parecia criançinha contando como foi andar na roda gigante, na montanha russa e no chapéu mexicano. Não sou louco de afirmar que o meu amigo professor tenha se curado da depressão, das suas síndromes e de seu stress crônico, mas com certeza passara várias semanas com a alma lavada e com o coração cheio, contando para os amigos sobre suas aventuras e dos dias maravilhosos e de grande liberdade que passou por aquelas florestas e montanhas e vai falar da conquista de uma tal PEDRA DO FRADE e vai se lembrar desta travessia e da consolidação de uma grande amizade de infância, porque sinceramente, é assim que eu me sinto hoje.

    Divanei Goes de Paula / Novembro/2010

    2 Comentários
    Adeilton Alves 05/06/2020 10:38

    Você tem uma imensa benção com os Desbravadores da igreja Adventista pois já li uns três relatos seu onde se encontra com eles e sempre teve a benção de unir as forças e seguir. Um dos relatos foi perto de Morretes , isso mesmo?. Que legal... Morei em Cachoeira Paulista e visitava a região de Silveiras, São José do Barreiro, Areias , Bananal, Barra Mansa,.... Tenho vontade de viajar acampando por aquelas bandas e conhecer a cachoeira de borda infinita do rio mimoso que fica perto da pousada do rio mimoso. Deve ser muito interessante.. Aquela região de Silveiras a Bananal tem muita coisa bonita. É isso aí.. Sucesso. Minha família e de Limeira..

    Divanei Goes de Paula 05/06/2020 14:35

    Adeilton, já dei aulas para grupos de desbravadores por algum tempo, ensinava o básico de montanha e sobrevivência. Esse relato está precisando revisar, colocar fotos , enfim editar toda a escrita, coisa que estou fazendo aos poucos, quanto a Grande Cachoeira, um dia vou descer por ela até a praia, rsrsrsrsr

    Divanei Goes de Paula

    Divanei Goes de Paula

    Sumaré - SP

    Rox
    2230

    Quase 30 anos me dedicando às grandes trilhas e travessias pelo Brasil e por alguns países da América do Sul .

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