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Orlando Ferrer 20/05/2019 02:02
    Maromba até o alto da Serra Negra (trilha dos tropeiros)

    Maromba até o alto da Serra Negra (trilha dos tropeiros)

    Trilha solo saindo de Maromba com bivaque no alto da Serra Negra. (set 2018)

    Trekking Montanhismo

    Há anos eu vou para Visconde de Mauá, e sempre tive curiosidade a respeito da trilha de Serra Negra. Sei que é uma trilha antiga da época colonial ainda usada pelos tropeiros de Itamonte para vender o queijo e o mel produzido na Serra Negra para os comércios e pousadas de Visconde de Mauá, Maromba e Maringá. Sempre que estava lá em Mauá eu via esse pessoal com tropas de mulas e balaios de mercadoria num estilo da época colonial, e isso fazia minha imaginação voar a respeito dos caminhos que seguiam.

    Em 2018 parti para Mauá decidido finalmente a explorar os lados da Serra Negra, dos quais não conhecia nada ainda. Me hospedei numa cabana perto da cachoeira do Escorrega que um velho amigo de São Paulo que mora ali perto aluga para turistas. Essa cabana fica numa colina entre a Maromba e o Escorrega e tem uma vista privilegiada - dali é possível ver tanto o morro do Mata Cavalo quanto a Pedra Montada.

    Gosto muito dessa cabana, é simples e me sinto num abrigo de montanha. Espero que meu amigo não tenha reformado, rs.

    Pois bem, eu estava com um tracklog da trilha Maromba-Alsene que segue pelo Parque Nacional de Itatiaia, mas pretendia usar ele somente como referêcia para chegar até bairro de Serra Negra, pousar e voltar.

    Como já era setembro, as chuvas estavam chegando, e havia previsão de uma tempestade para o dia seguinte no final da tarde. Mas como eu tinha que voltar logo, resolvi arriscar e subir assim mesmo.

    No dia seguinte de manhã meu amigo me deu uma carona até um sítio perto do Escorrega, de onde é possível cortar caminho e acessar a trilha que começa um pouco abaixo, no centro da Maromba. Conversamos com a dona do sítio, que é muito gente fina ela me deu diversas dicas sobre o trajeto.

    Saindo de uma porteirinha no sítio, a trilha sobe de modo acentuado num bosque de pinheiros, passando por uma bica d´água, onde recomendo que se pegue pelo menos 1 litro para a subida, porque só vai ter água bem adiante, depois da parte mais dura da subida.

    Prosseguindo um pouco depois da bica a trilha fica plana e aparece uma porteira com uma bifurcação. É a trilha principal que vem da Maromba, e o caminho segue à esquerda. Prossegui por uma crista de morro com mata fechada dos dois lados e uma bela vista de montanhas cobertas por mata atlântica.

    A trilha foi seguindo bem batida pelo tráfego das tropas de mulas, e é bem interessante como ela afunda por mais de quatro metros na terra em alguns lugares. Não parece ser somente erosão de chuva, mas das tropas, no caso, uma erosão que deve ter se formado por mais de 150 anos. É um lugar espiritualmente forte, onde crescem muitas samambaias e líquens e tem um cheiro bom de mato molhado.

    A subida é puxada, e não recomendo para quem estiver fora de forma. Num determinado ponto dei com um dos maiores cupinzeiros que já vi na vida.

    Prosseguindo - sempre pra cima -, no intervalo entre as matas surge um descampado que parece ser um local utilizado há bastante tempo para parada de descanso das tropas. É ótimo mesmo para dar uma descansada.

    Ao fundo já é possível ver o pico da Pedra Selada no horizonte, além de outras partes da serra que não sei dizer o nome (se alguém souber, agradeço).

    Pelo visto, uma das mulas não aguentou a subida e ficou por lá mesmo.

    Num certo momento a trilha entra em uma mata virgem bem densa, de onde sai eventualmente para entrar de novo em mais uma ou duas matas.

    Cheguei então num descampado cercado por matas de árvores menores mescladas com capim (campos de altitude). Nesse ponto alcancei a parte mais alta da trilha, com o gps marcando cerca de 2100m.

    Passando essa etapa, cheguei a um lugar onde vi um capão de mata à direita e um morro à esquerda. A sitiante havia me avisado sobre esse lugar, onde é fácil se perder. O segredo é não subir no morrinho, mas entrar na mata. De longe parece que não tem trilha na mata, mas que a trilha segue bordejando ela pela esquerda. Está errado. A trilha entra na mata, e logo que passei percebi que a trilha se alargava e o chão estava bem marcafo pelas mulas.

    Eu demorei pra perceber isso, e antes peguei o csminho errado. O tracklog Maromba-Alsene me jogou para a trilha entre o capão e o morro, sinalizando que havia uma bica d'água na borda da mata. Eu segui para lá e não encontrei a água, (que já estava fazendo falta), e a trilha afinou, virou caminho de cavalo. Depois de andar um pouco, percebi que estava no caminho errado e dei meia volta.

    A imagem abaixo foi feita quando eu retornava para tentar reencontrar a trilha certa. Contornando a mata à esquerda, encontrei a entrada. Como disse, na mata é uma trilha larga, bem batida.

    Caminhando um pouco na mata, comecei a ouvir o som de água. Para minha felicidade era a bica que o gps assinalava. O erro é que o gps situava ela uns 30m acima. O local é ótimo para descansar e até dá para pousar, porque é uma clareira na mata formada por outro ponto de parada dos tropeiros.

    Tendo enchido minhas garrafas pet com uns 2 litros d'água, me refresquei um pouco e prossegui.

    Nesse ponto da trilha a mata termina e a vegetação se torna mirrada, semelhante ao serrado, e é entremeada por pastos meio abandonados.

    A trilha vai contornando ou entrando em grotas como essa da foto acima. De repente abre para um pasto em uso onde haviam alguns garrotes meio abusados que vieram chegando e eu tive que espantar. Ali há um mangueiro em ruínas e uma placa de madeira apontando para Fragária à direita e Serra Negra à esquerda. Bonito lugar.

    Depois de passar entre os dois capões de mato a trilha chega numa cerca de arame e bifurca para os dois lados, Uns metros adiante se descortina a vista do vale do Aiuruoca. Dali é possível divisar uma estrada de chão e algumas casinhas que imagino serem pousadas e sedes de fazendas. A casa no final da estrada deve ser a pousada Serra Negra, de acordo com mapas que pesquisei depois.

    Eram umas 4:00 hs, e eu cogitei descer e tentar chegar à Serra Negra antes de anoitecer, mas o céu já estava escurecendo e de repente começou a trovejar.

    A última coisa que queria era pegar uma chuva de raios na encosta da montanha. Além disso, eu não tinha certeza se a trilha que eu tinha marcado no gps, que era para a antiga pousada do Alsene, iria me levar para a Serra Negra. Se eu tivesse tempo, tudo bem, mas na chuva e com pouco tempo não era bom arriscar.

    Perdi mais algum tempo explorando a trilha adiante e pensando no que iria fazer, e quando dei por mim já eram umas 5:00hs e começou a pingar.

    Com a chuva começando, tive que tomar uma decisão rápida. Certamente o pior lugar para ficar na chuva era aquele pasto perto da placa de Serra Negra e Fragária. Logo adiante haviam os dois capões de mato, então resolvi que um deles seria o melhor lugar para montar meu bivaque e me proteger.

    Chegando na mata da direita, percebi que era aberta e tinha pouca vegetação rasteira, o que me facilitava as coisas. Com a chuva caindo, montei o bivaque rapidamente, estendendo uma linha mestra entre duas árvores, esticando o tarp com dois bastões de caminhada e com espeques improvisados com gravetos.

    Foi bem na hora, porque em seguida despencou o maior temporal. Foi meio difícil me trocar no espaço limitado do tarp, mas tudo bem. Enfiei o equipamento e as roupas em sacos de lixo e me acomodei dentro do saco de bivaque.

    Nessa altura já estava escuro. Fiz uma refeição de castanhas com leite em pó, pão, whey e granola. Enquanto comia e me aprontava, minha lanterna atraiu uma variedade incrível de insetos, mas eu estava tão cansado que não liguei a mínima. A vantagem dos insetos de montanha é que raramente picam e chupam sangue, por isso nem carreguei meu mosquiteiro (confiando que meu repelente para tecidos espantaria pelo menos as aranhas).

    A noite foi bem fria, porque meu saco de dormir -5 caiu como uma luva, e não senti nem calor nem frio. Choveu a noite inteira (soube depois que caiu uma tempestade forte na região), mas não acordei uma só vez. Adormeci logo, ouvindo os pingos da chuva e o barulho dos pássaros noturnos.

    No dia seguinte abriu um sol bonito. Ainda estava bem frio de manhã, e fiquei feliz ao ver que meu bivaque estava firme e forte e havia cumprido bem a tarefa de me proteger da água e do frio.

    Nessa altura eu já havia decidido voltar pra Maromba. Se fosse descer até Serra Negra não faria sentido voltar no mesmo dia, e eu tinha que zarpar sem falta no dia seguinte por causa do meu compromisso. Paciência, pelo menos havia explorado a trilha até ali, e dali eu poderia partir futuramente para uma variedade de aventuras no vale do Aiuruoca.

    Recolhi minhas coisas e coloquei o tarp e o saco de bivaque para secar ao sol. Enquanto esperava secar, aproveitei para dar um andada na mata e fazer umas fotos.

    Em seguida, arrumei tudo e deixei a mochila guardada na mata para ir dar uma olhada na paisagem do vale do Aiuruoca antes de ir embora.

    Me despedi da mata que me abrigou tão bem à noite e peguei o caminho de volta.

    Abaixo, o pico do Papagaio, paisagem que me acompanhou nessa etapa da trilha.

    Atravessei a mata da bica d'água e me reabasteci para a descida No caminho fotografei uma montanha e um rochedo gigantesco que estavam à minha direita (se alguém souber o nome, por favor me informe).

    Logo reapareceu à frente a vista da pedra Selada e do vale do rio Preto. Faltava pouco.

    Em seguida reapareceram as valetas fundas escavadas pelas tropas. Como havia chovido muito, eu esperava muita lama, mas curiosamente, não foi difícil passar na maior parte do trajeto.

    Já vi gente dizendo que essa parte da trilha é chata, mas acho ela muito legal. Além das paisagens me ligo no micro, e muito dos detalhes do chão, as plantas e até os pequenos insetos e vermezinhos tem lá o seu charme.

    Parei para descansar no pouso dos tropeiros e dei com essa araucária bebê:

    De volta à Maromba...

    ... hora de arrumar a tralha e zarpar.

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    Orlando Ferrer
    Orlando Ferrer

    Publicado em 20/05/2019 02:02

    Realizada de 05/09/2018 até 06/09/2018

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    7 Comentários
    Fabio Fliess 20/05/2019 11:08

    Muito bacana o relato Orlando! Se não me engano, o rochedo que aparece a sua direita é a Pedra Preta (ou Serra Negra). Dá para acessar seu cume, por uma trilha que sai no começo da ladeira da misericórdia, uns 500m depois da Pousada Serra Negra. Parabéns pela aventura! Abraços.

    Orlando Ferrer 20/05/2019 20:48

    Obrigado Fabio! Vou ver se consigo subir a Pedra Preta na próxima temporada. Estou planejando fazer a Maromba-Alsene completa logo que for possível. Imagino que a ladeira da misericórdia seja aquele declive acentuado que aparece depois da placa de Fragária, confere?

    Fabio Fliess 22/05/2019 10:20

    Salve Orlando. Acredito que seja isso. Quando fiz a travessia da Serra Negra, em 2014, cheguei ao ponto mais alto já escurecendo (fizemos em um único dia). E não me recordo dessas placas. Acredito que foram colocadas depois. Abraços e parabéns mais uma vez pelo relato.

    Orlando Ferrer 22/05/2019 13:05

    Valeu Fabio, boas trilhas!

    André Alas 18/02/2020 12:50

    Grande Orlando. Muito obrigado por compartilhar esse excelente relato. Espero fazer essa trilha en breve!

    André Alas 18/02/2020 12:52

    Esqueci de perguntar o principal. Marcou a quilometragem?

    Orlando Ferrer 01/06/2020 17:56

    Obrigado André. Desculpe a demora na resposta, eu fiquei um tempo sem acessar aqui. Sinto, mas não anotei a distância. Essa trilha vale muito à pena, pretendo fazer ela inteira quando o parque reabrir.

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    Rox
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