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Peter Tofte 24/07/2018 09:19
    Duas em uma. Travessia do Itatiaia: Ruy Braga+Rancho Caído.

    Duas em uma. Travessia do Itatiaia: Ruy Braga+Rancho Caído.

    Trilha de 4 dias solo atravessando (e bivacando) no PN Itatiaia, com direito a friaca no camping Rebouças.

    Montanhismo Trekking

    As travessias Ruy Braga e Rancho Caído no Parna Itatiaia são bem conhecidas e reportadas aqui no Aventure Box. A única novidade deste relato é que fiz ambas numa só empreitada. Sempre quis fazê-las, mas morando na Bahia achava contraproducente me deslocar para o Rio e percorrer apenas uma trilha. Cada uma das travessias leva dois dias (pode-se fazer em apenas um dia cada). Além disto o transporte até a parte alta do Itatiaia (abrigo Rebouças) ou o resgate, são bem caros para uma pessoa só. Assim decidi realizar as duas travessias emendadas, em quatro dias. Entrei no Parque na parte baixa, pernoitei nas ruínas do Massena, segui para a parte alta onde dormi no camping e, no dia seguinte, fui para o Rancho Caído. Na outra manhã estava em Maringá a tempo de pegar o ônibus das 13 horas para Resende. É tranqüilo. Precisamos apenas cuidado no momento de agendar no site do parque.

    Sexta feira, 13 de julho.

    Em Itatiaia peguei o ônibus para o parque as 7:30 horas. O outro ônibus seria apenas 10 horas, muito tarde para quem quer fazer a travessia, Ele para na Portaria onde tive que descer para pagar os ingressos. O ônibus espera. Apenas o camping do Rebouças não podia ser pago. O pagamento só podia ser efetuado no Posto Marcão (parte alta).

    Dia bonito. Do final de linha do ônibus, dentro do parque, é necessário andar mais 40 minutos por uma estrada de terra até o Complexo do Maromba. Tirei fotos da cachoeira, comi uns sanduíches que fiz no café da manhã da pousada (o ônibus passa tão cedo que não dá tempo para tomar o café direito) e segui adiante.

    Cachoeira do Maromba

    A estrada logo desaparece e dá lugar a uma trilha.

    Beija flor curioso.

    A floresta, mata atlântica, é belíssima e domina as encostas mais baixas da montanha. Tem uma diversidade de vegetação e espécies animais que encantou os naturalistas estrangeiros no século XIX. É incrível como ela é muito mais rica em relação as florestas temperadas.

    A trilha é bem cuidada, o pessoal do parque faz manutenção. Porém, volta e meia, temos que forçar a passagem no mato porque é inevitável galhos e vegetação caírem, obstruindo o caminho. Me arrependi por estar vestindo bermuda. O capim cortante e galhos açoitaram as canelas, que rapidamente ficaram marcadas pela minha imprevidência.

    Trecho bloqueado. Sem facão devemos forçar a passagem. As canelas expostas agradecem.

    O traçado da trilha fazia longos zig-zags, com subida bem gradual. Parece que foi construída para a passagem de cavalos e mulas. Parapeitos de concreto cobertos de musgo protegiam as passagens mais estreitas. Devem datar da época da construção do abrigo Massena, na década de 50.

    Por volta de meio dia cheguei na bifurcação com o refúgio Água Branca. Resolvi entrar para visitar este refúgio, pois pensei que chegaria muito cedo no Massena se fosse direto. Levei cerca de 45 minutos para alcança-lo. Subi na laje da construção, porque no térreo a vegetação impede a visão. Vista excelente para o vale do Paraíba, ao Sul. A Oeste sobressaí o bonito perfil da Serra Fina. Lanchei e tirei fotos. Sinal bom de celular. O refúgio em si não é muito interessante, apesar de arrumado.

    Vale do Paraíba a esquerda. Ao fundo, a Serra Fina.

    Voltei para a bifurcação. Nesta quebrada gastei duas horas. Achava que o Massena estaria perto. Ao consultar o mapa oferecido no folder do parque vi que, na realidade, aquela bifurcação era apenas metade do caminho. Me arrepiei. Eram quase 15 horas. Tratei de acelerar. Justo neste momento a trilha passou a ser mais íngreme.

    Passei pelo abrigo Macieira, construção de madeira em meio a pinheiros. Ainda de pé, embora bem estragado. Entrei para ver. Três ou quatro quartos, fogão a lenha feito de barro. Parecia uma antiga casa de colono.

    Não demorei. Saí e peguei a trilha novamente, continuei forçando o ritmo. Não gosto de chegar no local de acampamento muito em cima da hora do pôr-do-sol. Principalmente porque não levei barraca, iria bivacar. A escolha do local é muito importante.

    Com cerca de duas horas contadas do Água Branca saí da floresta e começou a vegetação baixa de campos de altitude.

    E a trilha continuava a subir e nada das ruínas do Massena. Finalmente, num platô, surgiu de repente o refúgio, meio escondido pelo capim elefante. Olhei o altímetro, quase 2.200 m. Bem alto. As Prateleiras são visíveis deste abrigo, a Noroeste.

    As ruínas revelam que a construção era grande, estruturada, elegante, com várias salas e banheiro. Restos de postes indicam que havia eletricidade no passado. Uma lástima que tenham deixado ele deteriorar a este ponto. Apenas uma sala ainda tinha o teto preservado (com furos): o salão principal, o hall de entrada com uma lareira.

    Eu era a única pessoa ali. Assim podia me dar ao luxo de escolher o lugar que quisesse para dormir. Resolvi ficar no salão coberto e coloquei meu isolante e saco de dormir sobre a mesa principal, de sólidas tábuas de madeira. A mesa virou cama.

    Havia lenha na lareira. Ia ficar muito legal e aconchegante acender o fogo. Mas há uma proibição de fogueiras no parque. Não sei se a lareira tecnicamente seria considerada uma fogueira, provavelmente sim. Não acendi o fogo.

    Fiquei sem banho porque cheguei praticamente ao escurecer e já estava bem frio. Este é outro motivo porque gosto de chegar cedo, com o sol ainda alto, no local de acampamento.

    Por do sol quase atrás das Prateleiras.

    Noite tranqüila. Ouvia volta e meia o barulho de sariguês e de ratos selvagens andando pelo que restava do teto. Perfeito cenário para um filme de terror. Minha sorte é que entre os meus medos não está o de casa mal assombrada!

    Sábado, 14 de julho.

    O dia amanheceu bonito. Coloquei o saco de dormir e o de bivaque para secar um pouco (sempre pega umidade). Tomei café sem pressa. Sabia que não estava longe do refúgio Rebouças. Aproveitei e subi para uma pequena casinha no morro, atrás do refúgio, para tirar fotos.

    Nove horas, pé na trilha. Depois de uma pequena mata surgiram novamente os campos de altitude e comecei a subir para contornar pela direita o conjunto das Prateleiras, entrando num pequeno vale onde o capim disputava o espaço com grandes rochas. Muito bonito. Avistei a bifurcação da trilha que seguia para as Prateleiras. Um monte de turistas (era sábado) já seguia para lá.

    Resolvi ir direto para o Rebouças. No começo da estrada de carros encontrei um grupo descansando antes de subir para as Prateleiras. Conversei com eles. O pessoal fica impressionado com o fato de fazer solo estas trilhas e dormir sozinho no mato. E eu fico impressionado como tem gente com tanto receio de andar pela natureza, num lugar tranqüilo, e morando em grandes cidades onde a violência urbana assusta.

    Cheguei no camping ao lado do abrigo Rebouças. O refúgio é uma construção pequena mas bonita. De lá já dá para ver as Agulhas Negras. O camping tem banheiros e um local para refeições.

    Tive que andar quase 6 km para ir ao Posto Marcão e voltar para o camping. Simplesmente porque na portaria da parte baixa eles não podiam cobrar a diária do camping. Não entendo esta lógica. Enfim, mais um exercício.

    Havia um lugar no refúgio. Pensei em trocar o camping pelo refúgio, mas o fato de que teria que devolver a chave no dia seguinte no posto significava andar mais 6 km e perda de tempo.

    Armei o toldo sobre meu bivaque e fui cuidar do almoço tardio. Depois um banho gelado (o chuveiro elétrico não funcionava). Até o final da tarde o camping estava com cerca de 10 barracas montadas. Na área do refeitório ouvi um casal comentar que um maluco havia montado um bivaque no camping, sem saber que o louco estava presente.

    Vista do Rebouças. As Agulhas Negras aparecem ao fundo, ao centro, rochas negras estriadas.

    Muita gente na parte alta, fazendo bate e volta e depois dormindo nas pousadas da região. A previsão de frio atrai muitos turistas ao Parna, no inverno. Tão bonitinho ver o pessoal todo de mochila e roupas de grife de aventura fazendo roteiros fáceis, com ajuda de guias. Mas eles não estão sentados no sofá diante da TV. Curtem a natureza real, não a virtual.

    Diante do abrigo Rebouças ouvi um senhor conversando com as amigas, dizendo que anos atrás passou uma noite chuvosa, sozinho, no Rebouças. Precisou tomar vinho para conseguir dormir, imaginando que Jason (do filme Sexta Feira 13) poderia aparecer a qualquer momento. Dei risada por dentro. Se tivesse dormido no Massena ele não imaginaria, ele teria certeza que o Jason o visitaria (e ontem, justamente, era sexta feira 13).

    Tive que vestir todas as roupas durante a noite. Inclusive a capa de chuva para formar um vapour barrier. Comi uma barra de chocolate lá pelas 3 da manhã. Mas consegui dormir parte da noite. A leveza tem seu preço. Estava com cerca de 10 kg na mochila de 45 litros, para quatro dias. Para conseguir isto deixei a barraca em casa.

    Domingo, 15 de julho.

    Ontem o dia foi lindo, sem nuvens. O problema é que a noite também foi sem nuvens...ou seja, noite gélida. O meu termômetro registrou 1°C. Soube que no Posto Marcão o pessoal registrou -1°C. O acampamento despertou com uma fina camada de gelo sobre as tendas e sobre a grama. Formou uma geada na madrugada.

    A cueca que tinha lavado pela tarde, coloquei-a pendurada para secar. Ela amanheceu parecendo um papelão rígido. O duro foi vestí-la!

    Amanhecer no camping Rebouças.

    Gelo sobre a mesa de piquenique.

    Saí rumo ao Rancho Caído as 9:30 hrs. Tive que esperar o sol bater para derreter o gelo e secar as coisas. No início do caminho tive que aguardar para cruzar a ponte sobre um riacho com placas de gelo. Uma equipe estava fazendo o ensaio fotográfico pré-casamento de um casal. Affff.

    Mais um pouco e vi uma turma a frente, com mochilas carregadas. Não era bate e volta. Iam acampar. Beleza, companhia para o Rancho Caído. Alcancei-os e me juntei a eles. Galera gente boa, cariocas, amigos praticantes de parapente (paraglider) que resolveram fazer a trilha: Sergio, Guilherme , Jailton e o Adriano Simas.

    Ficamos admirando a beleza das Agulhas Negras. As rochas continham sulcos verticais, parecendo que um gigante havia penteado aquelas pedras. Nunca havia visto uma formação como aquela.

    Belo pano de fundo para uma foto!

    Erramos a trilha e fomos na direção da Asa de Hermes. Perdemos cerca de duas horas. Devíamos ter subido na bifurcação para a Pedra do Altar. A mochila do Sergio, quem nos guiava, arrebentou e estava remendada. Para ajudar eu coloquei um agasalho dele na minha mochila, justo no momento da bifurcação. Assim passamos direto sem ver.

    Corrigido o erro, subimos para a Pedra do Altar pegando para a esquerda logo antes da subida final para o cume. Dali descemos para um pequeno platô com lagoinhas e, de lá, outra descida para o vale onde nasce o Aiuruoca.

    Este vale fica já em Minas Gerais. Ao fundo, a formação Ovos de Galinha e à direita de quem desce, a Pedra do Sino. Possivelmente é um dos vales mais elevados do País.

    Fizemos uma rápida quebrada para a cachoeira do Aiuruoca, para lanchar. Bonita queda d'água. Mas a água estava bem fria. Só Jailton teve coragem de tomar banho.

    Poço gelado!

    Rumamos para os Ovos de Galinha, passando por trás, bem perto da formação. Incrível como uma pedra de toneladas fica em equilíbrio perfeito, estável, mas parecendo que basta um empurrãozinho para fazê-la rolar morro abaixo.

    Dali continuamos subindo para um ponto no qual avistamos o Vale dos Dinossauros. Lá era possível ver o selado de Mauá e entrever parte da cidadezinha de Visconde de Mauá.

    Galera boa de trilha: da esquerda para direita, Jailton, Guilherme, Sergio e Adriano Simas. Ao fundo, entre Guilherme e Sergio, a Pedra Selada de Mauá.

    Descida forte para o vale. Encontramos e tiramos foto da pedra que inspirou o nome do lugar, parecendo o dorso de um dinossauro.

    Mais uma hora e meia e chegamos ao Rancho Caído. Araucárias deslocadas no meio a vegetação marcam o lugar. O acampamento fica abrigado numa matinha de bambus. Meio lúgubre mas excelente proteção em relação aos ventos.

    Jantamos sem banho. Estava frio e já tinha escurecido. Muita conversa e risadas. Um dos presentes esquentou uma feijoada em lata que me deixou babando, eu e minha comidinha liofilizada. Fizeram também um sopão misturando vários ingredientes que cada um tinha trazido.

    Durante a noite não senti frio. A matinha parece que não deixa esfriar muito. Pela manhã, ao acordar, fui buscar água e notei que a área desabrigada, fora da mata, estava com gelo no gramado.

    Segunda, 16 de julho.

    Saímos apressados. Teríamos que chegar na pracinha de Maringá antes das 13 horas. Acabamos eu e Adriano, mais rápidos, indo na frente, seguindo a orientação do Sérgio. Eu porque tinha que pegar o ônibus de 13 horas de qualquer jeito. Adriano, pegando este ônibus para Resende, facilmente chegaria a Itatiaia onde havia deixado o carro, e poderia subir para buscar o resto do pessoal em Maringá.

    A descida para o vale é bonita, primeiro nos campos de altitude e depois atravessando uma belíssima mata atlântica, cruzando vários riachos.

    Por volta de 11:30 baixamos no Escorrega da Maromba.

    Andamos mais meia hora e chegamos na vila do Maromba. Logo antes da pracinha, que era o ponto final do ônibus, conversando com Adriano, não vi um pit bull amarrado numa cerca, deitado na sombra e pisei perto dele. Recebi uma mordida na canela. Puxei o pé da boca do cão e nisto perdi o equilíbrio e caí no chão. Ao levantar me deu vontade de acertar com o bastão na cabeça dele. Me controlei. A raiva do momento passou. Talvez tenha sido uma reação instintiva do animal porque pisei perto. Fomos para um bar na pracinha onde lavei a ferida. Agora, além dos arranhões do mato, eu tinha também a marca de uma mordida na canela.

    Em quinze anos de trilhas nunca fui mordido. Basta chegar na cidade e isto acontece.

    Quase perdemos o ônibus. O garçom do restaurante em que almoçamos teve que correr atrás do coletivo para avisar ao motorista. Foi cômico.

    Trilha linda. Fazer ambas as travessias permite conhecer dois ecossistemas diferentes da Mantiqueira, a mata atlântica e os campos de altitude. Itatiaia é uma das TOP 5 trilhas do País, com formações geológicas maravilhosas.

    RECOMENDAÇÕES

    No inverno evite os finais de semana. O Parna fica lotado na parte alta. No caso de ir no fds, faça a reserva no site exatamente 30 dias antes, a meia noite, especialmente no abrigo/camping Rebouças.

    Muita atenção na previsão do tempo. Faz realmente muito frio no inverno. Uma frente fria pode fazer a temperatura cair vários graus negativos.

    Se pernoitar em Itatiaia, escolha uma pousada ou hostel perto da estrada para o parque. O ônibus sai cedo (sete horas) e é bom estar perto do ponto de ônibus. O ônibus mais tarde não serve para quem vai fazer a travessia.

    As trilhas não apresentam dificuldade de navegação, mas a sinalização ainda não é perfeita, especialmente para que não tem experiência de trilha. Leve ao menos um mapa ou esboço das trilhas. Não fiz isto, assim errei na entrada para a Pedra do Altar e perdi tempo visitando o abrigo Água Branca, apesar da hora.

    O sentido inverso, Maringá-Rancho Caído-Rebouças-Massena-parte baixa do Itatiaia não é permitido. Lamentável. O Parna teria mais gente fazendo trilhas se instalasse uma portaria no Escorrega.

    É fácil chegar a Itatiaia de ônibus a partir do Rio ou de Sampa.

    Peter Tofte
    Peter Tofte

    Publicado em 24/07/2018 09:19

    Realizada de 13/07/2018 até 16/07/2018

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    9 Comentários
    Peter Tofte 25/07/2018 16:47

    Valeu Lucas! Bondade de amigo!

    Ana Nascimento 29/08/2018 09:21

    Adorei seu relato, ansiosa para fazer esta travessia. Parabéns!

    Peter Tofte 29/08/2018 11:11

    valeu Ana! Boa travessia!

    Ernani 27/07/2019 19:54

    Muito bom Mestre Peter! Vou fazer a Trilha Ruy Braga com Dani, na segunda quinzena de outubro. Vamos de carro de Sampa para o PNI. Que pena que o Abrigo Massena está tão destruído.

    Peter Tofte 29/07/2019 08:20

    Que legal! Tenta emendar com o Rancho Caído Ernani!

    Jose Antonio Seng 24/09/2021 19:57

    Fiz exatamente isso, Peter. Subi pela Rui Braga e desci pelo Rancho Caido. Linda travessia.

    1
    Peter Tofte 25/09/2021 21:39

    Isto Seng. Mais produtiva e com maior diversidade. Agora em novembro penso em fazer a Rui Braga + Serra Negra.

    1
    Jose Antonio Seng 26/09/2021 21:16

    Opa ! Boa pedida. Vai fazer a Rui Braga em 1 ou 2 dias ? Estou tentando fazer Couto e Sino + Serra Negra.

    Peter Tofte

    Peter Tofte

    Salvador, Bahia

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    Carioca, baiano de criação, gosto de atividades ao ar livre, montanhismo e mergulho. A Chapada Diamantina, a Patagônia e o mar da Bahia são os meus destinos mais frequentes.

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