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Monte Elgon - o vulcão mais antigo da África Oriental
Travessia feita em quatro dias passando pelo seu ponto culminante a 4.321 metros de altitude.
Mountaineering TrekkingInicio o que espero ser uma sequência de relatos sobre minhas andanças pela África com lembranças sobre o vulcão considerado o mais antigo da porção oriental daquele continente, o Monte Elgon, situado na fronteira de Uganda com o Quênia. Também é apontado como o vulcão terrestre cuja base ocupa a maior área entre todos no mundo (há vulcões submarinos com base maior). A ascensão ocorreu pelo lado ugandense, por permitir o acesso ao seu ponto culminante, o Wagagai, com 4321 metros de altitude em janeiro de 2015.
Eu estava na companhia de minha ex-esposa, do guia/cozinheiro, carregadores e rangers do parque nacional que abriga o vulcão. A possibilidade de encontro com animais selvagens como búfalos e a situação envolvendo moradores e disputa por terras agricultáveis nos limites do parque exigiam a participação destes simpáticos e atenciosos vigilantes armados, cada qual com seu fuzil, os rangers.
Partimos de Kampala, a capital de Uganda, em direção ao leste do país. No caminho, paramos na cidade de Jinja para fazermos um rápido passeio ao chamado “ponto zero”, o local onde o Rio Nilo deixa o Lago Vitória, o maior da África, para iniciar seu percurso de 6.500 km até sua foz no Mar Mediterrâneo. Uma viagem de cerca de três meses.
O Rio Nilo deixando o Lago Vitória (escoamento das águas para o canto inferior esquerdo da foto). O "Ponto Zero" está na ilhota mais à direita.
No local há um marco que homenageia o explorador John Hanning Speke, o primeiro a registrar o Rio Nilo em 1862. A história da exploração africana pelos europeus é um capítulo a parte.
Seguimos rumo à cidade de Mbale. No local, o guia-cozinheiro se juntou ao grupo e foram comprados os mantimentos para a montanha. Mais alguns minutos de viagem e deixamos o asfalto, quando naturalmente iniciaram-se os sacolejos até o vilarejo de Bumasola. Já estamos próximos à base do Elgon, mas faríamos o pernoite na hospedaria da Rose. Ela nos serviu a melhor refeição da viagem. Típica comida caseira. Mas antes houve a entrada com bolinho de chuva e café. Da variedade arábica, este é um dos principais produtos de exportação de Uganda.
No dia seguinte, fomos até o escritório dos rangers, sendo que três deles se juntaram ao grupo e iniciamos a trilha que seria percorrida em quatro dias. Faríamos uma travessia entre as rotas Sasa (ascensão) e Sipi (descenso). O percurso inicial passou por algumas residências com plantações diversas, mas se destacavam cebolas. Várias pessoas subiam com fardos de lenha nas costas. O término do trecho habitado coincidiu com uma escarpa bem íngreme e que delimitava as terras oficiais do parque. Entretanto, não passamos por portões ou guaritas que controlassem os acessos.
Após subir a íngrime escarpa, foi possível avistar as últimas habitações a quase dois mil metros de altitude. Sua distinção na paisagem era facilitada pelo reflexo dos telhados de zinco.
Caminhamos por um trecho de floresta exuberante e úmida. Várias árvores apresentavam copas frondosas em meio a uma trilha bem delimitada. Em pouco mais de duas horas, alcançamos um abrigo em que realizamos uma pausa para almoço. Após um breve descanso, seguimos até o nosso acampamento, o Mude Cave, a 3500 metros de altitude, aonde chegamos por volta de três da tarde.
Na parte de floresta, pausa para a foto emblemática com o grupo. Da esquerda para a direita, eu, Chris, Roger, Xavier (o guia/cozinheiro) e Karim. Cada ranger com seu fuzil e Xavier com um faca. E ainda me perguntaram no Brasil se eu tinha medo de caminhar na África...
Nossa barraca-refeitório para o almoço.
A temperatura despencava à medida que anoitecia e, após o jantar com a temperatura em torno de 5°C, não restava nada mais a ser feito a não ser buscar o “conforto” da barraca para o descanso. O dia seguinte era muito aguardado, o dia do cume.
No acampamento Mude Cave, o recurso mais importante era a fogueira. À noite, ela ajudaria a nos aquecer durante a refeição e a afastar as feras!
O dia amanheceu limpo, prometendo revelar visões longínquas e inesquecíveis. Após o café da manhã, iniciamos a caminhada justamente no trecho final de floresta que, naquela altitude, já se apresentava arbustiva. Adiante, haveria somente gramíneas e uma ou outra planta mais adaptada aos rigores do clima de altitude, como senécios e lobélias gigantes. No mais, era contemplar as mais variadas formas rochosas que lembravam um pouco as escarpas das montanhas da Serra do Espinhaço no Brasil.
Estávamos acompanhados pelos três rangers, sendo que um deles, o Chris era muito comunicativo. Mais até que o próprio guia, que ficou no acampamento com os carregadores. Logo após a passagem dos quatro mil metros de altitude, surgiu a Lagoa Jackson. Ainda que de forma elíptica, tinha seus eixos com dimensões próximas às de um campo de futebol. O azul celeste se refletia nas suas águas calmas que, funcionando como espelho, também lhes conferiam um intenso azul turquesa.
A Lagoa Jackson, a 4050 metros de altitude.
Seguimos em uma ascensão lenta e contínua, com inclinação suave. Entretanto, ainda que o desnível a ser vencido não fosse absurdo, a grandeza do vulcão deixava tempos e movimentos distorcidos. Parecia que tudo seria rápido, mas não foi o caso. Para um vulcão que outrora foi mais alto que o Kilimanjaro, sua inatividade em torno de dez milhões de anos e a ação do intemperismo o reduziu a um coadjuvante, mas o que restou é grandioso.
Com cerca de três horas de caminhada, atingimos a altitude de 4.200 metros e alcançamos a borda do vulcão. Mas o Elgon já não exibe mais aquela característica marcante de um típico vulcão. O interior da gigantesca cratera desmontada de cerca de 8 km de diâmetro possui alguma vegetação e algumas lagoas, além de conter várias rochas, como era esperado.
Olhando para dentro da cratera do vulcão.
Talvez a rápida ascensão em dois dias, aliada a uma noite de sono não muito boa, estavam contribuindo para a lentidão, o que já poderia demonstrar um discreto efeito da altitude na fisiologia. De qualquer forma, o cume já era visível e mais meia-hora de caminhada levou ao seu alcance.
A 4321 metros de altitude, o cume possui uma discreta placa com seu nome, Wagagai. Um local de paz, ideal para eu agradecer aquela maravilhosa oportunidade exatamente no dia do meu 41° aniversário, em 13 de janeiro.
O Pico Wagagai, cume do Monte Elgon. A visão ao fundo era a do lado queniano.
Para o lado do Quênia havia uma espessa camada de nuvens em uma porção da borda vulcânica. Mas para o lado de Uganda, tudo estava visível. Entretanto, uma nebulosidade no ar impedia a visão nítida do horizonte distante.
A descida novamente nos levou ao Mude Cave para novo pernoite. Enquanto descansava na barraca no fim da tarde, chegaram duas francesas que também iriam pernoitar no local e subiriam ao cume no dia seguinte. Logo um dos carregadores do meu grupo veio com um grande pedaço de madeira para fazer fogueira e nos aquecer, enquanto aguardávamos o jantar.
Reunidos em volta da fogueira e saboreando a comida, todos conversavam sobre suas andanças mundo afora e Chris contava sobre a vida no entorno do Elgon. Por fim, ele me repassou a programação para o próximo dia. Desceríamos até a zona de floresta, mas antes passaríamos pelo principal atrativo do Elgon e que motivou minha escolha pela rota Sipi para a descida: a caverna Tutum.
Despertei no dia seguinte após um movimento brusco por conta de um pesadelo, em que uma criança caía de uma altura considerável e eu estava embaixo tentando apanhá-la. O movimento que fiz foi real e empurrei a parede de nylon da barraca ao esticar os braços, o que me fez acordar. Seria um efeito combinado do cansaço e altitude? Seja lá o que tenha sido, era hora de descer mais, mas antes, subiríamos até novamente a altitude de 4200 metros, em que se situa o Pico Mubiyi, para então descermos de fato.
Levantamos o acampamento, tomamos café e nos despedimos de nossas vizinhas francesas, que se preparavam para irem ao cume. No trecho de subida, passamos por dentro da caldeira do vulcão. De forma alguma, se não fosse informado por Chris, acharíamos que estávamos em um local que outrora tivesse sido uma piscina de lava.
Neste trecho ainda passamos por dentro da enorme cratera do vulcão.
Alcançamos o ponto culminante para o dia e, assim, deixamos de subir pelo setor sul do vulcão e iniciamos a longínqua descida pelo seu setor oeste. A visão era ampla e alcançava vários vales percorridos por rios. Alguns deles não eram perenes e só se formavam na estação chuvosa. Diferentemente da Rota Sasa, mais íngreme, a Rota Sipi descia suavemente pela encosta do vulcão. O resultado disso é que, ao final do dia, seriam percorridos 37 km até o próximo e último acampamento.
Próximo ao Mubiyi fiz esta pausa para a foto com este animal ao fundo! As formas rochosas davam asas à imaginação.
Avistamos uma cachoeira a certa distância e próximo a ela paramos para almoçar. O local também permitia pernoite (e até poderíamos percorrer ocaminho até a cachoeira). Após uma pausa para sesta, continuamos a descida.
O caminho foi ficando mais arbustivo e úmido. Consequentemente, mais verdejante. Até que, ao fazermos uma curva e transpor uma elevação, surgiu uma incrível cena diante de nós: a caverna Tutum. Um fino véu de água descia de parte de sua entrada, mas os guias falaram que na estação chuvosa podia encobri-la totalmente. Um espetáculo. Diante de nós, a entrada revelava um labirinto cujo fim ainda era desconhecido pela ciência. Só é certo que há milhares de morcegos em seu interior e, em função disso e das ocorrências esporádicas na região, há uma suspeita de ter sido o local originário do ebola.
A entrada da Caverna Tutum. Pode não aparentar, mas essa boca é enorme.
Caminhei um pouco pela sua entrada. Eu estava sem lanterna de cabeça e a luz natural já não permitia avançar mais. Onde eu estava, a caverna aparentava ter mais de dez metros de altura. Ouvi o que parecia ser a conversa de morcegos e o solo os testemunhava pelos depósitos de fezes.
A maior caverna do Elgon, que contém lendas e que pode ser um dos últimos símbolos da atividade do vulcão como um “vent” lateral de emissão de lava. Do lado queniano do vulcão, há a caverna Kitum, que possui depósitos de sal e, por isso, atrai elefantes para seu interior, um fato exclusivo em toda a África. A natureza procurou se mostrar espetacular nestes símbolos escondidos nos confins do continente.
Deveríamos retomar a caminhada, pois já estava ficando tarde. Logo, revoadas de morcegos deixariam o local e seria bom estarmos afastados. Assim, seguimos por mais uma hora até chegarmos ao acampamento, já no cinturão de floresta do Elgon.
Com a umidade da floresta, o sono foi bem melhor, sem pesadelos! Era hora de encerrar os 77 km de uma grande aventura. Conforme descíamos, podíamos ver os primeiros vestígios da civilização como as plantações nas encostas distantes, algumas com deslizamentos em virtude das chuvas.
Percorri os últimos metros da trilha ao lado de Chris. Já avistávamos o portão de saída com a casa que servia de posto de controle de visitantes, já que esta rota era mais usada. Ainda brinquei com ele dizendo que sentia muito em terminar uma grande aventura e já gostaria de começar outra imediatamente. Então, fizemos meia-volta e caminhamos poucos metros no sentido inverso!
No posto de controle, assinamos o livro de presença e recebemos nossos certificados de ascensão ao Monte Elgon. Distribuí gorjetas e alguns equipamentos a toda equipe que zelosamente trabalhou para o sucesso da empreitada.
Hora do certificado, cumprimentos e agradecimentos. Chris ao meu lado, juntamente com Xavier.
Enfim, uma aventura só se inicia com o término da anterior. E era nesta ciranda da vida que eu deveria aceitar aquele término para pensar na próxima. E ela já se iniciaria alguns dias depois, quando seguiríamos para o outro lado de Uganda, para subirmos o Rwenzori, na fronteira com a República Democrática do Congo. Mas isto é outra história...
Comentário final: impossível dar uma descrição detalhada destes quatro dias sem me estender em demasia. Eu dediquei um capítulo inteiro no meu livro “História de Savanas e Glaciares Africanos - Ed. Literar (2019)” a esta montanha, além de outros dedicados às demais visitadas na África até então (Kilimanjaro, Meru e Rwenzori, além de safáris em alguns parques nacionais).
Muito bom relato como sempre amigaço. Parabéns por mais essa conquista e por compartilhar essas histórias infelizmente pouco conhecidas.