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Edson Maia 18/04/2021 15:12 com 1 participante
    Dientes de Navarino - Trekking do Fim do Mundo

    Dientes de Navarino - Trekking do Fim do Mundo

    Nono episódio de relatos Ciclotrekking - Pra Lá do Fim do Mundo. Uma cicloviagem ao extremo sul da Patagônia e Terra del Fuego.

    Trekking Montanhismo Acampamento

    Punta Arenas, 21 de Janeiro de 2020

    Prelúdio

    Após cento e um dias de muitas aventuras através das rutas austrais, cruzando de bicicleta Uruguai, Argentina e Chile e encarando todos os tipos de condições climáticas da região, finalmente estava próximo o sonhado momento de realizar aquele que era o meu maior objetivo de toda a viagem: zarpar para Isla Navarino, desembarcar em Puerto Willians e realizar aquele que é conhecido como “O Trekking do Fim do Mundo”.

    A estadia em Punta Arenas foi uma verdadeira correria. Tinham muitas coisas para resolver além de comprar o concorrido bilhete para embarcar no Ferry Yaghan. Era preciso comprar suprimentos para alguns dias de acampamento e revisar as bicicletas. Tudo isso só foi possível graças à mão amiga do nosso anfitrião da rede Warm Showers em Punta Arenas, Felipe Arruda. Um brasileiro que trocou o calor de Recife pelo frio da Tierra del Fuego e vive na região já fazem alguns anos. Além de nos hospedar em sua casa e dar todas as dicas da cidade para resolvermos tudo que precisávamos, ainda arrumou tempo para um giro rápido de bicicleta para que eu pudesse conhecer um pouco mais as atrações locais e matar a saudade desta bela cidade que eu não visitava desde 2014.

    Ter em mãos nossos bilhetes de embarque foi uma saga eletrizante com final feliz. Foram algumas idas até a agência da Transbordadora Austral na tentativa de comprar os bilhetes que são vendidos com ordem de preferência para quem é morador de Puerto Willian, e faltando 24 horas para embarque se sobrarem poltronas livres, finalmente a venda é liberada para os demais interessados em embarcar. Caso lote todas as poltronas, o próximo embarque só três dias depois. Tenso, né?

    Navegar é Preciso

    Quinta-feira, dia 23 de Janeiro.

    Nosso embarque estava previsto para as 17 horas. O clima estava bom e a temperatura agradável, fazendo um friozinho gostoso. Zarpamos pontualmente no horário previsto das 18 horas.

    De Punta Arenas até Puerto Willians o Ferry Yaghan percorre 303 milhas náuticas em aproximadamente 32 horas, oferecendo todo o conforto possível aos seus passageiros. Todas as refeições já inclusas no valor da passagem, exibição de filmes e banheiros com duchas.

    Existem maneiras mais fáceis, rápidas e econômicas de se chegar a Puerto Willians, mas quando eu iniciei o planejamento desta viagem, pesquisando na internet, fiquei sabendo do ferryboat e seu itinerário, navegando pelos famosos Estreito de Magalhães e Estreito de Beagle, decidi que seria desta maneira a viagem até Isla Navarino, pois tinha a certeza que navegar por esses lugares históricos seria uma experiência ímpar e imperdível.

    O ponto alto da viagem é sem dúvidas o momento em que o barco navegando no Canal Beagle, chega ao setor conhecido com Avenida dos Glaciares. São três horas de navegação em que a natureza proporciona um show único. São seis glaciares que descem das encostas das montanhas até o mar. Lindo demais.

    Sábado, dia 25 de Janeiro.

    Chegamos na rampa de desembarque de Puerto Willians no início da madrugada. Para nossa sorte, o clima estava bom. Nada de chuva ou vento gelado. A única movimentação na pequena vila eram os passageiros e veículos desembarcando rapidamente e tomando seus rumos. Enquanto isso, Rosangela abriu o mapa no celular para procurarmos algum lugar um pouco afastado e poder montar nosso acampamento para passar a noite.

    Saímos pedalando no breu da noite, Rosangela, eu e o Greg, um francês que conhecemos ao embarcar em Punta Arenas. Depois de pedalar o suficiente para nos afastarmos das casas, encontramos uma ladeira íngreme e resolvemos encarar a subida na esperança de chegando no alto, achar algum descampado onde desse para montar as barracas. Deu certo. Montamos rapidamente nosso acampamento numa pequena clareira junto da estrada e de imediato, cada um foi para sua barraca. Já passava das 2 horas da madrugada.

    Na manhã seguinte, descobrimos que nosso acampamento estava montado bem em frente a estação de rádio da Armada Chilena. Kkkk... Mais uma vez a sorte estava conosco. A guarnição da instalação militar não se incomodou com nossa presença ali. Apenas vieram conversar com a gente, saber de onde éramos e quais eram nossos planos. Um dos oficiais, muito solícito, nos deu uma dica muito boa para acamparmos de graça no parque municipal que conta com alguma infra que seria muito útil para instalarmos nossa base de operações.

    Domingo, dia 26 de Janeiro.

    Por sorte do destino, graças à data em que embarcamos para Isla Navarino, ficamos sabendo que o Ferryboat na última viagem de cada mês, segue até Puerto Toro, o vilarejo mais austral do mundo, para abastecer a base militar com combustível, alimentos entre outros materiais. Essa viagem de ida e volta, dura um dia apenas e é gratuita. Quem quiser embarcar para conhecer um pouco a vila precisa apenas estar bem cedo da manhã na rampa de embarque com uma hora de antecedência da partida.

    Não desperdiçamos a oportunidade. Acordamos cedo, demos um chega pra lá na preguiça. Rapidamente estávamos com nosso circo desmontado, seguindo então para o embarque.

    O clima não estava lá estas coisas. Nublado, frio e de vez em quando, uma chuva rápida e gelada se fazia presente, obrigando todo mundo ir buscar abrigo na cabine de passageiros. Mesmo assim, o passeio valeu muito a pena, pois afinal não é todo dia que se tem uma oportunidade destas de navegar pelo Estreito de Beagle e apreciar suas belezas naturais.

    A visitação ao vilarejo dura uma hora, que é o tempo de desembarcar a carga, veículos e o pessoal que permanecerão na base. Ainda assim, dá para conhecer tudo, conversar um pouco com os residentes que são na maioria militares e suas famílias e fazer algumas fotos para recordação.

    Ao final do dia, ao regressar para Puerto Willians, fizemos um giro rápido para conhecer um pouco a vila e visitar o mercado para comprar um vinho e algumas gordices para o jantar, regressando logo em seguida para o parque municipal onde montamos nosso acampamento dentro de um galpão com churrasqueira. Éramos somente nós no lugar.

    Após o jantar e muita conversa regada com vinho, cada um foi para sua barraca para dormir e descansar, pois na manhã seguinte chegaria o momento de iniciar o nosso objetivo maior, iniciar o Circuito Dientes de Navarino.

    Segunda-feira 27 de Janeiro.

    Durante o café da manhã, enquanto conversávamos, decidimos mudar o plano para começar o trekking no dia seguinte por dois motivos.

    O primeiro motivo era que tínhamos que levar as bicicletas até a base de rádio da Armada Chilena, onde ficariam guardadas enquanto estivéssemos nas montanhas. Conseguimos esse favor com o oficial que conversou com a gente no primeiro dia. O pessoal lá é gente fina demais! Já o segundo motivo é que teríamos que andar aproximadamente 10 quilômetros para chegar até a entrada do circuito e logo na sequência encarar a subida do Cerro Bandeira, mais o restante até o primeiro local de acampamento.

    Então, sabendo que tínhamos todo o tempo do mundo e nenhum tipo de pressão com data de embarque para regresso, decidimos ir até o início do circuito e acampar próximo de um rio que verificamos no mapa, para no dia seguinte bem cedo, começar de fato o circuito tendo um dia inteiro e estando todos bem descansados.

    O Grande Dia

    Terça-feira 28 de Janeiro.

    Agora sim! Estávamos com as condições perfeitas para iniciar o circuito. Após um bom café da manhã, desmontar o acampamento e organizar as mochilas, nós iniciamos a caminhada até o primeiro objetivo do dia no alto do Cerro Bandera.

    A trilha bem marcada inicia dentro de um belo bosque com árvores grandes e já de cara exigindo um esforço extra para avançar na subida íngreme. O bom é começar devagar para não correr o risco de começar a transpirar muito logo de início e ao chegar ao alto do cerro, que é totalmente aberto e exposto a fortes ventos gelados, ter uma mudança muito rápida de temperatura corporal por conta da abrupta exposição à temperatura ambiente mais baixa por conta da ação do vento forte e gelado, e com essa situação pegar algum resfriado ou coisa parecida. Nessas horas, estar com um conjunto de roupas técnicas dispostas em camadas faz toda diferença, garantindo o conforto diante das intempéries e a segurança térmica corporal.

    Ventava forte no alto do Cerro Bandera no momento em que chegamos. Mal se conseguia conversar sem ter que gritar ou se aproximar muito um dos outros para poder entender as palavras por causa do barulho da ventania. Paramos rapidamente apenas para fazer algumas fotos e ter uma vista privilegiada de Puerto Willians, do Canal Beagle e bem mais distante no oeste, as cercanias de Ushuaia.

    Depois de bater ponto no Bandera, seguimos num ritmo mais acelerado até sairmos daquela situação de exposição ao vento gelado.

    A trilha segue por um terreno rochoso e com muitas pedras soltas pelo caminho. Em alguns trechos é necessário cuidado redobrado por conta da inclinação forte em alguns pontos que em situações de vento forte, pode aumentar o risco de uma queda com consequências graves ou até mesmo fatais. Como foi infelizmente o caso de Virgínia Maldonado Artero, uma jovem espanhola que no ano de 2016 perdeu a vida numa queda fatal.

    Por volta das 15 horas chegamos ao nosso destino do primeiro dia, a área de acampamento da Laguna Del Salto. De imediato, paramos para um lanche e descansar numa espécie de platô que está elevado uns 10 metros em relação a superfície da laguna e de onde se observa toda a área de acampamento. A Rosangela e o Greg decidiram que montariam suas barracas por ali mesmo. Enquanto eu fiquei em dúvida, pois achava que o lugar estava mais exposto no caso de um possível vento durante a noite.

    Depois de arrodear pelo local, e não encontrando nenhum lugar que me agradasse para montar a minha barraca, falei para meus amigos que eu iria procurar um lugar para acampar mais abaixo, no setor de acampamento próximo da margem da laguna. Acabei encontrando um pequeno gramado ligeiramente mais alto que a laguna e ali mesmo montei minha barraca, reforçando a ancoragem com pedras sobre as estacas. Melhor prevenir do que ter de remediar. Né?

    Durante a noite entrou um vento forte e depois uma chuva que alternava de intensidade e fazia muito barulho no teto da barraca. Nada fora do padrão da região que é famosa pelo clima imprevisível. Depois mais tarde, a coisa acalmou. Não tive nenhum problema com o meu acampamento. Já meus amigos no platô e a galera que estava junto da parede de rocha, não puderam dizer o mesmo.

    Quarta-feira, 29 de Janeiro.

    O dia amanheceu com um sol tímido, mas o céu estava praticamente limpo. Ao sair da barraca, notei que o pessoal que estava acampado próximo do paredão de rocha, tiveram problemas durante a noite. Algumas barracas não suportaram a combinação de vento com chuva e molharam por dentro. Eram varais estendidos ao sol com sacos de dormir, roupas e sobre tetos das barracas... Noutro canto, uma barraca completamente colapsada por conta de alguma vareta quebrada e dentro, um azarado tirando água para fora com uma toalha ultra-absorvente.

    Vendo o cenário ao meu redor, fui até meus amigos que estavam acampados no platô. Chegando lá o quadro não era muito diferente. Rosangela explicou que o vento jogava a chuva por debaixo do sobre teto das barracas, molhando as telas mosqueteiras e os equipamentos de dormir e roupas. Vendo tudo que tinha acontecido, ali com meus amigos e do outro lado da área de camping em comparação com a minha barraca que foi poupada, agradeci aos céus por esse pequeno milagre.

    Por causa da noite complicada, a maioria do pessoal acabou permanecendo mais tempo do que o normal no acampamento aproveitando ao máximo o sol para secar os equipamentos. Como os dias de verão são longos nessas regiões de latitudes altas durante o verão, não é problemático iniciar a missão programada para o dia um pouco mais tarde.

    Por volta das 10 horas iniciamos nossa caminhada. O GPS apontava que a direção a ser seguida era bem numa área do paredão onde um pequeno córrego de água cristalina descia quase verticalmente entre as rochas e que se não fosse o baixo volume de água, seria uma bela cachoeira.

    Seguimos em frente, encarando a escalaminhada com todo o cuidado para não escorregar nas pedras e também não molhar as botas e roupas. Depois de superado esse primeiro obstáculo, as coisas ficaram mais tranquilas, embora boa parte do trecho inicial deste dia seja só subida em terreno pedregoso.

    Nesse segundo dia encaramos o primeiro passo de montanha do circuito, entre os cerros Perruma e Palajoa, alcançando a cota de quase 800 metros. Nada muito exaustivo para quem já encarou subidas em alguns circuitos brasileiros como, por exemplo, a Serra Fina.

    Na medida em que nos aproximamos do passo, encaramos alguns trechos com neve. Estando todos sem crampons nas botas, as coisas ficaram um pouco escorregadias, mas com atenção e seguindo num ritmo despacito e sempre auxiliado pelos bastões de caminhada, conseguimos superar a dificuldade e seguir em frente.

    Uma vez superado o passo de montanha, podemos considerar que o restante do caminho é uma longa descida com alguns trechos bem íngremes em terreno rochoso com muitas pedras soltas. O visual é muito bonito, pois quase sempre se tem a visão alguma laguna pelo caminho.

    Depois de 4 horas de caminhada, superamos os quase oito quilômetros esperados para esse dia e por volta das 14 horas já tínhamos alcançado nosso destino para esse dia no acampamento da Laguna Escondida.

    Neste dia sofremos uma baixa no grupo. Nosso companheiro Greg decidiu seguir em frente até o próximo acampamento e encurtar em um dia o tempo porque ele tinha pouco tempo para chegar a Ushuaia para outro compromisso. Assim, ficamos apenas Rosangela e eu.

    Com a experiência traumática para alguns na noite anterior (risos), fomos ainda mais cuidadosos na escolha do local para montar nossas barracas. Tínhamos também que ser rápidos pois os outros grupos também estavam chegando e se nós comêssemos mosca, poderíamos ficar sem um lugar bom para nossas barracas.

    Acampamento montado, barracas ancoradas com pedras em todas as estacas, fomos finalmente preparar uma refeição para matar a fome. Depois ficamos curtindo o visual da laguna, observando a galera que chegava para acampar e jogando conversa fora até o momento em que o céu começou a fechar e uma chuvinha geladíssima nos forçou a buscar abrigo dentro de nossas barracas.

    Por volta das 20 horas, logo após ter terminado de jantar dentro da barraca, começou um vendaval muito forte. Eram rajadas que vinham de três direções diferentes e de maneira aleatória que golpeavam inclementemente as barracas. Eu que estava deitado dentro de meu saco de dormir, após sentir pela terceira vez que o teto da barraca tinha batido em minha cabeça, saí do saco de dormir e sentei bem no centro da barraca para observar as coisas e quando o vento dava um golpe mais forte, eu tratava de segurar as varetas da barraca para evitar que as mesmas se dobrassem excessivamente ao ponto em que pudessem se romper ou quebrar. Essa brincadeira durou mais de duas horas até as coisas se acalmarem. Depois ainda nevou fraco, mas o restante da noite foi tranquilo para os padrões do lugar.

    Quinta-feira, 30 de Janeiro.

    Acordei cedo e fiz um esforço extra para conseguir sair do conforto e do calor do saco de dormir para iniciar a rotina diária. De imediato fui verificar como estavam as condições da minha barraca depois do vendaval da noite anterior. Para minha sorte, nenhuma avaria no sobre tetos ou cordeletes, apenas uma vareta acabou curvada. Estava no lucro, pois em vários momentos do vendaval, eu acreditei que alguma avaria grave iria acontecer com a minha casinha. Com a barraca da Rosângela, as coisas também estavam bem.

    Após tomar um café da manhã reforçado e com toda a calma do mundo apreciando a bela paisagem da laguna e agora com os cerros parcialmente cobertos de neve, desfiz o meu acampamento e organizei a mochila para encarar a caminhada de mais de oito quilômetros até a próxima área de acampamento e superar o desafio do dia: cruzar o Paso Ventoso.

    Considero esse o dia mais bonito do circuito. São vários momentos caminhando junto das margens das lagunas, além do passo de montanha. A dificuldade fica por conta dos muitos momentos de terreno encharcado de lama. Por mais cuidado que se tenha, usando botas impermeáveis e polainas, chega um momento que os pés ficam molhados.

    O céu estava parcialmente nublado, com cara de chuva, mas praticamente sem vento algum. Avançamos bem e com a mesma média horária do dia anterior, chegamos no meio da tarde na Laguna Martillo.

    Depois de duas noites tensas, por conta do clima, eu e Rosângela procuramos com muito mais critério o lugar para montar nossas barracas junto das margens da laguna. Acabamos ficando um pouco afastados, um do outro por volta de uns 50 metros justamente por conta que os melhores lugares não estavam próximos.

    Para nossa surpresa, essa noite foi muito tranquila. Nada de vendaval, chuva ou neve. Adormeci como um anjo (risos).

    Sexta-feira, 31 de Janeiro

    Esse foi seguramente o dia mais exigente. Tanto pelo esforço físico como pela dificuldade de orientação na trilha.

    Considero que até aqui, para quem tem experiência em trekking, é relativamente tranquilo se orientar na trilha apenas visualmente, seguindo os totens de pedra, placas e a própria trilha marcada pelos caminhantes, ou seja, sem uso de um GPS, mapa e bússola (embora eu não recomende nunca fazer uma trilha desconhecida sem esse recurso). Isso se o terreno não estiver coberto de neve, é claro.

    Depois que saímos da Laguna Martillo, as coisas ficam bem confusas. Existem várias trilhas que se misturam e nenhuma sinalização segura. Isso aconteceu por conta do manejo do circuito que teve algumas alterações nas trilhas com a finalidade de restaurar a vegetação e o solo. Quando eu comparava a trilha visual com o trackloc mais antigo que eu tinha em meu GPS, as coisas não batiam e em algumas situações tinha que escolher quase que por sorteio qual das duas ou três opções seguir. Nada que comprometesse a segurança, apenas fazia perder um pouco mais de tempo por conta de “errar” o rumo e ter de voltar.

    Nesse momento, encontramos um casal de escoceses que estavam passando trabalho com essa questão da dificuldade na navegação em meio aquele labirinto cheio de charcos de lama, pedras e vegetação alta. Com meu inglês precário (muito precário) e muita mímica, perguntei para eles se precisavam de ajuda e mostrei que eu estava navegando com o GPS. Então eles se juntaram conosco e seguimos em frente juntos.

    Vencido o labirinto de lama e caminhos tortuosos, finalmente chegamos no início da subida do maior passo de montanha de todo o circuito: O Paso Virgínia e seus 850 metros de subida puxada numa trilha que é repleta de pedras soltas.

    O Paso Virgínia reserva uma surpresa para quem alcança seu ponto mais alto. Se durante a subida a montanha parece íngreme, quando se chega no alto do passo e após caminhar um pouco, a visão que se tem é de um quase precipício. A descida é muito mais acentuada do que a subida. Numa distância de apenas 500 metros, se tem um descenso de mais de 300 metros de altura. Sem dúvidas alguma para mim, essa foi a maior pirambeira que eu já desci.

    A descida exige muita atenção. Principalmente na parte inicial onde existe um trecho onde se caminha pelo alto de uma rocha alta e muito exposta que não dá margem para erro nenhum. Qualquer queda ali pode ter consequências graves. Depois, é tocar para baixo, pisando num mar de pedras soltas onde se tem que pisar com atenção para não torcer o pé em alguma pisada em falso. Além disto, outro cuidado importante é ir devagar para não causar alguma pequena avalanche de pedras que pode atingir alguma outra pessoa que esteja mais abaixo na trilha. Isso aconteceu algumas vezes, mas sem nenhum acidente. Com neve, esse setor deve ficar realmente muito complicado e perigoso.

    Depois do “mergulho” para finalizar o Paso Virgínia, a situação volta ao normal, e chegando na Laguna de Los Guanacos, basta percorrer pouco mais de um quilômetro para na outra extremidade da laguna encontrar o primeiro local de acamamento para quem está finalizando o dia.

    Como o lugar de acampamento junto da laguna não agradou muito por ser muito aberto e exposto ao vento, sugeri aos meus companheiros seguirmos em frente e descer a trilha íngreme que corre junto de um riacho e ao chegar na base da descida, acampar dentro do bosque, em um ponto acampamento que eu tinha marcado no tracklog em meu GPS.

    Num primeiro momento ao chegar ao bosque, parecia que não encontraríamos um lugar bom para montar nossas três barracas. Então decidi atravessar o córrego e procurar do outro lado, mais para dentro do bosque. Bingo! Bastou eu andar uns 100 metros para meu faro localizar um espaço para barracas em várias clareiras dentro do bosque. Dava para escolher a vontade.

    Dentro do bosque, abrigados do vento e da chuva, tivemos um fim de tarde muito confortável, longe do vento gelado. Após o jantar, o cansaço bateu de vez e cada um foi para o seu quadrado, ou melhor, sua barraca. Foi uma noite muito tranquila e silenciosa.

    Sábado, dia 1 de Fevereiro.

    Depois do procedimento padrão de café da manhã, desmontar acampamento e organizar mochila, pouco antes das 10 horas da manhã já estávamos em nosso rumo na direção da civilização.

    Deixamos o bosque para trás e demos de cara com uma enorme área aberta e alagadiça, repleta de árvores derrubadas por castores que constroem suas pequenas represas que também são conhecidas como castoreiras. Em um primeiro momento, para algum desavisado, isto pode parecer uma bela obra da natureza, mas a realidade é que os castores que foram introduzidos pela mão humana na região, tornaram-se uma verdadeira praga que causa um enorme prejuízo para a vegetação nativa da região. Ou seja, toda essa área aberta no passado fazia parte do grande bosque onde acampamos na noite anterior.

    Seguimos em frente e logo entramos novamente em um bosque e não demorou para começar uma descida quase contínua dentro de um vale que tem no seu fundo mais abaixo um riacho bem ruidoso que acompanha em paralelo a trilha que em alguns momentos ficava bem fechada, e de vez enquanto, para seguir em frente, exigia alguns exercícios de sobe e desce em troncos de madeira e pedras espalhados pelo caminho.

    Saindo do vale fechado pelo bosque, entramos em uma área onde já se percebia pasto de gado. Olhando em frente, já era possível ver novamente o Estreito de Beagle. Faltava apenas terminar a descida pelo caminho que fosse mais fácil para alcançar a estrada em um ponto próximo das instalações de uma indústria pesqueira. Depois, chegando na estrada, mais sete quilômetros para regressar até Puerto Willians.

    Ao alcançar a estrada, a sensação de alegria da realização deste sonho, encheu o meu coração de euforia. Minha mente ficava o tempo todo recordando em flashbacks vários momentos vividos nesses cinco dias entre as montanhas.

    Caminhando pela estrada, cansados, sujos de lama e com sorrisos nos rostos, seguimos juntos até a marina do Iate Clube Micalvi. Lá fizemos uma foto de recordação de nosso pequeno grupo que se formou pelos caminhos na montanha.

    Após nos despedirmos do casal de escoceses, ainda no iate clube, a Rosangela teve a ideia de ir perguntar para um funcionário do clube se tinha alguma ducha que pudéssemos usar, e sim, fomos autorizados para usar os banheiros do clube. Depois de 6 dias de trekking, por motivos óbvios, essa era nossa maior prioridade.

    Depois, ainda fizemos uma longa caminhada até a estação radio base da Armada Chilena para pegar nossas bicicletas e de lá, seguimos para o parque municipal onde montamos nosso acampamento dentro do quiosque com churrasqueira.

    Permanecemos em Puerto Willians por mais três dias sem agenda nenhuma, na mais pura vadiagem. Acampados no parque e sem ser incomodados por ninguém. Apenas comendo, bebendo e saindo de bicicleta para comprar comida e acessar a internet no centro de informações turísticas.

    Momento de Dizer Adeus

    Terça-feira, 4 de Fevereiro

    No dia de ir embora, acordamos bem cedo para desmontar nosso circo, organizar tudo nas bicicletas e seguir para o ponto de embarque no micro ônibus que faz o translado até Puerto Navarino, distante 55 quiômetros do centro de Puerto Willians. De lá, em lanchas rápidas, se cruza o Estreito de Beagle entrando em águas argentinas e desembarcando no agitadíssimo porto de Ushuaia.

    Embarcar as bicicletas dentro no micro ônibus foi uma verdadeira comédia. Primeiro entraram todos os passageiros, depois as mochilas cargueiras da galera e por último ocupando o estreito corredor, nossas duas bicicletas que ocupavam todo o espaço livre. Isso é que eu chamo de compactar as coisas.

    Depois levamos pouco mais de uma hora sacudindo de um lado para o outro enquando o pequeno ônibus rodava pela estradinha esburacada e sinuosa para chegar em Puerto Navarino, onde nossa lancha já nos esperava para embarcar.

    O embarque a bordo da lancha foi bem rápido. Em poucos minutos já deixávamos Puerto Navarino para trás rumando rápido para a agitada Ushuaia. Enquanto observava as vagas durante a travessia, pensando em tudo que rolou naqueles dez dias em Isla Navarino, bateu em mim um sentimento estranho de saudades que deixou a certeza de que no futuro precisarei regressar e fazer tudo aquilo de novo.

    A aventura Ciclotrekking continuou em frente, mas agora tendo como rumo o Norte, cruzando a Terra do Fogo e Patagônia em um longo regresso cheio de aventuras até o Brasil.

    #Ciclotrekking #TrekkingRS #DientesDeNavarino

    Edson Maia
    Edson Maia

    Publicado em 18/04/2021 15:12

    Realizada de 24/01/2020 até 03/02/2020

    1 Participante

    Ciclotrekking

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    16 Comentários
    Fabio Fliess 20/04/2021 11:18

    Se voltar, me chama! Hahaha

    Edson Maia 20/04/2021 11:27

    Fabio, primeiro temos que esperar pela vacina e passar a pandemia! Daí, depois que acabar esse ostracismo todo que nos foi imposto aos brasileiros, podemos conspirar algo nesse rumo sul! hahaha Por enquanto, só Afeganistão, Tonga e Zimbábue... Destinos que não deixam de ser interessantes.. mas esse dólar nas alturas... sem chance..hahaha

    Fabio Fliess 20/04/2021 11:29

    Com certeza brother... Mesmo ciente de todos esses entraves que nos foram impostos, a gente não pode parar de sonhar. Haha

    Guilherme Pents 26/04/2021 02:49

    Show heim Edson !! Esse lugar é realmente incrível e inóspito ,vale voltar mesmo . Fiz uma rota um pouco diferente acho subindo o cerro betineli . Mas o segundo dia da travessia tinha bastante neve e foi um trecho tenso demais com a inclinação ,se escorregasse ia parar na Laguna congelada lá em baixo . Que cicloviagem loca sua , parabéns ! Quero pegar esse Ferry boat aí da próxima vez . Excelente relato. Grande abraço !

    Edson Maia 26/04/2021 09:37

    Salve Guilherme! O lugar é aliciante mesmo! Indo de ferry é ainda mais massa mesmo, Recomendo! Quanto a trip de bike, posso dizer que foi a realização de um sonho louco mesmo... vontade de fazer tudo novamente. Forte abraço! 🤘

    Aislan Mendes 04/05/2021 21:13

    Incrível cara! Parabéns.

    Edson Maia 09/05/2021 09:36

    Valeu, Aislan! 🤘

    Que show, essa aventura! Vou ler o restante da cicloviagem, que deve estar incrível também!

    1
    Edson Maia 18/11/2021 09:32

    foi uma aventura inesquecível! espero que goste dos relatos. Shirley Pacheco de Souza,  obrigado por prestigiar!!!

    Edson Maia

    Edson Maia

    Imbituba - SC

    Rox
    2002

    Um pouco cigarra. Um pouco formiga. Não necessariamente nesta ordem. Instagram: @ciclotrekking

    Mapa de Aventuras
    www.trekkingrs.com/ciclotrekking


    Mínimo Impacto
    Manifesto
    Rox

    Peter Tofte, Renan Cavichi e mais 442 pessoas apoiam o manifesto.