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Marcelo Lemos 19/12/2020 20:46
    Pico da Bandeira

    Pico da Bandeira

    Meu retorno solo a este lugar especial após nove anos de ausência.

    Montanhismo Acampamento Trekking

    Estreio aqui no Aventure Box com um relato do aniversário de um ano de minha passagem no Parque Nacional do Caparaó e após ser incluído em um dos relatos do meu grande amigo Fábio Fliess, a quem agradeço, e que serviu de incentivo.

    Desde minha primeira visita ao Caparaó em 1997, senti uma paz muito grande ao percorrer vales e cumes naquela serra, além de apreciar a hospitalidade dos habitantes da cidade de Alto Caparaó. Exceto por uma ocasião em 2004, quando subi pelo lado capixaba, todas as demais foram pelo lado mineiro, passando por esta cidade.

    Mas a ocasião aqui relatada teve um objetivo especial: procurar introspecção, concentração e preparação física para um desafio maior que me aguardava no final da mesma semana que se iniciava: uma ascensão ao Monte Kenya, segunda montanha mais elevada da África. Como eu incluiria escalada aos seus dois principais picos a mais de 5.000 metros de altitude, sabia que o preparo físico deveria estar excelente.

    Eu já havia tentado a reserva do camping Terreirão por umas três ocasiões sem sucesso. Como a política (ao menos antes da pandemia) era realizar o pedido pela internet sempre no dia primeiro do mês pretendido ou para o mês seguinte, logo reconheci após o primeiro insucesso que você tem que preencher o formulário e ficar esperando dar zero hora do dia primeiro para enviar o pedido. Mas isso não é tudo. No segundo insucesso, enviado aproximadamente aos trinta segundos da zero hora do dia primeiro, também não consegui ao ver o relatório de pedidos dias depois. Todos os pedidos deferidos haviam sido enviados nos primeiros segundos do dia primeiro. Então entendi que as pessoas ficavam aguardando o sinal verde da zero hora para dar a largada. Para o mês de dezembro, decidi preparar o formulário enquanto consultava um site na internet que mostrava o tempo mundial sincronizado ao relógio atômico (apesar do que conta, na verdade, é o horário da rede. Foi apenas para me certificar se havia muita defasagem. Há poucos segundos).

    Aproximadamente cinco segundos após a zero hora do dia primeiro de novembro, enviei o formulário. Dias depois eu recebia a confirmação para as datas entre 14 e 17 de dezembro. É cada política... Mas foi melhor assim, pois poderia aproveitar o ambiente de montanha dias antes da viagem para a África.

    Parti para o Caparaó na manhã do sábado, dia 14 de dezembro de 2019. A época do ano não era muito propícia devido às chuvas repentinas que normalmente se formam, frequentemente acompanhadas por descargas atmosféricas. Mas a previsão do tempo ao menos indicava tempo bom, apesar de contar com equipamentos para a chuva.

    Aproveitei para almoçar na cidade, pois decidi ser prático enquanto estivesse na montanha. Só levei sanduíches, chocolates, biscoitos e algumas frutas comigo. Não quis levar fogareiro. Na verdade, também estava controlando o peso, pois deveria escalar leve no Monte Kenya (se já não bastasse o peso dos equipamentos metálicos de escalada).

    Durante os procedimentos de registro de visitante na portaria do parque, para minha surpresa, o funcionário me disse que não havia mais ninguém com reserva para o Terreirão (Caramba! Relógio atômico, envio de formulário no primeiro piscar de olhos do dia primeiro... tudo em vão). Talvez pela semana que antecedeu minha chegada ter apresentado tempo instável e pela época do ano, a totalidade das pessoas, exceto uma, tivesse desistido. Acredito também que parte das pessoas seriam guias que não conseguiram clientes para a época e não utilizaram as datas reservadas.

    Deixei o carro estacionado na Tronqueira, o acampamento mais baixo, e comecei a subida até o Terreirão por volta de uma e meia da tarde. Para mim, aquele caminho se torna muito prazeroso quando passo a escutar o som das águas do Rio José Pedro, que nos acompanha boa parte do caminho.

    Para quem nunca subiu por este caminho, é impossível errá-lo. Bem marcado, com setas amarelas pintadas em rochas, e bem aberto. Em dias claros, é possível avistar o cume do Pico da Bandeira assim que se começa a tangenciar o rio na subida. Alguns trechos estavam isolados devido a assoreamento. São aproximadamente 3,8 km (informações mais antigas referem-se a 4,5 km – não uso GPS ou aplicativo – o leitor que tem informações mais precisas pode ficar a vontade nos comentários para detalhar a distância).

    Alcancei o Terreirão em aproximadamente duas horas e dez minutos de caminhada, contando com pequenas paradas para beber água diretamente no Rio José Pedro e para fotografar a vegetação (os tempos estão sendo estimados pelo horário dos arquivos das fotos).

    Incrível sentir o Terreirão como minha casa após nove anos desaparecido do local. Tudo à minha disposição. Fazia um belo entardecer, com algumas nuvens baixas que me fizeram não procurar um local afastado a uns 15 minutos dali para ver o pôr do sol. Naquele local, você tem a sensação de que está no centro de um anfiteatro, cercado pelos Morros da Cruz do Negro, Picos da Bandeira e Cristal. O pequeno ângulo do campo visual livre de montanhas em que a paisagem se abre com visões mais distantes é justamente para o poente. É um momento incrível.

    Mas eu ainda tinha que me preparar o pernoite. Então, realmente decidi ficar. Minha dúvida era montar a barraca no camping repleto de espaço? Montá-la no local abrigado próximo aos banheiros e pias com água? Usar a Casa de Pedra? Um fator que sempre me deixou preocupado ali foram os quatis. Por estar há tanto tempo sem aparecer, não sabia se estes larápios estariam à espreita para rasgar a barraca como em outras ocasiões em que ali acampei à procura de comida. Não a minha, a de outras pessoas que deixaram restos de comida em seu interior e os atraíram para o saque. Então, decidi por um híbrido. Usaria a Casa de Pedra, mas ainda assim montaria minha barraca no seu interior, pois a casa não é totalmente isolada e eu poderia ser incomodado por insetos durante a madrugada.

    Foi uma experiência inédita, ter a casa e poder ouvir os sons da noite assim que ela chegou. Dormi intermitentemente, como normalmente acontece comigo, ainda mais quando se deita muito cedo. Nesta sucessão de dorme-acorda, a noite passou tranquila.

    O amanhecer do dia 15 revelou um ótimo dia, com temperaturas amenas para o mês de dezembro, o que indicava estabilidade no tempo. Logo preparei meu “café” e a mochila de ataque. Este mesmo isolamento me fez com que não confiasse totalmente em deixar minha barraca e minhas coisas em seu interior enquanto estivesse fora. Desmontei-a, arrumei meu mochilão e escolhi um local afastado para deixá-la escondida. Marquei bem a paisagem com algumas referências para o caso de ainda poder localizá-la à noite. Deixei-a com a confiança de que o plano era o melhor, envolta pela capa de chuva, com todos os alimentos bem fechados para que nenhum animal a saqueasse. Afastei-me e observei a paisagem onde ela estava. Perfeito!

    Planejei um longo dia de caminhada até o Pico do Cristal, passando primeiro pelo Bandeira e Calçado. Pense em um lugar que dá prazer caminhar. Este lugar está nesta etapa. O Caparaó é cercado por lendas, estórias e história. O ouro enterrado dos jesuítas; as águas marinhas na, e a disputa pela, Casa Queimada no lado capixaba e a invasão de ciganos; a vida dos primeiros camponeses na serra, principalmente o Dutrão; a cruz do negro; a lenda da mulher de pedra; os índios botocudos sendo dizimados, sendo que estes mesmos índios foram responsáveis pelo isolamento da serra enquanto se acreditava que outras montanhas seriam, cada qual em seu momento, as mais altas no Brasil no século XIX (os Picos da Neblina e 31 de Março só seriam mensurados na última década de 60). Todos estes ingredientes fazem com que o Caparaó seja cercado de misticismo e isto acaba de irradiando ao se percorrer seus caminhos.

    Neste clima, além da liberdade e paz, atingi o cume do Pico da Bandeira pela décima vez em duas horas e quinze minutos após a saída do Terreirão. Poder contemplar aquela vista é uma dádiva e não há como não se reverenciar o Criador pela vida e oportunidades.

    Vejo muitas referências sobre o nascer do sol no Pico da Bandeira. Entretanto, o pôr do sol ali é espetacular e não tão sacrificante como ter que se acordar na madrugada gelada para o nascer. À tarde é comum formar-se uma camada de nuvens no horizonte que atua como se o sol estivesse se pondo em um oceano, com a diferença que as nuvens provocam um espalhamento da luz solar e costumam provocar efeitos impressionantes nas fotos.

    Mas minha grande meta era o Cristal e para ele parti. Logo após descer a parte mais íngreme do Bandeira para acessar o Calçado na sequência, passei por um grupo de três pessoas que subiam pelo lado capixaba. Caminhar para o lado do Cristal exige maior orientação em função de terreno mais acidentado, principalmente se o tempo entá encoberto. Felizmente não era o caso. Há várias lajes de pedra com tótens muito espalhados. Conforme se aproxima do Cristal, aumenta-se sua beleza. Sua conformação o torna uma das montanhas rochosas mais belas que conheço.

    Foi a quarta vez em que estive no cume do Cristal e a primeira em que pude observar a cidade de Alto Caparaó, cerca de 1.700 metros abaixo. No retorno, não voltei para ver o pôr do sol no Pico da Bandeira, pois eu iria aguardar muito tempo e tinha que remontar a barraca. Talvez teria vizinhos desta vez e teria ainda que procurar outro local para acampar.

    Ao chegar, constatei que não era o caso. Resgatei meu mochilão, intacto. Tomei um bom banho gelado aproveitando os últimos raios de sol para iluminação e aquecimento após o banho. Quatro jovens mulheres passaram descendo. Será que elas me viram como um homem das cavernas ali sozinho?

    Barraca montada no interior da Casa de Pedra, passei mais uma noite confortável e, ao amanhecer, repeti o ritual do dia anterior. Meu plano seria retornar para casa no dia seguinte descendo direto do Terreirão. Mas havia uma apresentação de teatro da minha filha à noite. Acreditei que ficaria muito corrido. Então, decidi que não utilizaria o último pernoite reservado e desceria neste mesmo dia após o cume do Bandeira e buscaria uma pousada em Alto Caparaó para pernoite. Isto já me economizaria umas quatro horas no meu retorno para Petrópolis.

    Quando eu estava preparado para sair para o Pico da Bandeira (não iria repetir o Cristal), chegou um grupo de quatro pessoas ao Terreirão. Na verdade eram duas duplas que se conheceram na portaria e uma delas deu carona para a outra até a subida da Tronqueira. (Que baita carona!)

    Conversamos por alguns minutos e eles saíram na frente, pois eu ainda tinha o ritual da camuflagem do mochilão para fazer. Neste dia, eu estava querendo ver se a aclimatação dos dias anteriores tinha me deixado melhor preparado. Em aproximadamente uma hora e quarenta minutos, lá estava eu novamente no cume. Aproveitei para fazer uns vídeos e, alguns minutos depois, o grupo chegou. Ainda tenho contato com um deles até hoje, o seu Geraldo, um senhor que mora em Orizânia, próximo à BR-116, distante a uns 100 km do Caparaó. Seu amigo também é da região. Os demais eram um paranaense e um capixaba. Conversa sobre montanhas vai-conversa vem, acabei ainda por fazer negócios vendendo dois livros!!! Claro que para montanhista, e ainda mais na montanha, tem desconto!

    Enfim, era hora de descer e se despedir do Caparaó. Desci com o grupo. Resgatei meu mochilão e continuamos a descida até a Tronqueira. Após a despedida, desci os metros finais de carro até a portaria, quando então informei que estava dispensando o próximo pernoite. Em Alto Caparaó encontrei uma pousada para descanso e retorno no dia seguinte. Na mente e no corpo, eu sabia que aquela preparação havia me deixado renovado e confiante para a empreitada no Monte Kenya que se iniciaria quatro dias depois (iniciarei as postagens no Instagram sobre o Monte Kenya a partir do dia 21/12, quando completará um ano da minha viagem - marcelo_lemos_13).

    Marcelo Lemos
    Marcelo Lemos

    Publicado em 19/12/2020 20:46

    Realizada de 14/12/2019 até 16/12/2019

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    2 Comentários
    Fabio Fliess 19/12/2020 21:27

    Fala amigaço. Show de relato. Obrigado por compartilhar!!! Bem-vindo! Abração.

    Marcelo Lemos 19/12/2020 21:39

    Obrigado, amigaço. Abração.

    Marcelo Lemos

    Marcelo Lemos

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