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Everton Leite 06/15/2023 10:55 with 2 participants
    A clássica da Pedra do Baú - Cresta com Normal

    A clássica da Pedra do Baú - Cresta com Normal

    Escalada na via Cresta com Normal (3° V E2 140m), na Pedra do Baú em São Bento do Sapucaí

    Climb Mountaineering

    Continuando a saga de fazer as 50 vias clássicas do Brasil (ou ao menos as que forem possíveis), o destino da vez foi São Bento do Sapucaí para visitarmos a Pedra do Baú e entrar na Cresta com a Normal, cotada em 3° V E2. As últimas investidas em clássicas haviam sido frustradas por motivos diversos, desde de chuva na Pedra Azul, mau planejamento no Agulhas Negras, até meu ombro saindo do lugar no finalzinho da P3. Terminar uma clássica estava se tornando questão de honra.

    Pela primeira vez numa viagem de escalada eu era o mais experiente, vejam só. Por isso, coube a mim planejar as escaladas da viagem. A clássica do Baú já estava na minha lista faz tempo, por ser uma das mais acessíveis das 50 na questão dificuldade. O único impedimento era a distância, que demandaria ao menos um feriado para fazer valer a trip.

    Seguindo uma sugestão, ficamos hospedados no Quintar de Casa, um hostel familiar muito agradável. O lugar fica aos cuidados do Marcelo e da Sara, além do Zé Marley, o cão de guarda que vive ligado no 220.

    O cão que não para

    O ponto alto da hospedagem é o café da manhã, que apesar de simples era preparado cuidadosamente pela Sara diariamente, com coisas diferentes e saudáveis todos os dias. Sair com o bucho cheio de casa logo cedo antes da escalada faz toda a diferença.

    Todo dia era uma surpresa

    O Monumento Natural da Pedra do Baú é um complexo formado pelo Bauzinho e Ana Chata, além da própria Pedra do Baú. O fato de haver uma via clássica em cada uma das três montanhas dá uma boa ideia da magnitude e beleza desse lugar. A via clássica que faríamos seria a do Baú mesmo, que se inicia num longo trecho de escalaminhada e trepa pedra através do col entre ele e o Bauzinho, emendando na Cresta e terminando pela segunda enfiada da Normal.

    No caminho da ida

    O começo da aproximação

    A trilha do estacionamento, na entrada do parque, até a escada de ferro que dá acesso ao col deve ter levado pouco mais de 20 minutos e é bem leve. Logo que chegamos ao col vimos a primeira coisa inusitada do dia, que foram algumas abelhas tomando sol na pedra. Certamente não estavam tomando sol, mas era o que parecia. Ali no col já temos a primeira vista aérea incrível que o Baú proporciona, sendo possível ver de um lado todo o vale abaixo que abrange grande parte da área rural de São Bento do Sapucaí, e do outro lado o grande maciço de mata do parque com Campos do Jordão ao longe. Após alguns metros em terreno pedregoso e já sentindo o forte vento que sopra de noroeste, logo chegamos nos primeiros grampos da via, uma parada dupla. Para fazermos tudo com segurança, decidimos nos encordar nesse ponto e seguir como manda o figurino, especialmente por não termos a real noção de como seria a escalaminhada, que no fim das contas era bem tranquila e talvez nem precisasse de corda. Esticamos um pouco e paramos numa árvore num belo platô de pedra que dispensava segurança, mas que a fizemos mesmo assim. O próximo trecho já daria acesso ao grampo que marca o início da Cresta. Esta enfiada conta com a parte mais exposta da escalaminhada, com lances de 2° grau, muito vento e abismo dos dois lados. Seguimos em duas cordadas, eu com a Raquel Alves, seguidos pela Luíza e Raquel Fedrizzi.

    Com isso estávamos prontos para começar a escalada de fato, ancorados no primeiro grampo da Cresta. Ela começa na face sudeste do Baú, que por volta do meio-dia já estava na sombra e sem vento, deixando a pedra bem gelada no trecho do artificial. Os 3 grampos dessa face estão posicionados de tal forma que não é necessário passar os lances de V e de IV em livre, sendo possível artificializar com as costuras. Depois do terceiro grampo do artificial há uma excelente fenda que marca o fim dos lances mais difíceis da via. Logo acima encontra-se uma parada dupla que resolvi não utilizar, já que o terreno até a próxima parada era bem tranquilo. Desde o começo da escalaminhada até a última parada enfrentamos bastante trânsito, tanto de gente subindo quanto descendo. Nessa parada especialmente havia um trio descendo e outra dupla subindo através de outra via, congestionando totalmente a parada. A outra dupla inclusive preferiu montar uma parada em móvel para aliviar os grampos.

    Raquel terminando a primeira enfiada. Se liga no visual

    Depois de todos os demais saírem da parada, voltamos a tocar. Nesse momento a Raquel se sentiu confortável para guiar a segunda enfiada, e eu que não sou de negar uma guiada compartilhada nem exitei. Pra quem está acostumado com as paredes lisas ou com agarras pequenas do Rio, a pedra do Baú é um passeio com suas fendas, lacas e agarras enormes. Até me arrependi de não ter levado os friends, porque oportunidades de usar não faltaram. Essa enfiada é um 3° grau bem tranquilo e ninguém teve dificuldade para passar, diferente do artificial da anterior. Logo estávamos todos seguros no topo da via, apesar de um pouco atrasados por conta de todo o trânsito.

    Eu na última enfiada, enrolado no meio do fluxo de gente

    O final da via Normal dá acesso ao icônico teto do Baú e à trilha de acesso ao cume, que estávamos inclinados a fazer. Porém, após começarmos a trilha e vermos que seria mais trabalhoso do que o esperado, decidimos retornar, infelizmente. Já passava de 16h e não gostaríamos de fazer a descida sem luz.

    Luíza e Fedrizzi no final da via, sob o famoso teto do Baú

    O rapel da Normal pode ser feito pela própria via com uma corda ou diretamente ao chão pela face sul utilizando duas cordas por meio de um par de chapeletas localizadas a poucos metros da parada final da via. Como estávamos em duas duplas, optamos por descer direto, até porque sabia que é um rapel bem bonito e no negativo. Realmente é uma experiência diferente fazer um rapel de uns 40 metros no ar. Me deu até uma leve vertigem.

    Difícil dar a dimensão desse rapel

    Na minha cabeça, esse rapel daria direto na trilha de volta ao estacionamento, abaixo mesmo da escada do col, mas meus cálculos não poderiam estar mais errados. Assim que guardamos os equipamentos e começamos a voltar pela trilha, chegamos novamente ao início da Cresta, que foi quando minha ficha caiu de que precisaríamos desescalar todo o trepa pedra inicial. Haviam várias pessoas descendo também, e todos fizeram o caminho de volta solando mesmo, sem corda. Como não damos sorte ao azar, optamos nos fazer tudo da maneira mais segura possível, mesmo sabendo que a noite iria cair junto com o frio e ainda estaríamos na pedra.

    O primeiro trecho é uma horizontal para a direita fácil porém exposta, que nos levaria novamente ao primeiro grampo da Cresta. Essa diagonal passa pelo começo da via, onde se inicia o artificial. Uma das pessoas que estava voltando se ofereceu para levar a ponta da nossa corda e montar uma espécie de cabo de aço para que todos fizessem a traveria solteirados nesse varal de corda. Eu fui por último encordado na ponta da corda com a Raquel fazendo minha segurança do outro lado, mas é um trecho bem tranquilo apesar de tudo. Como ainda havia luz do dia, não foi problema. Chegando na parada inicial da cresta, que é em grampo único, esperamos um pelotão de gente passar antes de começarmos nossa descida, que seria mais demorada já que faríamos um rapel convencional em vez de desescalar o trecho de 2° grau sem segurança. Cinco anos escalando com uma malha rápida no rack da cadeirinha e enfim ela teve serventia. A proteção que estávamos ancorados era uma chapeleta simples, não rapelável. Abandonei a malha rápida e começamos o primeiro rapel já com os últimos vislumbres do sol no horizonte. Nesse ponto da via é onde o vento é mais severo, e mesmo com anorak tivemos que nos abrigar como era possível para diminuir o frio, até porque sabia que ficaríamos mais um bom tempo na pedra. Pra aumentar um pouco a tensão da descida, a lanterna da Raquel Alves resolveu não funcionar e ela precisou ir no meio, improvisando a lanterna do celular no seu rack.

    Ao menos fomos agraciados com essa vista

    O rapel foi mais crítico somente nos primeiros 15 metros, onde a parede ainda é bem vertical. Depois seguimos numa escalaminhada até a árvore onde fizemos uma parada na subida. Ali recolhemos a corda e seguimos caminhando até uma próxima parada dupla para montarmos o outro rapel, a Luíza sempre indo na frente para mapear o terreno. Essa era uma parada tripla montada no chão com correntes para passar a corda, que fica logo antes de outro trecho mais vertical. Dessa vez fui primeiro, pois já esperava chegar na escada do col e montar uma parada improvisada na escada para orientar a descida das meninas. Assim fizemos, vindo as Raquéis depois de mim e a Luíza fechando. Assim que ela chegou, fomos puxar a corda de volta, e nada dela soltar. Por mais que tentamos direcionar a corda para que ela não se prendesse, ainda assim ela não vinha. No fim das contas a Luíza voltou para puxar a corda mais próximo da parada, e ainda assim foi com muita dificuldade. Logo abaixo havia outro grampo de onde ela montou mais um rapel para voltar com segurança até a escada a terminar a empreitada. Me faltou ter a malícia de tentar puxar a corda logo que cheguei, para já saber se a corda iria agarrar ou não no final. Fica o aprendizado.

    Finalmente em terra firme, só pensávamos em chegar no carro logo e ir para casa comer algo quente. O conforto foi poder ver o céu lá do alto, com as lanternas apagadas, onde era possível ver até o rastro da via láctea.

    De forma geral, a escalada foi incrível com um dos visuais mais bonitos que já presenciei e ficou tudo muito sob controle. Porém, acho que algumas lições, que de certa forma já sabíamos, mas resolvemos negligenciar ficaram mais fortes nessa trip. Sempre sair o mais cedo que der. Feriado é sempre concorrido e a gente tem que contar que imprevistos vão acontecer. Levar um casaquinho além da anorak pra essas regiões montanhosas não é exagero. E conferir se a lanterna está funcionando antes de sair de casa não custa nada.

    Depois da escalada, resolvemos passar na cervejaria Bauzera, que é de um dos escaladores mais famosos da região, Eliseu Frechou. A Luíza tomou uma Ipa e eu uma Stout, que achamos de muito boa qualidade. Ainda ganhamos uma cachacinha Salinas que caiu como um licor. Mas o que mais agradou foi o ambiente, que tinha vários itens de escalada pra vender e o papo com o Eliseu, que variou entre dicas pra escalar melhor, tirolesa do pão de açúcar e conservadorismo dos escaladores, e curiosidades sobre passar vários dias na pedra. Ele comentou que passaria 8 dias escalando em Yosemite com a esposa, Ana Fujita, em Agosto (inclusive vai ser transmitido no Canal Off em algum momento). Tem que estar com a relação muito em dia pra passar 8 dias escalando em casal, ou aproveitar pra discutir toda a relação, rs. Mas segundo eles, está tudo em dia então vai ser um perrengue do bem. Não aguentamos de curiosidade e perguntamos se eles gostavam desse perrengue. Basicamente foi essa a resposta: “É claro que não, é que a gente é maluco, só tem essa explicação. A gente evita, mas o corpo acaba pedindo”. E a gente de certa forma compartilha desse sentimento, apesar de não termos chegado a esse extremo de dormir na pedra.

    Escrito em colaboração com a Luíza

    Everton Leite
    Everton Leite

    Published on 06/15/2023 10:55

    Performed on 06/09/2023

    2 Participants

    Luiza Bastos Ribeiro Raquel Alves

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    2 Comments
    Alexandre Fialho 06/15/2023 16:28

    Seguro morreu de velho...

    3
    Marcelo Theobald 03/19/2024 13:00

    Valeu pelo relato, pretendo fazer em breve 🤜🏼🤛🏼

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    Everton Leite

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