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Janine Santana 13/09/2018 08:59
    UAI - Ultra Maratona Internacional dos Anjos.

    UAI - Ultra Maratona Internacional dos Anjos.

    Correndo pela Serra da Mantiqueira no Caminho dos Anjos

    Ultramaratona Trail Running

    A Ultra Maratona Internacional dos Anjos, tem um percurso de 235km e pode ser percorrida em 3 dias. Ela é feita em um caminho já existente chamado Caminho dos Anjos, que passa pela Serra da Mantiqueira e nos permite conhecer cidades de belezas naturais fantásticas. Esse caminho pode ser feito trilhando ou correndo pelos mais eufóricos como eu.

    A palavra UAI é bem interessante, li que foi um código/senha usada pelos inconfidentes para que fosse permitido sua entrada nas reuniões sobre a Inconfidência Mineira. Hoje se tornou uma gíria falada por toda Minas Gerais. Mas no meu ponto de vista o significado nessa corrida é União, Amor e Independência.

    Essa Ultra Maratona pode ser feita em varias etapas: Passa 4 x Itamonte, Itamonte x Alagoa, Alagoa x Aiuruoca (Cachoeira dos Garcias), Aiuruoca x Baependi, Baependi x Caxambú, Caxambú x São Lourenço e São Lourenço x Passa 4. Tem duração de 72 horas para quem deseja correr os 235Km, a organização informa em seu regulamento que o tempo de corte de cada trecho e consideravelmente grande, então faz com que seja favorável conseguir terminar.

    Dependendo do seu percurso, você pode correr de varias formas, suvivor (sozinho), bike, dupla, solo com apoio e quarteto.

    Ela tem um vencedor, porque alguém vai chegar em primeiro lugar, mas o objetivo da organização e fazer com que você consiga completar o percurso que escolheu fazer. Seu trofeusinho em forma de asa vai está lá te esperando de braços abertos independente da sua colocação, porém você tem que chegar dentro do tempo para não ser cortado.

    Dia 28/6 - Já com a passagem de ônibus comprada para Passa 4, negociei meu horário do trabalho e fui rumo a conquistar minhas "Asas", achei que só estava preparada para realizar 25k (Passa 4 x Itamonte), porém fui comprar alguns acessórios que faltavam para meu trecho Suvivor na loja do Marcio Villar e ele já conhecendo a prova (dobrou 235km 2 vezes na mesma edição) e sabendo da minha rotina de treinos, sugeriu que eu corresse 65km, isto é de Passa 4 x Itamonte x Alagoa. Depois de muita conversa me convenceu, ele mesmo ligou para organização da prova e trocou minha inscrição.

    Recebi varias dicas de alimentação, ritmo, concentração, foco e determinação ..... do próprio Marcio Villar e de seu amigo Zuma da Passaporte Runing. E lá fui eu, tensa mais firme no meu novo propósito.

    Fiquei hospedada na hospedaria Harpia (antiga fazenda), local barato bem no centro de Passa 4 e uns 10 minutos da largada e do congresso técnico. Na diária incluía café da manhã, uma cama e banho quentão. Os hospedes eram 100% corrida, o clima estava ótimo e nossa anfitriã recebeu todos com muito amor.

    À noite fui pegar meu kit, despachei minha drop bag para o primeiro posto de controle em Itamonte, o unico que tinha direito, e assisti o congresso técnico. Sr. Fernando (organização) conversou muito sobre a prova, falou do percurso, tempo, trechos e dos graus de dificuldades que enfrentaríamos, principalmente no trecho da Cachoeira dos Garcías, onde tinha um horário de corte e quem conseguisse chegar lá poderia tomar uma sopa e dormir um pouco. Meu trecho não passaria neste local, ufa suei frio.

    Eu estava tensa e muito mais tensa fiquei me veio na cabeça à bobagem de deixar a empolgação de lado e cair na real. Afinal estava a uma noite da minha primeira ultra maratona e ainda suvivor.

    Dia 29/06 - 6ºC Acordei ainda antes do sol, e a Harpia já estava com o movimento caloroso. Tomei banho, café, esperei a digestão, organizei toda a minha mochila com água, lanche e meus suprimentos, coloquei a minha blusa da sorte do Brasil e parti para largada às 8h. A corneta soou e lá foi à cavalaria montada correndo como doidos, e eu no trote bem leve sem forçar, estava frio e eu não aqueci a musculatura até esquentar meus cambitos já tinha passado uns 3 km, fui ficando para trás. Não estava me importando com isso, porque poderia chegar até 23hs em Alagoa eu tinha tempo de sobra.

    Até Itamonte (25km) eu praticamente corri com muitos outros atletas, conversávamos, riamos, curtíamos as paisagens, eu passava alguns e outros me passavam, beliscava algo da mochila, revezava bebendo água e isotônico. Tudo correndo como planejado.

    O sol queimava meu corpo, até que passei em uma estradinha de chão onde um morador ligou a borracha e começou a molhar a tropa kkkk foi uma beleza refrescou, mas fez aquela lama na rua. Sem problemas, a intenção era curtir a prova. Na subida da serra (que não sei qual) sentia um forte cheiro de galinhas e avistava uma cobertura bem pequena lá embaixo. Um dos atletas comentou que passaríamos ao lado daqueles telhados de aço, onde vivem as galinhas que trabalham 24h por dia para seus ovos custarem 40 unidades por 10 reais, tive que rir, mas é verdade as bichinhas estavam lá e eram muitas.

    Nesse momento os carros de quem estava correndo com apoio já passavam por nós, alguns eram realmente da prova outros eram moradores e treinadores que estavam ali pelo simples fato de ajudar e auxiliar a galera. Eu como estava correndo suvivor não deveria aceitar nem uma coca. Se alguém falasse para os staffs eu era desclassificada, depois observei que na verdade não funciona tão a risca.

    Depois de 2h:15mim de prova, cheguei em Itamonte, assinei no PC (posto de controle) e fui almoçar meu macarrão instantâneo que havia despachado no dia anterior para esse local. Tomei uma refrescante Coca Cola, fui ao banheiro estiquei um pouco as perninhas e continuei meu caminho, agora já quase sozinha, muitos ficaram em Itamonte e outros já tinham partido, e eu ainda tinha 40 km pela frente e agora já com minha mochila mais pesada com os agasalhos que tive que retirar do PC.

    Tudo mudou no momento que iniciei a corrida subindo a serra no asfalto, gosto de correr na montanha e esse trecho era praticamente todo de asfalto via acostamento, quando tinha. Não podia deixar de seguir as placas sinalizando que eu estava no percurso certo. Subi caminhando um longo e infinito trecho intercalando com sombras ou sol torrando. Encontrei varias outras pessoas de outros trechos que ainda iam correr/caminhar muito além que eu, trocamos olhares e palavras de força. Eu estava iniciando uma câimbra e parei para aplicar um gel de massagem que havia levado, começou a vontade de ir ao banheiro para o pipi e eu procurei um lugarzinho na natureza para me aliviar.

    Chegando no quilometro 40 eu sabia que encontraria o único bar da serra e lá eu parei para abastecer, ir no banheiro e tomar aquela coca cola gelada que parecia desejo. Encontrei um rapaz que estava fazendo o trecho de 135k sem um dinheiro. Eu logo respondi "rapaz se você passa mal, não vai ter nem como se virar aqui", ele queria um açaí e eu gentilmente paguei um copão de R$ 10,00 para ele, porém sabia que não o encontraria nem tão cedo. Segui meu caminho admirando toda a Serra e sua paisagem da Mantiqueira sem igual.

    Estava praticamente sozinha, às vezes passava um carro muito raro e eu inicie um trote leve e ia conversando com meus pensamentos, me incentivando e mentalizando palavras de força, pois as dores já estavam chegando e eu precisava pensar em outras cenas e desligar o pensamento da dor.

    Depois de trotar toda a Serra dei de cara com um subidão sinistro que tive que rir quando vi, pensei nossa é tudo isso! Só vou terminar no fim da tarde. Foram 1.788m de uma pirambeira sem fim, minhas panturrilhas doíam, minha lombar ardia e eu já estava sozinha um bom tempo. No final deste subidão encontrei uma das placas de sinalização do Parque Estadual da Serra do Papagaio. Não consegui ver o Morro do Papagaio o fim da tarde já estava chegando e com ele o frio da Serra, neste momento iniciou a descida em um terreno íngreme e muito acidentando, às vezes trechos de single track outros trechos de pedras chamadas de pé de moleque, ali foi impossível correr, as pedras são lisas e o forte risco de queda era grande. Exatamente nesse trecho encontrei um rapaz de Rondonia que estava muito assado e me disse que teria que parar no 65 km, pois já não estava suportando as dores. Eu tinha na mochila um creme contra assaduras chamado "sem atrito" e dei para ele. No final eu quem ficou muito assada, mas deu para suportar.

    A noite caiu e o frio chegou com tudo, corria sem parar cheia de medo em uma estrada escura, somente via outros coletes refletivos bem longe de mim, vagalumes e uma infinidade de estrelas. Meu Garmim acabou a bateria e eu fiquei sem noção do meu ritmo e quantos quilômetros ainda faltavam correr. Minha lanterna de cabeça acabou as pilhas e por, mas que eu tivesse um par reserva, não conseguia enxergar no meio da escuridão para trocar. Então lembrei que no check-in list na retirada do kit uma lanterna reserva era um item obrigatório e eu estava com a minha no fundo da mochila. Aliviada da escuridão, mas sozinha, senti uma sensação de pânico, pois sem meu Garmim não tinha noção de como estava. Não chorei, mas comecei a cantar desejando que as luzes da cidade começassem a aparecer. Já estava sem água e racionando o isotônico um golinho a cada 500m, estava com sede e sonhava com uma coca cola. Não deu outra, foquei tanto na latinha que acabei confundindo com o olho de gato vermelho da estrada, cheguei até me abaixar e tentar pegar no asfalto. Quando eu dei por mim apareceu um atleta perguntando se eu estava caindo, dei um grito de pavor. Imagina você sozinha no escuro com sede e já com fome, escuta uma voz masculina vinda atrás de você e claro que eu dei um tiro já pedindo socorro. Depois que me acalmei vi que era uma menina chamada Micheli de Botucatu e estava morrendo de medo como eu. Enfim começamos a revezar trote e caminha até que finalmente as luzes da cidade apareceram, ainda não era Alagoa, perguntei a um morador e faltavam 9k para a chegada ao centro da pequena cidade.

    Esses 9k pareceram uma eternidade nunca chegava, aumentamos um pouco o ritmo, porque o frio estava me deixando com as extremidades frias, acho que as luvas não foram adequadas.

    Então entramos em uma estrada de paralelepípedos e finalmente novas luzes apareceram, avistei uma placa da Cidade de Alagoa e foi só felicidade, soltei aquele gás que ainda restava e consegui terminar a prova em 13º com 10:53mim, tempo para competição horrível, mas o objetivo era chegar e eu cheguei.

    Depois recebi o carinho da organização com um caldinho de feijão delicioso e a sonhada coca cola "real" me esperando. Recebi minhas asas embarquei no ônibus da organização enrolada no cobertor térmico e voltei para Passa 4 com o sentimento de felicidade explodindo no peito.

    Correr não é só colocar um tênis e sair por ai, você precisa adaptar seu corpo com treinos para que ele crie resistências. As montanhas também foram feitas para correr não somente trilhar, nessa Ultra superei minhas metas e juntei dois amores que me trás felicidade.

    Janine Santana
    Janine Santana

    Publicado em 13/09/2018 08:59

    Realizada de 28/06/2018 até 29/06/2018

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    2 Comentários
    Renan Cavichi 28/09/2018 12:59

    Que bacana Janine, alguns anos atrás também nos hospedamos no Hostel Harpia para fazer o trekking da Serra Fina e tivemos o prazer de conhecer a dona Doca, que nos recebeu com muito carinho. Por acaso ficamos por lá no final da prova da Ultra Maratona daquele ano, e pude ver todo esforço dela e atenção para receber todo o pessoal chegando em um cansaço extremo. Não me esqueço de uma situação que me marcou: Iríamos sair as 5h da manhã e avisamos a dona Doca para não se preocupar e só nos orientar como poderíamos fazer um café antes de sair. Não houve argumentos que tentamos que a convenceu de não preparar o café para gente. Ela acordou antes de nós de madrugada por volta das 4h da manhã e quando acordamos o café já estava no fogão a lenha. Tivemos uma grande lição de simplicidade, carinho e amor ao próximo nesse dia.

    Janine Santana 02/10/2018 11:49

    Olá Renan Cavichi. Ela contou um pouco de sua história de infância. Aquela casa era uma fazenda e ela era filha da empregada e quando ficou adolescente começou a trabalhar como domestica da fazenda e está até hoje. Realmente ela leva a simplicidade das pessoas do interior de minas, muito carinhosa e atenciosa.

    Janine Santana

    Janine Santana

    Rio de Janeiro

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    Amante do esporte de aventura. Tenho 42 anos, sou casada e graças a Deus conheci meu marido no meio do mato praticando uma aventura, porque se não eu ainda estaria solteira. kkk

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