/abcdn.aventurebox.com/production/uf/6386440abe9a4/adventure/64309d56cb00b/643170f6b742e-2.jpg)
Paredão Antares - Morro dos Cabritos
Escalada na via Antares (2° IIIsup E3 320m), localizada na face sudoeste do Morro dos Cabritos
Climb MountaineeringAparentemente já é tradicional de tempos em tempos haver desafios entre as turmas dos Cursos Básicos de Montanhismos do CEB, propostos pelo Francisco Caetano. Digo aparentemente pois, por ser da turma do CBM mais recente, esse foi o primeiro ano que tomei conhecimento e pude participar, e por isso não sei do histórico dos anos anteriores. Não sei ao certo se o formato é sempre esse, mas nesse ano o desafio é uma maratona de atividades de montanhismo onde os integrantes junto com alguns convidados cumprem objetivos toda semana, somando pontos. Ainda estamos na segunda semana, e não sabemos as surpresas que virão daqui pra frente, só é certo que virão.
Nesta semana nosso objetivo foi escalar 1000 metros de vias em cordadas separadas, simplificando as regras. Como havia previsão de chuva para todo o feriado, além de termos pouco tempo para executar o planejado e a agenda de todos naturalmente ser difícil de bater, tudo precisava ser calculado para aproveitarmos o tempo que tínhamos disponível. A primeira escolha foi revisitar as aderências da Viúva Lacerda, lugar onde as vias são de cumprimento médio e rápidas de serem feitas, com cada cordada fazendo múltiplas vias.
Tudo marcado, e no dia anterior ao combinado acabei tendo uma escalada frustrada por conta da chuva. Com isso, sobrou tempo naquela manhã para localizar algumas vias do Morro dos Cabritos, acessíveis através do Parque Municipal da Catacumba. Sempre tive um pé atrás com as vias mais antigas de lá, por não haver muita informação atualizada sobre o estado das proteções. Apesar disso, minha dupla da escalada frustrada me lembrou da Antares, que é um paredão com graduação acessível e com mais de 300 metros de extensão, que seria perfeito para nosso objetivo de acumular metragem escalada.
Já conhecia ela de nome e cheguei até a cogitá-la, mas duvidei das condições dos grampos. Agora com essa nova sugestão e com a informação de que ela aparentemente estava ok, resolvi investigar e tentar encontrar a base. Alguns minutos varando mato no parque e localizei as primeiras proteções dela, e deu pra ver que estavam em boas condições de fato. Sem perder tempo já avisei ao restante do pessoal e a ideia de entrarmos nela com 3 cordadas tomou forma.
Então às 7:30 dessa sexta-feira santa entramos no parque, e às 8 em ponto o Alessandro já saía para abrir a fila e começar os trabalhos. A base é até que bem confortável, em uma canaleta de concreto construída (ou reformada) recentemente. A atenção tinha que ficar somente com os cupins que estavam circulando a todo vapor por ali. Logo em seguida subiu Suellen na outra ponta da corda. Na segunda cordada estavam Luíza e a Raquel Alves, e fechando éramos eu e a Raquel Fedrizzi. O dia estava bem fechado com previsão de chuva mais tarde, mas o sol fez uma breve aparição por volta das 10h. Por ser face sudoeste, em um dia ensolarado a parede fica na sombra até esse horário mais ou menos.
Alessandro e Suellen se arrumando pra começar
Apesar dos primeiros 2 grampos serem próximos, dali em diante o espaçamento entre eles causava desconforto em alguns momentos, com certos lances que passavam de 15 metros sem proteção. Ainda que eram lances de segundo grau, não deixavam de ser levemente desconfortáveis. Como de costume, meu corpo demora a entender o que está havendo e só fui relaxar na segunda enfiada. Uma agarra se quebrou na minha mão no primeiro esticão, o que só aumentou minha tensão inicial. Esse caráter quebradiço e esfarelento da rocha persistiu durante toda a via, o que foi motivo para ouvir um ou outro "PEDRAAAA!!" durante o dia.
Os primeiros 30 metros podem ser feitos também por uma variante 10 metros à direita, bem mais exposta com apenas um grampo nesse trecho. Apesar da linha original que seguimos ter 2 grampos neste mesmo cumprimento de parede, o terceiro pareceu desnecessariamente distante. No entanto, a partir da terceira proteção a via segue um segundo grau constante ao longo de seus 300 metros, com exceção de duas ou três passadas de III e IIIsup.
Pelo meio do caminho encontramos grampos que muito provavelmente datavam da época da conquista, os chamados stubai de 1/4 (mais uma que não sabia), bem finos e já um pouco corroídos, alguns batidos com o olhal para baixo e que não passavam a menor credibilidade. Apesar disso, no geral a via possui quase todos os seus grampos substituídos e estão em bom estado apesar de mostrarem sinais naturais de corrosão. Como estávamos em 3 duplas, as paradas foram feitas à medida que eram necessárias, normalmente quando a corda acabava. Até pensamos inicialmente em fazer trechos à francesa, mas pela parede ser muito positiva, o peso de 60 metros de corda atritando com a pedra foi proibitivo.
Pelo meio da parede, chegamos num trecho onde os próximos grampos estavam escondidos atrás de uma moita de bromélias. Nesse momento nos valemos da experiência e sagassidade do Alessandro para encontrar o caminho correto desbravando terreno desconhecido até avistar uma parada dupla. A vegetação tomou conta da pedra de tal maneira que fizemos uma literal escalada de bromélias para acessar os grampos. Dali em diante perdi a noção de quantas paradas foram feitas, mas quase todas foram esticando a corda no limite e parando aonde dava, com muitos trechos longos e com grampos distantes, que a essa altura já nem era mais um problema. Tinha entrado no ritmo e estava só tocando pra cima.
Suellen e uma vista diferente do Cantagalo
Já nos 30 metros finais da última enfiada encontra-se o crux da via, num trecho de IIIsup mais vertical da parede. Venci esse pedaço com um leve auxílio da vegetação e logo logo estaria ancorado na última parada, finalmente. Como a parede é bem positiva e abaulada do início ao fim, a todo momento temos a impressão de que o final da via era logo ali, só que não. Enfim, depois de 4 horas estávamos os 6 no topo do Cabritos, cada cordada cumprindo 320 metros e quase completando os 1000 metros do desafio em um dia.
Enfim no cume
Minha dupla do dia
Ainda restava a parte chata: os rapéis, com ênfase no plural. Começamos emendando duas das cordas para tentar agilizar o processo, já que nesse momento alguns pingos de chuva começavam a cair. Porém, desembaraçá-las durante a descida se provou trabalhoso logo no primeiro rapel. Assim como na subida a baixa inclinação da parede aumenta o atrito entre a corda e a pedra, na descida é mais difícil da corda se desenrolar sozinha parede abaixo. Quando vimos que ia demorar mais que o esperado, comecei outro rapel com a terceira corda para tentar ganhar tempo, dividindo a descida em 2 grupos de 3 pessoas. Apesar de uma corda só exigir mais rapéis, ter pouca corda para manusear tornou a descida eficiente, e ao longo de mais de uma dezena de rapéis o ritmo começa a ficar bem rápido e constante. Por fim, pisamos de volta em terra firme praticamente todo mundo junto. Uma corda de 70 metros teria facilitado na dúzia de rapéis que fizemos com uma corda só, especialmente quando alcançávamos os grampos abaixo no limite da corda, que era em quase todos os casos. Assim como na subida sempre tínhamos a impressão que o cume era logo ali, na descida foi a mesma coisa porém com o chão. Desde o terceiro rapel, sempre parecia que só faltavam mais 3 ou 4.
Finalmente, depois de 4 horas escalando, 2 horas rapelando e 15 minutos de trilha de volta até a entrada do parque, chegamos todos bem, apesar do natural cansaço. Tivemos a cordada dos enfermos, composta por mim e pela Raquel Fedrizzi, ambos com os pés ainda lesionados, a cordada feminina da Luíza e da Raquel Alves, que voaram pedra acima, e o Alessandro junto com a Suellen que abriram caminho nessa parede gigante que muitas vezes demandava sair de um grampo sem saber onde estaria o próximo.
Apesar de ser uma via simples, foi dia de algumas primeiras experiências. Para mim e mais alguns foi a via mais longa que já havíamos feito. Também foi a primeira via que a Luíza guiou inteiramente sozinha, ainda por cima um E3, que também foi novidade pra mim. Além disso, consegui finalmente escalar no Morro dos Cabritos, algo que já queria fazer há muito tempo, por ser uma parede que fica bem perto da rua e sempre ter me despertado curiosidade.
De fora do parque, já indo embora, olhamos pra cima e avistamos o bloco que marca o fim da via e onde estávamos poucas horas atrás, que lá de baixo parece minúsculo. Quase não dava pra acreditar que subimos aquilo tudo.
