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Andanças pelo Chile 2 - Santuário da vida selvagem El Cañi
Duas noites acampados neste belo santuário na região da Araucania, perto de Pucón, Chile.
Trekking Montañismo AcampadaDepois de duas noites dormindo no ótimo Lounge Brasil Hostería Boutique (bom custo benefício) em Pucón, decidimos ir para El Cañi. Soubemos deste santuário num café da cidade onde o dono, ao notar que eramos trekkers, sugeriu visitarmos.
Saimos do hostel depois do café e pegamos o ônibus de 10 horas para as termas de Huife. Avisamos ao motorista que saltaríamos em El Cañi.
A administração do santuário fica a beira da estrada. Lá pagamos as entradas, uma noite de estadia no refúgio (mas avisamos que poderíamos ficar uma noite a mais e assim pagaríamos na volta). Ganhamos um bom mapa em papel a prova de água (a Conaf infelizmente não disponibiliza isto em seus parques) e informações.
El Cañi é uma corruptela do original mapudungun (língua mapuche). Significa 3º olho ou "visão que transforma". Os mapuches acreditavam no newen (força espiritual). E era (são) um povo determinado e guerreiro. O mais admirável é que derrotaram os incas e foram a única nação nativa que conseguiu resistir a colonização espanhola. Arrasaram Valdívia e os espanhois foram obrigados a assinar um acordo reconhecendo as terras abaixo do rio Bio-Bio como território mapuche.
O santuário foi criado através de uma aquisição de terras por um grupo de pessoas e empresas conservacionistas, amantes da natureza. A administração e a conservação do parque foi deixada a cargo de um grupo local de guias, que passaria também a controlar o acesso e cobrar entradas para cobrir os custos. Excelente ideia. É um modelo que poderia ter também no Brasil.
O começo, por 2 km, é uma estrada de terra rural, ligando fazendas. Descobrimos pés de amoras a beira da estrada, com várias maduras. Toda hora parávamos para comer (este lanche free me lembrou El Bolsón, Argentina, em 2012). A chuvas limparam toda a poeira da estrada que poderia ter sobre elas. Fiquei com a palma da mão roxa de tanto pegar as frutinhas.
O caminho de subida inicia a direita e logo começa empinada. É uma estrada veicular de terra através de bonita floresta. Pela inclinação imagino que só carro tracionado sobe aquilo com chuva ou neve. E continua bem acentuada até chegar no refúgio Aserrador, 1.050 m de altitude, caminhando cerca de 3 horas a partir da administração. É cansativo para quem está com mochila pesada vencer o desnível de 600 m.
A subida.
Chegamos por volta de 14:30. O abrigo foi construído na época que extraiam madeira no local (daí o nome Aserrador) e estava em mal estado. O que me chamou mais a atenção foi o piso de terra cheio de poeira, perfeito para disseminar o hantavirus. Além disto Lúcia é alergica a poeira, então decidimos armar a tenda fora.
O refúgio Aserrador.
Vi uma árvore frondosa com bela sombra e um chão abaixo da copa, bem plano. Decidimos acampar lá. Mas o solo estava umido porque o sol não batia ali.
Lugar bonito mas úmido.
Havia 3 mulheres adultas, duas delas mães com as respectivas filhas, num total de 5, que estavam com as tendas montadas dentro do refúgio. Pessoal muito legal.
Após lancharmos, Lucia descansou na barraca e eu subi para conhecer a laguna Totora, a mais próxima do acampamento. Um belo bosque fica entre o refugio e a laguna.
No caminho havia chilcos (Fuchsia magellanica).
E cogumelos do tamanho de uma mão.
No caminho fizeram um ponto de meditação (ponto do silêncio) com banquinhos, num local rodeado de altas árvores, uma catedral de coigues.
Antes da criação do santuário um fazendeiro drenou a laguna Totora para criar área de pasto. Hoje recuperaram a laguna, mas estava baixa devido a prolongada seca.
Laguna Totora.
Depois de fotos e uma breve conversa com as companheiras de acampamento eu voltei para o refúgio.
A torneira de água mal deu para encher um platyplus de 1 litro. A água secou. A que havia nos canos era fruto da chuva do dia anterior. Mas havia um córrego 50 metros ladeira abaixo. Lá fui eu buscar.
Mais tarde jantamos vendo o por do sol. Ajudei o pessoal a coletar gravetos e galhos para uma fogueira no refúgio (havia uma lareira circular no meio do refúgio). Uma delas acendeu a fogueira com desenvoltura. Me chamou a atenção porque a lenha estava molhada.
Por-do-sol.
Fotos das brujitas de El Cañi, ao final da tarde. A menina pequena estava dormindo na tenda.
Eu e Lúcia voltamos ao córrego para tomarmos um banho de panela. Imagine uma água gelada sendo jogada panela a panela no corpo...
Gente, que noite fria! O local que escolhi era péssimo. Parece que a umidade do chão potencializa o frio. Creio que deu 10ºC mas a sensação era de 0ºC. Nunca mais vou escolher um local sombreado e úmido assim para montar a barraca, ao menos na Patagônia. Decidimos que mudaríamos a tenda de lugar no dia seguinte.
.....
Amanheceu bonito. Após o desayuno peguei a mochila vazia, soquei um lanche, agasalhos e anoraks e partimos para as lagunas. A mochila Osprey Exos de 58 litros é tão leve que serve mesmo de mochila de ataque. Paramos rapidamente na Totora e após uma hora chegamos na laguna Negra (anteriormente se podia acampar neste belo local).
Laguna Negra.
A maior parte do trecho percorrido é plano e através de bonito bosque, cada vez com mais araucárias.
Um Hued Hued (Pteroptochos tamiina) andando na trilha, procurando insetos.
Da laguna subimos para o mirante (Mirador Miledekin) mais 40 minutos a uma hora de caminhada. Vista linda para 4 vulcões: o Villarica, o Ketrupillan, o Lanin e o Llaima. Uma boa galera estava ali (todos num esquema bate e volta).
Ao descer, voltando para a laguna Negra, lanchamos. Dali partimos para o circuito de las lagunas. Numa delas havia gansos (caiquén - Chloephaga poliocephala) e numa outra marrecos (não consegui identificar qual espécie). Avistamos também um carpinteiro ( Campephilus magellanicus).
Depois de fechar o circuito voltamos ao acampamento onde tratamos de remontar a tenda na grama, em local que batia o sol. Pedimos licença a um grupo de garotas recém chegadas (chilenas e francesas) que estavam com as mochilas justo no lugar mais plano do gramado.
Me chamou a atenção a quantidade de mulheres sem a companhia de homens. Me pareceu até um movimento de afirmação feminina, pois até a pouco tempo o Chile era um país machista. Mulheres desacompanhadas de homens, na trilha, não eram bem vistas (isto nos foi dito pelas trilheiras chilenas que encontramos ontem). Bom ver que os tempos mudaram para melhor.
Após um bom jantar, assistimos a outro belo por-do-sol (mas afirmei para as meninas que no Brasil era ainda mais bonito, no que elas cairam na risada).
A dormida foi muito melhor, bota melhor nisto!
Acordamos por volta de 8 horas. Preparei o café enquanto Lúcia arrumava as coisas dentro da tenda.
Descemos com tranquilidade, comendo mais amoras no caminho. Na administração pagamos os 10.000 pesos da noite adicional e fomos para o ponto de ônibus. Conseguimos pegar o de 12:30.
Em Pucón voltamos para mais uma noite no Lounge Brasil Hostería Boutique.
De lá, dia seguinte, seguiríamos para nosso próximo destino, a cidade de Los Angeles, ponto de partida para o PN Laguna del Laja, que seria possivelmente nossa trilha mais hard dentro do que planejamos, ver Andanças pelo Chile 3.
