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Marcelo Lemos 09/23/2022 15:17
    Pelas vertentes do histórico Pico do Itambé

    Pelas vertentes do histórico Pico do Itambé

    Uma montanha por vezes mencionada na exploração de Minas Gerais.

    Mountaineering Hiking

    Algo que tem despertado minha curiosidade há alguns anos é a citação histórica de nossas montanhas, principalmente se for antes do chamado surgimento do montanhismo brasileiro, que normalmente é creditado à escalada do Dedo de Deus em 1912, talvez pela dificuldade na obtenção da informação reunida de maneira sistematizada.

    No caso da região das “minas geraes”, o Pico do Itambé conta com antigas e interessantes citações, como a do mineralogista inglês John Mawe no seu livro “Viagens aos Distritos do Ouro e Diamantes” lançado em 1825:

    “... o terreno, conforme progredíamos, gradualmente se tornava mais montanhoso e abundava em xistos argilosos muito cheios de quartzo. Depois de cavalgarmos cerca de dezesseis milhas, avistamos uma montanha muito singular, de rocha nua de granito, chamada Itambe, fazendo parte de um alta cadeia que ficava a nossa esquerda”.

    Observem o destaque dado nesta citação de 1862, feita por três cientistas de origem bávara (Tschudi, Halfeld e Wagner) ao caracterizarem a província de Minas (da obra “A Província de Minas Gerais”):

    “Na Serra do Espinhaço, no trecho em que é chamada de Serra de Santo Antonio, fica o Pico do Itambé, a mais alta montanha da província e, aparentemente, de todo o Brasil. As estimativas de sua altitude têm variado entre 5.600 e 7.200 pés acima do nível do mar, mas ela nunca foi medida com precisão. Em geral, os pontos mais altos dessas longas cordilheiras não se elevam a mais de 4 mil pés acima do nível do mar.”

    Obs.: 1 pé equivale a 0,3048 metros.

    Pouco tempo depois, em 1868, o “Atlas do Império do Brazil” já posicionava o Itambé como a 24ª montanha mais alta do território, mas com 1316 metros de altitude. Um valor bem abaixo do atual. Ainda nos dias atuais são comuns as referências afirmando que o Itambé é o mais alto da Serra do Espinhaço com 2052 metros, mas entendo ser o Pico do Sol, no Caraça, o detentor deste título, pois possui 2072 metros de altitude.

    Naturalmente, conhecer o Itambé tornou-se um objetivo de longa data. Aproveitando que eu me encaminhava para a última semana de férias no meu trabalho e a previsão do tempo não prometia ser boa para a região serrana fluminense, frustrando meu planejamento de realizar escaladas na região dos Três Picos em Nova Friburgo/RJ, idealizei um rápido cronograma para alguma região que prometesse tempo seco. As cidades mineiras de Diamantina e Serro contavam com previsão de tempo ensolarado e foi para elas que voltei minha atenção. O Pico do Itambé foi o principal destaque do planejamento, mas que contou ainda com visitas ao Parque Nacional das Sempre Vivas e Parque Estadual do Biribiri. Para estes parques, é importante estar em Diamantina. A obtenção da permissão de acesso ao Parna Sempre Vivas é feita no escritório do ICMBio nesta cidade e o Biribiri é um parque praticamente dentro de Diamantina, com fácil acesso e trilhas rápidas.

    No caso do Itambé, a cidade de Santo Antônio do Itambé se situa no sopé da montanha, mas optei por ficar em Serro também por sua história, seus casarões e queijos! Em 1845, a serra e a cidade eram referenciadas no “Diccionario geographico-historico e descriptivo do império do Brazil – volume I” com a seguinte descrição:

    “Itambé – Serra elevada da provincia de Minas-Geraes, no districto da cidade do Serro. D’ella nasce o ribeiro Vermelho, que troca depois este nome no de Saçuhi-Grande. Afirma se que seu cume se acha 5,590 pés inglezes acima da nivel do mar...”

    O casarão que abriga a sede da prefeitura da cidade do Serro.

    Enfim, algum tempo depois, já em 2022, lá estava eu acordando cedo no Serro em 11 de agosto, tomando café às seis da manhã. Alguns dias antes eu havia enviado um email para a administração do parque (peitambe@meioambiente.mg.gov.br) comunicando minha intenção de subir a montanha. No dia seguinte, recebi a resposta confirmando a liberação do acesso.

    A alvorada prometia um dia cheio de belos cenários.

    Confirmado meu acesso na portaria, iniciei a caminhada de 12,2 km até o ponto culminante por volta das sete e meia, seguindo por uma estrada de pouca inclinação na parte de floresta e cujos primeiros 6,7 km permitem a passagem somente de veículos 4x4. Se não fosse por uns três obstáculos neste percurso, seria possível passar com veículo pequeno. Mas realmente é impraticável para estes.

    O Pico do Itambé, visto durante caminhada pela estrada de acesso à trilha.

    A sinalização estava ótima e, em dois momentos, indicou atalhos dentro da floresta para quem passa pela estrada a pé. Também indicou a saída para Cachoeira do Neném e o Rio Vermelho (aquele já mencionado em 1845).

    Um estacionamento assinalou o fim do primeiro trecho, o da estrada. Agora sim, eu iniciaria de fato os 5,5 km de trilha para o pico. Alguns metros adiante, passei na antiga e famosa casa do Sr. Joaquim Moacir. Eu havia lido sobre a hospitalidade deste antigo morador da serra. Havia uma seção da casa que aparentava ser recém-construída, mas não havia ninguém no local.

    O dia estava aberto, nuvens altas e pouco vento. A vegetação agora estava se abrindo, tornando-se mais arbustiva e permitindo belas visões longínquas. As formações rochosas quartzíticas apresentavam-se pontiagudas e escarpadas – característica do conjunto orográfico do Espinhaço.

    Esta foto te lembra algum animal?

    Após duas horas de caminhada, alcancei a chamada Lapa do Morcego. É um local em que um grande rochedo forma uma pequena caverna e que, suponho pelo nome, pode abrigar morcegos. Na entrada há uma mesa e bancos de madeira. Parei rapidamente apenas para visualizar o conjunto, mas não fiz lanche como o local sugeria.

    A Lapa do Morcego é um ótimo local para um descanso.

    Em menos de dez minutos após ter deixado a Lapa do Morcego, avistei uma placa que informava estar ali o último ponto de água. Mas a estação seca fazia com que a água disponível estivesse vertendo em uma vazão diminuta de uma pequena e rasa fenda na rocha. Havia muitos musgos aderidos às rochas em seu fundo e a água apresentava coloração. Não me senti encorajado a encher minhas garrafas. Felizmente, eu tinha água suficiente comigo. Inclusive, tinha uma garrafa que deixei no congelador do frigobar da pousada desde o dia anterior. À medida que eu ia subindo, o degelo fazia com que sempre houvesse água gelada disponível para uns poucos goles. Fica a dica para não se contar com esta fonte, ao menos na estação seca.

    Visão do último ponto de água.

    Aparentemente, é impossível se perder no Itambé, pois além da trilha ser bem aberta, as placas em forma de seta branca com inscrição da altitude e de quanto falta a ser percorrido até o cume estão por toda parte. Além disso, postes e cabos de energia elétrica que vão alimentar torres de comunicação que estão no cume atravessam diversos pontos do caminho e até mesmo se sobrepõem à trilha em alguns trechos. E eu ainda estava preocupado com a orientação...

    A aproximadamente 2 km para o cume já era possível avistar as torres e o cruzeiro lá em cima. Em nenhum momento o caminho ficou íngreme em demasia. Acredito que o maior ponto de atenção seja mesmo com a insolação e hidratação. É importante o uso do protetor solar e que cada pessoa esteja com água suficiente para a extensão do percurso, sendo que há água disponível no início da trilha. Só não é bom contar com a água mais acima, conforme comentado acima.

    Restando cerca de 500 metros para o término da subida, havia uma ponte de uns 10 metros de extensão para a travessia de uma grande fenda. Após a passagem, iniciou-se um pequeno trecho um pouco mais íngreme até praticamente a chegada ao cume.

    A ponte atravesssa uma grande fenda na montanha.

    Às 10h 55min, com grande satisfação, eu estava tocando na pequena cruz situada no cume! Poder contemplar toda a beleza visual da montanha e da região me fez divagar. Quantas pessoas desde tempos remotos não estiveram ali?

    Por todo o raio de visão distante havia o que se admirar naquele dia limpo e espetacular. Ao sul, bem na linha do horizonte, uma cadeia de montanhas se destacava e acredito que fosse a Serra do Caraça. Nas proximidades, as formações rochosas impressionavam pela imponência.

    Visão do cume.

    Em primeiro plano, a grande cadeia de montanhas citada por John Mawe em 1825, do qual o Itambé faz parte como ponto culminante.

    Observei que, próximo ao abrigo, havia mais duas pessoas. Depois de fazer algumas fotos e um lanche, me aproximei dos dois jovens e nos cumprimentamos. Eles haviam subido pelo outro acesso ao Itambé, através do distrito do Serro chamado Capivari. Inclusive, é possível realizar uma travessia na montanha utilizando-se ambas as rotas. Como toda travessia, a logística é a que deve receber especial atenção. Também é possível pernoitar no abrigo do cume, bastando que no pedido de acesso à montanha tal intenção seja mencionada, respeitando-se o limite de quinze pessoas no abrigo. Algo que me chamou a atenção foi a limpeza e engenharia do banheiro químico existente. Ainda não tinha visto algo tão higiênico na montanha. De fato, os parques estaduais mineiros se destacam na organização, sinalização e forma de comunicação com o usuário, alguns deles sem cobrar taxa por isso, como é o caso do Itambé (e do Biribiri também).

    Diferentemente da situação no caminho, no cume ventava em demasia, fazendo a sensação térmica diminuir consideravelmente. Fiz várias fotos panorâmicas, inclusive das cidades de Diamantina e de Santo Antônio do Itambé. A cidade do Serro fica oculta por outra cadeia de montanhas mais baixa.

    Santo Antônio do Itambé vista do cume.

    Após cerca de uma hora no cume, me despedi do local e iniciei a descida. Troquei minha lente por uma que permitisse maior zoom, uma vez que já havia fotografado bastante a paisagem. Nunca sabemos o que vamos encontrar e é bom que o equipamento esteja preparado para um detalhe. Por isso, sempre ando com a câmera ajustada para foco automático e múltiplas fotos com o disparador pressionado.

    E o tema que sempre sonhei em fotografar apareceu a minha frente, como um presente de despedida. O que mais me atrai neste tipo de foto é que não escolhemos quando, onde e como. Você é refém da natureza, que escolhe tudo e cabe a você ser rápido o suficiente. Acredito que todo o processo tenha durado menos de 5 segundos. Tirar a tampa da lente, dar o zoom, focar e disparar, enquanto eu sorria. Aí está o tema...

    Ainda bem que o almoço aparentava estar saboroso, pois manteve o beija-flor ocupado por tempo suficiente para eu preparar a foto.

    Mais embaixo, julguei que seria válido percorrer os cerca de 630 metros que me separava da Cachoeira do Neném, onde permaneci por cerca de quinze minutos.

    Depois de uma caminhada no calor, um banho refrescante seria ideal. Mas ficou para a próxima...

    Na saída, comentei com o educado funcionário do parque que eu não tinha visto ninguém na casa do Sr. Joaquim Moacir. Ele me respondeu que o Sr. Joaquim havia falecido recentemente e o filho aceitou a desapropriação do local por estar dentro dos limites do parque. Ele havia recebido terras vizinhas ao parque.

    Desbravada mais uma até então inédita montanha, retornei ao Serro para uma discreta e solitária comemoração. Com o queijo, mas também com uma ótima cerveja artesanal!

    E, para terminar, eis mais uma citação histórica, agora dada pelo explorador dos quatro cantos do mundo, Richard Burton, em “Viagem aos Planaltos do Brazil - tomo II” (1869):

    “Subimos então para o terreiro e topamos com a estrada real que leva à capital da província via Serro, agora cidade do Príncipe, distante dez léguas. Diante de nós erguia-se o grande pico do Itambé, que se diz estar a 6.000 pés acima do nível do mar. Sua cumeeira estava coberta de nuvens, sempre semelhantes, mas nunca as mesmas na forma, e os flancos revestidos de grama forte e florestas ameaçadoras.”

    Marcelo Lemos
    Marcelo Lemos

    Published on 09/23/2022 15:17

    Performed on 08/11/2022

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    4 Comments
    Fabio Fliess 09/25/2022 06:55

    Parabéns amigaço. Mais uma linda montanha no currículo. E o relato excelente como sempre!!!

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    Marcelo Lemos 09/26/2022 22:22

    Obrigado amigaço. Grande abraço.

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    André Jean Deberdt 11/05/2022 08:12

    Parabéns Marcelo! Mais um texto primorosamente escrito e rico em citações e detalhes. Uma excelente leitura!

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    Marcelo Lemos 02/26/2023 19:12

    André, boa noite. Antes de mais nada, peço desculpas pela demora na resposta. Não tenho recebido notificações pelo aplicativo sobre comentários de pessoas aos meus textos. Então,  tenho que ficar acessando-os vez ou outra. Muito obrigado pelo comentário.   

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