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Orlando Ferrer 18/05/2019 00:16
    Bivaque no pico do Marinzinho

    Bivaque no pico do Marinzinho

    Trilha solo com pernoite no pico do Marinzinho e breve relato da minha experiência com saco de bivaque e tarp para montanhismo. (ago 2018)

    Trekking Montanhismo

    Em agosto de 2018 retornei a Marmelópolis e à região dos Marins para mais aventuras. Como sempre quando vou para lá, acampei na pousada do amigo Djalma, junto à trilha do Marinzinho.

    Nessa época comecei a levar a sério a idéia de fazer trekking solo, e como sou relativamente pequeno (peso 59kg) e tenho uma certa idade (50 chegou, rs) comecei a pensar num equipamento mais leve para poder fazer as trilhas sem afetar minha saúde. Influenciado pela tendência ultralight que predomina no trekking atualmente, vislumbrei a possibilidade de poder trilhar e pernoitar na montanha sem ter que me martirizar com cargueiras de 20kg ou mais.

    Meu objetivo era uma mochila de inverno com um peso máximo de 8kg (peso básico, sem contar a água e a comida). Então comecei a pesquisar os equipamento ultralight que hoje estão disponíveis no mercado.

    Tenho uma barraca Minipack da Azteq (2,1 kg), mas queria algo em torno de 1kg, que coubesse numa mochila de 40l, que também seria bem mais leve que as cargueiras usuais de 80l.

    Pesquisando, decidi que a solução seria o bivaque. Li diversos relatos gringos e me fascinei com a ideia de dormir sem a cápsula protetora da barraca, aberto para as estrelas. Sem dúvida o bivaque é um modo de dormir mais aventureiro, que deixa a gente cara a cara com a natureza (e com seus problemas, é bem verdade, hehe).

    Por sorte, encontrei no Mercado Livre um saco de bivaque da Millet de 450g, novo e com preço razoável. É um saco para escaladas alpinas feito de dryedge, um material semelhante ao goretex, impermeável, respirável e leve. Para completar o kit de bivaque eu precisava de um tarp (toldo) para me proteger da chuva na cara e do vento. Decidi por um poncho tarp da Sea to Summit (380g), compondo, com um saco de dormir Deuter Orbit -5, um sistema de bivaque adequado para a serra da Mantiqueira no inverno. Tudo acomodado numa mochila Quechua Arpenaz 40 (1kg). Assim, minha mochila básica (sem água e comida) para 1 pernoite no pico teria mais ou menos 6kg (!), contando todos os equipamentos, sem abrir mão dos ítens de segurança, como estojo de primeiros socorros e roupas extras para o frio da montanha.

    Antes de subir, no entanto, seria preciso testar esse equipamento. Para isso, dormi uma noite em bivaque no próprio acampamento.

    Como estava no final de agosto, a temperatura não caiu mais que 5c e acabei passando um pouco de calor no Deuter -5. Uma palavrinha sobre esse saco da Deuter: a graduação climática escrita nos sacos de dormir deles é precisa, e se está escrito conforto de 0 a -5c, pode ter certeza que vai passar calor acima de 5c. O saco de bivaque também dá um ganho de temperatura de alguns graus, incrementando a capacidade do saco de dormir. Por isso, não recomendo a utilização de saco de bivaque para locais quentes, acima de 20c fica inviável.

    Para dormir num saco de bivaque é importante que ele seja respirável, de goretex ou outros tecidos semelhantes. Além disso, é fundamental deixar uma parte dele aberta, senão a condensação da transpiração e da respiração deixa o interior molhado. Fiz uma adaptação no Millet para poder criar uma "boca" para ventilação (veja na foto acima). Utilizei uma fita de velcro que prendi no fecho de velcro do próprio saco de bivaque, criando uma alça na qual prendi um elástico. Assim, além do saco não ficar batendo no meu rosto, cria-se uma saída para o vapor d'água. Em campo, o elástico pode ser amarrado a bastões de caminhada ou num galho. Além disso ele possui um orifício de ventilação próximo dos pés que pode ser aberto ou fechado.

    Realizei outros testes antes de partir para um bivaque de montanha. Fiz uma trilha de um dia com pernoite acima da pousada, no bairro rural dos Ramos, bivacando perto da mata que margeia a trilha do Marinzinho, a mais ou menos 1500m de altitude. Depois falo mais sobre essa experiência, que foi muito legal. Nesse caso utilizei um saco de bivaque do exército britânico que adquiri pela Ebay. Evito levar este saco para trilhas mais longas por causa do peso (1kg), mas ele é bem quente e confortável, respirável e bem espaçoso, ideal para pousar em varandas e campings quando estou viajando de carro.

    Abaixo a configuração desse bivaque.

    Já fazia um tempo que eu brincava com meus tarps, levantando eles em diversas configurações e treinando os nós. É imprescindível conhecer e praticar alguns nós adequados e aprender a prever a direção do vento para montar o tarp na melhor posição e configuração. Como cordame recomendo paracord, que é fácil de adquirir e mais do que resistente para a tarefa.

    Nas fotos acima, observe como o lugar onde me instalei é pequeno. Seria impraticável montar uma barraca ali, mas com o saco de bivaque foi possível me acomodar do lado de uma rocha e dormir bem. Por essa razão o saco de bivaque é ideal para trilhas e escaladas onde não é possível acampar, você pode se instalar em qualquer fenda na montanha e ter uma boa noite de sono. Quanto aos insetos, não ligo muito, mas quando vou bivacar em lugares onde há maior incidência de aranhas, cobras e taturanas (como a Serra da Canastra, por exemplo) coloco o saco de bivaque num mosquiteiro para rede. Utilizo um Bug stop da Campa, que adaptei para esse fim, costurando na parte superior duas alças onde fixo elásticos. Monto ele invertido, como exemplifica a foto abaixo, de meu bivaque no camping do seu Zezico na Canastra.

    Voltando à minha experiência de bivaque no vale dos Ramos, mais uma vez passei um pouco de calor com o setup que estava testando (inconveniente que, como veremos, se transformou em vantagem no pico). Nesse caso, nem levei estacas, improvisei com pedaços de madeira e utilizei os bastões de caminhada para levantar o tarp.

    É muito importante que se conheça bem e se teste todo o equipamento antes de subir a montanha, sobretudo em trekking solo, onde não há ninguém para ajudar. O fato de eu já saber montar o tarp e ter bivacado com ele em lugares ermos foi fundamental lá em cima.

    Tendo testado o equipamento, toca fazer a trilha. O plano era fazer uma meia travessia: subir o pico do Marinzinho, prosseguir até a encosta do pico dos Marins e bivacar ali. No dia seguinte, subir o pico do Marins, descer e tomar a trilha do morto do Careca, alcançando o acampamento base do Marins onde seria resgatado pelo Djalma no fim da tarde.

    Tendo preparado a mochila na véspera, amanheceu um dia de sol e de céu aberto, como era previsto. Peguei uma carona com o Djalma até o mirante do vagalume, o começo da trilha do Marinzinho/Pedra Montada, que fica a 1,3km da pousada, me poupando da subida pesada pela estrada de terra.

    Aí cometi um primeiro erro, esqueci os bastões de caminhada no carro. Mesmo sabendo que lá no pico não havia madeira, pensei seria possível improvisar com bambuzinhos para levantar o tarp. Paciência, o importante é resover os problemas quando aparecem.

    Depois de me abastecer no último ponto de água e passar a Pedra Montada, cheguei ao Mirante de S. Pedro (2135m).

    Desse ponto em diante a trilha começa a ficar mais acentuada (confira nesse meu outro post mais detalhes sobre a subida ao Marinzinho). Depois do mirante, ultrapassada uma elevação, surge adiante o pico.

    Me aproximei e fiz essa foto antes do ataque final.

    Eu realmente não gosto de fazer as coisas com pressa quando estou trilhando, e se for preciso percorro pequenas distâncias por hora, parando sempre que quero fotografar e e contemplar as paisagens. Também gosto de poder mudar de trajeto quando acho interessante (liberdades que são maiores no trekking solo).

    No declive de terreno que antecede a subida ao pico existem muitos líquens e bromélias interessantes. Esta aqui era gigante (cerca de 2m) e estava no momento raro da floração que antecede a morte para o nascimento de outras.

    Os lírios da Mantiqueira florescem em agosto-setembro e são um espetáculo à parte, sempre em duplas ou trios, com seus caules grossos, resistentes aos ventos e tempestades da montanha.

    Então, finalmente cheguei no pico. Fiz um lanche e curti o visial por algum tempo.

    Na foto abaixo, o pico do Itaguaré.

    Agora o Itaguaré sem minha cara feia:

    O pico dos Marins visto do Marinzinho:

    Depois de descansar um pouco, tomei o caminho do Marins, descendo pelo sudoeste. Essa trilha margeia uma piramba de onde se vê o Vale do Paraíba e a mata virgem na vertente sul do Marins/Marinzinho.

    Abaixo, as duas cidades são Cruzeiro e Cachoeira Paulista.

    Prosseguindo rumo ao Marins, logo depois de deixar o Marinzinho subi uma colina, virei errado à direita, desci e quando percebi já não estava na trilha certa. Apesar de ter feito em 2017 a travessia Marinzinho-Marins com guia, não me lembrava direito dessa passagem, e como não há marcas nas rochas nem totens nesse ponto, acabei descendo por uma trilha errada. Eu estava com um gps por satélite, mas mesmo assim, a trilha é tão estreita nesse ponto que uma variação de poucos metros, normal no gps, me colocou fora do rumo.

    Me vi num labirinto de grotas espinhosas e fendas e percebi que eu estava perdido. Apesar de ver o Marinzinho a uns 300m dali, não sabia como retornar. Nesses casos, o importante é manter a calma. Como estava com o saco de bivaque, eu poderia me abrigar em qualquer fenda e dormir até o dia seguinte, e então só teria que aguardar o resgate do Denes, que era meu apoio na base (algo de fundamental importância no trekking solo). A bom é que o celular pega super bem na região do Marins, então falamos por whatsapp e enviei uma foto de onde estava. O Denes conhece cada rocha dali, e me orientou a subir um paredão ao sul que me levaria de volta à trilha. Amarrei a mochila com paracord, deixei ela no chão para ficar leve e escalei a parede de rocha. Chegando no alto, icei a cargueira e me vi de novo na trilha.

    Nessa altura dos acontecimentos percebi que não seria bom continuar no mesmo dia, porque poderia me perder de novo. Eu havia me cansado procurando o caminho no sol forte, e já eram mais de 16:00hs. Decidi que era melhor deixar a trilha para o dia seguinte e começar a me preparar para a noite.

    Retornei pela trilha em direção ao Marinzinho e reencontrei a área de acampamento por onde havia passado antes.

    Precisava encontrar varetas para levantar o tarp e para fazer os espeques. Já estava comecando um vento nordeste meio forte e eu precisava erguer o abrigo. Andando por ali, a única coisa disponível eram bambuzinhos, aquelas taquaras que arranham a gente e maltratam o equipamento nas trilhas. Foi a primeira vez que fiquei feliz ao ver os benditos.

    Depois de rodar um pouco, decidi por dois bambuzinhos mirrados. Eles não inspiravam muita confiança, mas era o que eu tinha pra levantar o tarp. Antes de voltar para a área de bivaque, fiquei apreciando os detalhes da montanha e a paisagem. Encontrei mais líquens e tirei algumas fotos:

    Retornei então e comecei a montagem do abrigo. Aparei dois bambuzinhos e estiquei o tarp com paracord. Todo o processo, da busca do material à montagem me tomou mais ou menos uma hora e meia (incluindo as paradas para fotos e contemplação, rs). Seria mais rápido se eu não tivesse esquecido os bastões de caminhada no carro, mas tudo bem, porque gosto de resolver esses pepinos em campo - a gente sempre aprende alguma coisa.

    (A foto acima é do dia seguinte, quando já estava levantando acampamento. O saco de dormir e o saco de bivaque estão virados ao contrário nas fotos, porque eu já tinha começado a guardar quando lembrei de fotografar o setup).

    Quando anoiteceu comi um sanduba de parmesão com salame e umas castanhas, apreciando a noite estrelada da montanha.

    Exausto, fui dormir bem cedo. Apaguei mesmo, e estava dormindo super bem quando acordei lá pela meia noite com um vento nordeste fortissimo, acompanhado por um chuvisco de cerração e nuvens pesadas que passavam rapidamente por uma lua quase cheia que eu podia ver pela abertura do saco de bivaque. Os sons do vento batendo no capim elefante e passando pelas fendas rochosas eram assustadores, assobiavam como um órgão e davam a impressão de que eu estava num barco numa tempestade em alto mar. Era o poder da montanha se manifestando. Só me restava apreciar.

    Os colegas montanhistas sabem como é nervoso esse vento de montanha. Do meu casulo no saco de bivaque eu via o tarp batendo forte nas sacolas onde estava meu equipamento, então percebi a força incrível dos bambuzinhos, que vergavam mas não quebravam. Gelei de pensar no desastre que seria se cedessem. Estava cerca de 0c ali, e exposto ao vento certamente a sensação térmica seria de pelo menos -15c. Eu sentia um pouco de frio nas pernas por causa do vento que rebatia, mas vesti uma segunda pele e uma meia de lã que resolveram. De resto, a combinação do tarp Sun to Summit com o saco Millet e o Deuter -5 foi imbatível. Então percebi como foi bom ter "exagerado" no saco de dormir, porque o mesmo setup que fez eu passar calor na base me deu uma noite agradável de sono no pico, e nem precisei vestir mais agasalhos. Ainda meio desconfiado, torci para o abrigo resistir a noite inteira e adormeci de novo, olhando de vez em quando as nuvens passando por aquela lua de filme de lobisomem.

    De madrugada acordei com um animal, provalelmente um rato do mato, mexendo na minha sacola de comida. Como sempre, havia embrulhado bem e deixado o saco com os alimentos a uma boa distância do local do bivaque, preso a uma pedra, para evitar ser incomodado por animais à noite. Paciência. Dormi de novo.

    No dia seguinte de manhã, quando coloquei a cara para fora do saco percebi que o vento continuava forte e uma cerração fechada cobria a serra, inviabilizando meus planos de prosseguir até o pico dos Marins.

    O mais racional seria retomar o caminho do Marinzinho e descer.

    Mas estava feliz, porque o tarp e os bambuzinhos resistiram bravamente ao vento, não soltou uma só estaca, e dormi super bem, coroando minha decisão de utilizar o bivaque dali em diante nas minhas aventuras nas montanhas.

    Estava na hora de seguir. No meio daquele vento infernal, vesti uma calça impermeável sobre a outra, e tomei um desjejum de leite em pó com granola, aveia e castanhas (por sorte, meu visitante noturno não conseguiu rasgar o saco e chegar na comida). Então comecei a levantar o acampamento.

    A trilha que retorna dali para o Marinzinho é fácil, e mesmo com a neblina não há como se perder. Um vento ainda mais forte castigava o pico. Antes do Marinzinho, passei por uma passagem nas rochas que concentrava um fluxo fortíssimo de ar que vinha do Vale do Paraiba para o sul de Minas. Ali, para minha surpresa, onde o vento quase me derrubava, havia nascido um lírio da serra. Fiquei impressionados com a força simbólica daquela imagem - a flor que se verga mas não cede à força da tormenta.

    Passei rapidamente pelo pico do Marinzinho e comecei a descida. Estava mais perigoso, porque as pedras estavam molhadas e escorregadias, mas depois de descer uns 500m o tempo mudou completamente e a tormenta ficou para trás. O pico estava coberto de nuvens, mas abaixo estava aberto e tranquilo.

    De volta para o mirante do vagalume, feliz por ter concluído mais uma aventura na Mantiqueira:

    Dali para diante foi um passeio até a pousada do Djalma, onde me esperava um banho quente uma janta mineira o preparado pela Keila, a esposa do guia Denes.

    Se valeu? Claro! Eu podia ter prosseguido mesmo com a chuva e a cerração. Para minha surpresa, no final da tarde o tempo abriu no pico, como pude ver da pousada. Mas no montanhismo, tão importante quanto seguir é saber parar e voltar. O tempo podia ter piorado e eu podia ter me perdido feio na névoa. Não podemos dar chance ao "azar".

    O bom é que eu comprovei que meu sistema de bivaque resistia às condições rigorosas da Mantiqueira. Mesmo se tivesse caído mais água e esfriado mais eu ainda ficaria bem. Na próxima temporada pretendo completar essa meia travessia bivacando no Marins, utilizando a experiência como ponto de partida para projetos maiores.

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    Orlando Ferrer
    Orlando Ferrer

    Publicado em 18/05/2019 00:16

    Realizada de 25/08/2018 até 26/08/2018

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    1 Comentários
    Robram 12/01/2020 21:48

    Gostei do equipo de bivak, minha duvida era justamente o mosquiteiro. Mas gostei da narrativa. Valeu por compartilhar

    Orlando Ferrer

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    Rox
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    Montanhismo, trekking, bushcraft

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