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Peter Tofte 21/09/2017 07:18
    Circuito ao Norte de Lençois, Chapada Diamantina.

    Circuito ao Norte de Lençois, Chapada Diamantina.

    Quatro dias de trilha solo em torno de Lençois, Chapada Diamantina, passando por alguns dos atrativos famosos da região.

    Trekking

    Tinha a disposição quatro dias e fiz um trekking fácil por áreas já conhecidas da Chapada. Eu tinha planejado uma trilha com um amigo nos Gerais do Machambongo, sul de Mucugê, mas não pudemos fazer. Ficou adiado para outra ocasião.

    Cheguei em Lençóis antes das 5 da manhã. Após rápida arrumação da mochila, enquanto o dia clareava, parti para o Hotel Portal de Lençóis, ao lado do qual inicia a trilha que sobe a serra do Ribeirão até o passo que dá acesso ao vale do rio Ribeirão.

    Após poucos minutos de subida entrei numa quebrada a direita para conhecer a Cachoeirinha onde fiz um lanche. Mais adiante, seguindo esta trilha, temos a cachoeira da Primavera.

    Por volta das nove horas estava no passo. De lá desci até o rio Ribeirão onde devorei o lanche de almoço apesar de ser apenas 11 horas.

    Por volta de 12:30 estava fora do vale do Ribeirão, chegando aos Gerais do Morrão, onde decidi subir para o Morro dos Cristais na Serra do Sobradinho, que tem vista espetacular para o Monte Tabor ou Morrão.

    Morrão.

    Não encontrei os cristais que dão nome ao lugar. Mas fiquei lá em cima apenas meia hora.

    Desci e fui para Águas Claras, bonito local de acampamento. Ao chegar, procurando gravetos, topei com uma cobra espada. Uma amiga, bióloga especialista em serpentes, me disse que ela é agressiva mas tem veneno pouco potente. Ela mesmo já tomou umas picadas, mas ainda assim considera a cobra "uma fofa"!:-O

    Quase esbarro nela, porque parecia uma folhagem atravessada na trilha, parte do corpo suspenso no ar. Enquanto estava por perto ela ficou numa posição quase horizontal com 1/3 do corpo no ar apoiada num monte de capim. Ficava olhando para mim e por vezes abria a boca. Tirei umas fotos e recolhi os gravetos (um olho nos gravetos, outro na cobra), fiz um ligeiro desvio na trilha e segui. Olhando para trás vi que a cobra também voltou aos seus afazeres.

    Armei minha tarpa e fiz a comida usando o fogareiro de gravetos.

    Depois um banho nas deliciosas piscinas. Ainda tinha sol. Sempre caio na água vestido, após esvaziar os bolsos e tirar as meias. Assim tiro um pouco de sujeira e suor da roupa. Em seguida pendurei as roupas ao sol, pegando vento. Em meia hora estavam secas. Este esquema funciona bem com roupas de tecido sintético.

    Vista para o Morrão.

    Apesar de ter armado a tarpa resolvi dormir bivacado em cima de uma laje, porque não havia nuvens no céu e a previsão não era de chuva. Muito legal dormir debaixo de uma lua quase cheia. O único problema é que esfriou bem durante a noite, pelo efeito do vento. Águas Claras é um lugar conhecido pelos ventos fortes. Já houve ocasião em que o vento destroçou barracas ali.

    Tive então que botar todos os agasalhos para adormecer. Não levei saco de dormir, só o saco de bivaque e um liner. Estava sozinho.

    Bivaque. Serra do Sobradinho ao fundo.

    Acordei duas vezes durante a noite devido a ruídos. Um casal que chegou 21 horas e dois cavaleiros passando a cavalo, por volta de meia noite. Pessoal aproveita a noite de lua para passear!

    Levantei 7 horas, com preguiça.

    Após o café, parti por volta de 9 horas rumo ao Ponem, contornando as serras do Sobradinho e do Mucugezinho e ali virando rumo SE para a cidade de Lençóis.

    Deixando o Morrão para trás.

    Alcancei o Ponem cerca de 2 horas e meia depois. Fica ao lado da BR 242. Neste trecho temos boa vista do famoso Morro do Pai Inácio, cartão postal da Chapada. No Ponem tem uma antiga ponte sobre um riacho e uma casa entre mangueiras. Nela começa a trilha que percorre o vale sentido SE rumo a Garganta de Pedra, logo antes do Barro Branco, um "subúrbio" de Lençóis. Observei rastros indicando que até motos percorrem esta trilha que foi criada pelos tropeiros na época do garimpo.

    Depois da Garganta de Pedra, após cerca de trinta minutos, virei a esquerda para descer ao rio Mandassaia. Pensei em acampar ali. Porem o terreno era bem pedregoso. O rio é bonito mas uma grande tubulação azul captava água nele e descia em zigzag dando um aspecto feio, poluição visual. Decidi voltar à trilha para Lençóis e dormir nas margens do rio Lapão.

    A trilha se converte em estrada no Barro Branco. Impressionante como estão loteando as terras ali. Ainda há poucas casas porque o abastecimento de água e luz é problema.

    Chegando a pontezinha sobre o rio Lapão dobrei a esquerda e desci pelas margens do rio até achar uma praia de areia branca ideal para armar a tarpa. Geralmente só faço isto com previsão de tempo bom para não ter surpresa de enchente durante a noite, com chuvas.

    Novamente preparei minha janta com o fogareiro de gravetos.

    Lugar excelente, exceto pelo que descobri ao anoitecer: cheio de asa-caída, mosquitinho infernal #!§%$3!!!. Entra pelas menores frestas da roupa e dá uma picada dolorosa. Apesar de estar no saco de bivaque com boné e mosquiteiro, bastava a tela encostar no meu rosto que sentia as picadas. Pela manhã descobri que minhas bochechas estavam vermelhas de picadas. Noite ruim!

    Ao amanhecer usei a câmera do celular no modo selfie, como espelho. Registrei o estrago.

    Usei o fogareiro a álcool para fazer café. É mais rápido que o fogareiro de gravetos. Levo sempre os dois porque se chover é alternativa já que é difícil e demorado fazer fogo com gravetos molhados.

    Parti as 10 horas, após um banho no rio. O objetivo era a Toca do Lapão, que ainda não conhecia e que fica apenas a duas horas de Lençóis.

    Na descida para Lençóis procurei trilhas a esquerda saindo da estrada. Sabia que deveria haver uma trilha alternativa, um atalho para o Lapão. Não fazia sentido descer até a cidade para depois voltar a subir. Achei duas trilhas laterais, uma delas entrava num lajeado onde foi impossível saber para onde seguia e a outra entrava numa mata fechada onde a folhagem cobriu a trilha. Resultado: nas duas vezes desisti e retornei. Acabei descendo até Lençóis, perto do cemitério, onde começava a trilha principal, bem batida.

    Esta trilha cai no rio Lapão (o mesmo no qual acampei mais acima na noite anterior) onde tive que andar pelo leito pedregoso do rio. No trecho final, antes de subir até a enorme toca do Lapão, devemos escalar uma pedreira difícil, com escalaminhada, devido as enormes rochas que um dia estiveram no interior da gruta. Levei pelo menos meia hora para superar os 50 metros finais.

    Aproximação da gruta (ao fundo, bem visível). Em primeiro plano o leito de lajes do rio Lapão. O teto da gruta é uma bonita abóboda em arco.

    A gruta é impressionante. De arenito, deve ter na boca algo como 50 metros de altura ou mais. Adentrei por um chão coalhado de grandes pedras, até onde chegava a luz. Avancei um pouco no escuro mas estava só com uma lanterna de cabeça e não quis arriscar muito. Se a lanterna pifasse estaria lascado.

    Há uma saída do outro lado, porém o que esta entrada tem de grandiosa, a outra tem de discreta. Segundo soube, poderíamos passar por ela sem notá-la ou sem saber que tratava-se da entrada secundária de uma grande caverna.

    Decidi voltar, tomando muito cuidado na descida. O ruim de estar sozinho é que uma simples queda fraturando um osso pode ser muito complicada quando estamos sem companhia. Ao menos o meu amigo Miguel, guia de Lençóis, sabia o meu roteiro e que eu deveria aparecer no domingo na casa dele.

    Decidi acampar as margens do Lapão. O planejamento inicial era acampar no Ribeirão de Cima, do outro lado de Lençóis. Mas o tempo que gastei para chegar e explorar a gruta do Lapão me faria chegar muito tarde, praticamente no escuro, no rio Ribeirão.

    Escolhi um banco de areia na margem, tomei banho e relaxei.

    Durante a noite começou a chover. A primeira vez, por volta das oito da noite. Depois de duas horas estiou. Porém meia-noite recomeçou com uma chuva ainda mais forte. Fiquei em semi-vigília porque, apesar das trombas - d'água serem raras nesta época e achar que não tinha caído bastante chuva para criar uma tromba, ainda assim fiquei alerta. Sempre que acordava olhava para o rio com a lanterna, que estava apenas a dois metros de distancia. Foi uma noite nada agradável e pouco descansada, ainda considerando a presença dos queridos mosquitos asa-caída.

    Cedo acordei e percebi o ronco mais forte do rio. Tinha subido bem, comparando a tarde anterior e as águas estavam barrentas.

    Tomei meu café e arrumei as coisas. Dei um tempo para secar um pouco o tecido da tarpa.

    Ontem era fácil andar pelas pedras e pela margem do rio. Hoje estava bem diferente! "Sorte" que uma queimada dois anos atrás limpou um pouco a área e o rio Lapão não corre dentro de um cânion estreito. Assim segui por um bom tempo afastado das margens. Depois de meia hora cheguei ao ponto em que a trilha encontra o rio e fui para Lençóis.

    No caminho uma cascavel com a cabeça esmagada. Impressionante como o pessoal mata cobras achando que faz um favor. A má e injusta reputação é bíblica.

    Ao chegar a Lençóis fui até a rodoviária para comprar a passagem de volta para Salvador, que partiria a noite. Dali segui para a casa do Miguel, onde batemos um longo papo sobre trilhas e a próxima que faremos juntos (Gerais do Machambongo).

    Ainda fui tomar um banho de rio no Ribeirão de Cima, que não conhecia, antes de jantar uma pizza com os amigos.

    Há bastante coisa para conhecer nas proximidades de Lençóis. Para quem gosta de trilhas e de acampar pode fazer vários circuitos, começando e terminando na cidade.

    Fazer a trilha solo não foi opção, foi falta de alternativa, quando amigos não puderam me acompanhar. Só deve ser solo se a pessoa tem experiência, com alguns cuidados (como avisar aos amigos e parentes qual será seu roteiro e data/hora de chegada) e por roteiros mais tranquilos e frequentados. Caso contrário contrate um guia ou adie para quando tiver companhia. Há pouco descobriram um segundo esqueleto, em menos de um ano, numa área da Chapada. Os legistas disseram que o corpo deveria estar lá ao menos por seis meses. Ainda não descobriram a identidade da pessoa. Talvez o celular e a máquina fotográfica ajudem a identificar. Postaram a foto da mochila e de alguns pertences para ver se alguém reconhece.:-((

    Peter Tofte
    Peter Tofte

    Publicado em 21/09/2017 07:18

    Realizada de 31/08/2017 até 03/09/2017

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    7 Comentários
    Fael Fepi 25/09/2017 12:20

    Parabéns Peter pelo relato. Esse roteiro tinha conhecimento mas não tinha visto um relato detalhado. Seu alerta a respeito da prática de trilha em solo é muito importante. Sempre acompanho seus relatos. Forte abraço.

    Peter Tofte 26/09/2017 07:32

    Valeu Fael!

    Jose Antonio Seng 06/12/2021 01:01

    Peter Tofte excelente relato, mais uma vez ! Ano que vem pretendo ir para a Chapada, fazer alguns trekkings. Estou tentando catalogar o que é possivel fazer. Acredito que maio seja uma boa epoca, não ?

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    Peter Tofte 06/12/2021 07:45

    É uma época de transição entre o período de chuvas e o seco. Mas é legal!

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    Jose Antonio Seng 06/12/2021 11:17

    Achei boa pq ainda teria agua, não estaria tao frio e estaria mais seco, não ?

    Peter Tofte 06/12/2021 12:28

    Mesmo na época mais seca normalmente ainda tem água. O frio da Chapada é 15 a 17⁰ C.

    1
    Jose Antonio Seng 06/12/2021 01:02

    Ps: sobre os mosquitos... sempre falo que temos muitos insetos por aqui (Brasil) e por isso ainda não me aventuro a ficar sem uma tela de mosquitos...

    Peter Tofte

    Peter Tofte

    Salvador, Bahia

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    Carioca, baiano de criação, gosto de atividades ao ar livre, montanhismo e mergulho. A Chapada Diamantina, a Patagônia e o mar da Bahia são os meus destinos mais frequentes.

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