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Lucio Bandeira 27/08/2018 22:57
    Conquista do Pico Paraná aos 61 anos.

    Conquista do Pico Paraná aos 61 anos.

    Achávamos muito difícil mas, para nossa surpresa, conseguimos realizar o sonho de chegar ao cume do Pico Paraná.

    Trekking Montanhismo Acampamento

    Eu e minha esposa Marlene, 61 e 55 anos respectivamente, tínhamos o sonho de chegar ao topo do Pico Paraná, carinhosamente chamado de PP, a montanha mais alta do Sul do país com 1.877 metros. Tínhamos bastante experiência em acampamentos, pois desde a década de sessenta meus pais passavam as férias inteiras acampados comigo e meus cinco irmãos no meio do mato, usando barracas do exército, porque não existiam barracas de camping no Brasil. Quando nossos filhos ainda eram crianças procuramos passar para eles este amor pela natureza, e passávamos um mês inteiro acampados, mas com mais estrutura, no Camping Lago Dourado em Araranguá. Eu e Marle havíamos feito algumas trilhas, mas a mais exigente até então havia sido a Ferrovia do Trigo, de nível fácil a moderado, além de pequenos trechos de montanha. Com este cenário, sabíamos que seria muito difícil chegar ao cume do PP, então nem nos preocupamos em fazer preparação física especial, continuamos fazendo somente as atividades costumeiras: eu jogo Tênis competitivo, minha esposa caminha e corre na esteira, caminhamos seis a oito quilômetros na rua, andamos de bicicleta. Três a cinco vezes durante a semana praticamos uma dessas atividades.

    Convidamos nossos filhos e alguns amigos, mas somente puderam nos acompanhar na aventura Tânia, uma amiga com a nossa faixa etária, seus dois filhos Guilherme e Riana, os três com experiência em trilhas, pois fizeram a Ferrovia do Trigo conosco, mas sem experiencia em montanha, e um casal de jovens amigos, Diego e Marina, que não tinham feito nenhuma trilha ainda.

    Pela minha característica de fazer planejamentos detalhados e precisos, fiquei encarregado de fazer a programaçao da subida. Meu plano inicial seria chegar com as mochilas cargueiras até o Pico Caratuva (com possibilidade de acampar no cume do Morro do Getúlio caso estivéssemos muito cansados) acampar e seguir no dia seguinte para o Pico Paraná, percorrendo a Trilha da Conquista até o acampamento 1 (A1). Escolhi pernoitar no Caratuva porque pensei que, se não conseguisse chegar ao Pico Paraná, pelo menos teria o prazer de ver o nascer e o pôr do sol no segundo mais alto pico da região Sul.

    Antes de partir, troquei alguns equipamentos para deixar as mochilas mais leves. A troca mais importante foi da barraca Naturehike Alumínio 2 que eu tinha pela excelente Naturehike Cloud Up 2 Ultralight (de cor cinza, que é mais leve): de 2,2 quilos para somente 1,5 quilos! Mesmo após as trocas minha mochila ainda pesava 13 quilos e a da Marle 11 quilos (sem considerar água), pois os equipamentos ultra leves são também ultra caros, e não deu para comprar tudo o que desejávamos. Ficamos então esperando um final de semana com tempo bom, até que finalmente chegou o grande dia, o feriado de Tiradentes, com uma previsão de tempo perfeito.

    Saímos de Chapecó na quinta, dia 19/04/18, à tardinha e pernoitamos em uma Pousada em Quatro Barras, a 30 quilômetros do PP. Na sexta cedinho rumamos para a Fazenda Pico Paraná, onde conversamos com o proprietário, Dilson, e comentamos sobre nosso planejamento. Ele nos recomendou não acampar no Caratuva, porque a trilha da Conquista não era muito usada e era muito fácil de se perder, e falou que era melhor acamparmos no Itapiroca, fazendo a trilha normal para chegar ao PP. Aceitamos a sugestão, afinal o bom planejamento é aquele que é flexível, colocamos as cargueiras, tiramos uma foto e partimos, em torno de nove horas da manhã.

    A tradicional foto da partida: Riana, Marina, Diego, Marle, Lúcio, Guilherme e Tânia.

    Com o corpo ainda frio, sofremos muito ao subir o íngreme gramado inicial, ainda na fazenda, o que me fez lembrar do filme Por Aqui e Por Ali (A Walk in the Woods), imperdível. Comecei a pensar se não seria loucura o que estávamos tentando, mas tocamos em frente, sem pressa, parando para apreciar a paisagem e tirar muitas fotos. Perto de uma da tarde chegamos na bica, depois da bifurcação do Caratuva, onde paramos para almoçar um delicioso Cup Nodles turbinado com sopa Vono e meio pacote de queijo ralado para cada um. Tudo é delicioso na trilha, não é mesmo?

    Riana almoçando na bica.

    Depois de quase uma hora de descanso, abastecemos de água para o acampamento e tocamos em frente. Com dois quilos a mais em cada mochila o cansaço logo aumentou, e chegamos estropiados ao Itapiroca em torno de quinze e trinta, a tempo de montar acampamento, subir o pequeno trecho até o cume, deixar uma mensagem no livro e apreciar um belo pôr do sol.

    Eu e Marle curtindo o por-de-sol no Itapiroca, logo aós a chegada.

    No Itapiroca, deitado na barraca, namorando o Pico Paraná e imaginando como era longe...

    À noite a temperatura baixou muito, certamente ficou negativa, porque estava ventando muito e mesmo assim formou gelo nas barracas. Estávamos bem agasalhados e com bons sacos de dormir, mas mesmo assim passamos frio e tivemos dificuldade para dormir.

    Longe do inverno ainda, e formou gelo nas barracas...

    Formou gelo também nas botas que estavam guardadas no avanço da barraca.

    No dia seguinte bem cedo acordamos para ver o nascer do sol, fizemos um café da manhã reforçado e às oito horas estávamos prontos para partir para o PP.

    Nascer do sol com o Pico Paraná ao fundo. Parece uma pessoa deitada, onde o PP é o nariz...

    Nossas barracas ao nascer do sol, com o Pico Paraná ao fundo. Em primeiro plano nosso saco de lixo, devidamente amarrado na barraca para não voar.

    Escondi nossa comida no mato, porque na trilha do Pontal de Tapes, que havíamos feito dois meses antes, nos furtaram algumas coisas a noite, inclusive toda nossa comida, nos deixando em situação de risco. Deixamos nas barracas somente os isolantes, os sacos de dormir e alguns itens menos valiosos e saímos com três a quatro quilos em cada cargueira. Tudo na expectativa de não passar muito aperto caso furtassem nossas barracas enquanto estivéssemos na trilha... E fomos subindo, descendo, pulando, escalando, curtindo a paisagem, tirando fotos, bebendo água geladinha de cada fonte que tinha no caminho, até chegar no Acampamento 2 (A2), em torno de onze e meia, onde Tânia e Marina disseram que ficariam ali nos esperando, porque estavam cansadas.

    Marle, Marina e Diego escalando o paredão.

    Fomos atrás da bica de água para reabastecer, pegamos somente uma mochila, com água, kit remédios e kit de emergência, e partimos os cinco restantes para o ataque ao PP. Depois de pouco mais de meia hora, parecia que estávamos chegando ao cume, ficamos felizes, mas... era o falso cume! Avistamos mais um caminho por dentro da mata, um paredão ameaçador no final e o PP nos chamando, lá em cima. A decepção foi tão grande que Diego, Riana e Guilherme desanimaram e disseram que não iriam continuar... Não quis argumentar, porque cada um sabe o seu limite e eu não queria me sentir culpado pela falência física de ninguém. Olhei para a Marle para ver se ela estava bem, mas nem falei nada para não forçar a barra. Ela me olhou firme e disse: vamos! Não pensei duas vezes, larguei a mochila com os três, peguei duas garrafas de água, coloquei uma em cada bolso da calça e saímos quase correndo em direção ao pico, com a adrenalina a mil. Chegamos lá em menos de quinze minutos, nos abraçamos e rimos que nem crianças, sem acreditar que conseguimos chegar lá. Ainda gritamos para nossos amigos, dizendo que o último trecho era fácil, que era para eles tentarem subir, mas eles não entenderam, acharam que estávamos acenando para eles e voltaram para o A2.

    Achei graça ao perceber que os montanhistas que estavam no cume olhavam com estranheza aqueles dois velhinhos que chegaram somente com a roupa do corpo, deve mesmo ter sido surreal. A trilha de volta do cume até o A2, onde estavam nossos amigos, é relativamente fácil, só descida, que dá para percorrer em menos de uma hora, e somente hoje me dou conta que subimos sem o mais básico dos equipamentos, a lanterna, mas parecia que se levássemos a mochila não conseguríamos chegar ao pico...

    Tiramos muitas fotos, curtimos a paisagem, deixamos uma mensagem no livro do cume, sentamos um pouco para almoçar barras de castanhas e carboidrato em gel, e iniciamos a caminhada de volta, porque não tínhamos muito tempo, eram mais quatro horas até o acampamento base no Itapiroca, já era mais de duas da tarde e não queríamos pegar noite na trilha.

    Eu e a Marle na pedra, ao lado do livro do cume do Pico Paraná.

    Ao chegar no A2, onde o resto da galera nos esperava, um susto: Guilherme estava com câimbras, eu fiquei com medo de que ele não conseguisse retornar e tivesse que ficar no A2, sem abrigo. Demos para ele um coquetel energético composto de Capuccino com leite em pó adicional, Carb up, mandolate e Snickers, o que fez com que ele melhorasse das câimbras - embora eu ache que o estomago dele foi detonado - e ficasse em condições de iniciar a jornada de volta. No caminho abastecemos de água novamente, no último filete que tinha na trilha, ficamos com as mochilas mais pesadas, o que aumentou o cansaço, e acabamos chegando no Itapiroca já quase de noite, as dezoito horas, tão exaustos que por vezes tínhamos que puxar as pernas com as mãos para subir as pedras e galhos. Uma janta quente e uma unica cumbuca cheia de sopa, passada de mão em mão como em um ritual indígena, nos reanimou, o frio estava menor (ou o cansaço maior?) daí pudemos dormir melhor.

    No dia seguinte, acordamos cedo, a tempo de ver mais uma vez o belo nascer do sol, arrumamos as cargueiras e iniciamos a descida em um bom ritmo, às oito horas. Fazendo as tradicionais paradas para descansar, tirar fotos e apreciar a paisagem, às onze e meia chegamos na Fazenda Pico Paraná e fomos correndo encontrar uma churrascaria para tirar o atraso... que ótimo sabor tem a comida e bebida depois da trilha!

    A chegada na Fazenda Pico Paraná.

    Não poderia encerrar o relato sem enaltecer nosso grupo, unido em todos os momentos como uma família, com uma sinergia que transmitia força e segurança a todos e que nos permitiu fazer a jornada sem nenhum percalço. De toda a aventura somente um arrependimento: encontrei na subida para o PP um saco cheio de lixo que alguém deixou, eu vi e pretendia trazer na volta, mas não tive força física ou mental para trazer quando retornei. Me deu a impressão, ao olhar aquele saco de lixo, que se eu o levasse para baixo ia morrer abraçado com ele... O que me consola é que trouxemos até a última migalha do lixo que produzimos, como de costume.

    Acho que alguns montanhistas experientes vão rir da nossa história, achando muito fácil chegar ao cume do PP, mas na nossa idade acredito que poucas pessoas teriam a preparação física e principalmente mental para sequer conseguir chegar com as cargueiras até o Itapiroca, o que dirá sair do Itapiroca no dia seguinte, com algum peso na mochila, ir ao PP e voltar. Ficamos muito felizes em poder provar que a velhice está somente na cabeça das pessoas, e que nunca é tarde para realizar seus sonhos, por mais malucos que possam parecer. O pior é que descobri o que muitos falavam e eu não imaginava que era verdade: o bicho da montanha nos picou e contaminou, ficamos viciados e já estamos preparando nova jornada, agora para conhecer o Pico Caratuva... A montanha é o paraíso na Terra!

    No mirante próximo ao A2... nossa sinergia nos faz mais fortes!

    Lucio Bandeira
    Lucio Bandeira

    Publicado em 27/08/2018 22:57

    Realizada de 19/04/2018 até 22/04/2018

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    51 Comentários

    Faltou uma partida de tênis na altura!! Parabéns velhinhos!!!

    Luciane Battisti 28/09/2018 07:06

    Que show!!! Parabéns!!! Vcs são aventureiros mesmo!!!

    Matheus Parizotto 29/09/2018 17:13

    parabéns! vocês são incríveis! Desejo sucesso e novas aventuras! Abraço!

    José Bona Filho 04/10/2018 11:53

    Valeu Lucio e Marlene, que lição de coragem!!! Aos tenistas do Oeste Catarinense, um abraço.

    Otávio Luiz 15/10/2018 16:59

    Parabéns pela conquista!!! Tenho 52 anos e subo o PP desde os 20, e te digo, agora estou melhor preparado do que 30 anos atrás. O que vale é o condicionamento físico e mental. Claro, juventude ajuda, mas não é tudo.

    Lucio Bandeira 31/10/2018 23:22

    Obrigado, galera. Subimos o Pico da Bandeira no mês passado, só eu e a Marle, assim que tiver tempo relato a aventura para vocês.

    Myka Oli 11/09/2019 14:22

    Que incrível, parabéns pela conquista! Juventude não é nada quando existe coragem! Dia 14/09/19 estarei chegando no PP e lembrarei de vocês! 💕

    Myka Oli 18/09/2019 17:22

    Estou publicando o relato da minha conquista Marlene! 🥰

    Lucio Bandeira

    Lucio Bandeira

    Maceió (AL)

    Rox
    350

    O homem jamais conseguirá fazer obras tão lindas como a natureza! Por isso meu destino é o mato, o mar, a montanha, e não uma igreja "velha" na Europa...

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