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Peter Tofte 30/01/2019 12:42
    QUEBRADA DE MATIENZO- PARQUE PROVINCIAL ACONCÁGUA

    QUEBRADA DE MATIENZO- PARQUE PROVINCIAL ACONCÁGUA

    Trekking solo e solitário (sem ver gente por quatro dias), feito na quebrada vizinha ao vale do Horcones, que dá acesso ao Aconcágua.

    Alta Montanha Montanhismo Trekking

    "Cada um fugirá, suportará ou amará a solidão na proporção exata do valor da sua personalidade. Pois, na solidão, o indivíduo mesquinho sente toda a sua mesquinhez, o grande espírito, toda a sua grandeza; numa frase: cada um sente o que é".

    Schopenhauer

    Inicialmente publicado no Mochileiros, resolvi republicar aqui após ler o excelente relato do Renan Cavichi que recentemente foi até o acampamento base do Aconcágua. Acho que a Quebrada de Matienzo é um ótimo lugar de aclimatação para quem vai tentar subir o Aconcágua. E pode ficar lá sem o taxímetro ligado (ao menos em 2008)....

    A Quebrada (Vale) de Matienzo está entre o Vale do Horcones e a fronteira com o Chile. O Horcones é o acesso ao acampamento-base mais utilizado do Aconcágua, a Plaza de Mulas. Assim, se quiser ter uma idéia de um vale de grande altitude nos Andes Centrais, com pouca gente e sem pagar a cara taxa cobrada para fazer trilha no Horcones (isto em 2008 - verificar agora!), uma sugestão é a Quebrada de Matienzo, que fica também dentro do Parque Provincial Aconcágua.

    Como o relato já tem 10 anos, desconsiderem os preços reportados. Na ocasião fiz um trekking solo e solitário, sem ver viva alma por quatro dias. Nem alma morta, apesar de ter acampado quase ao lado do túmulo de Matienzo...

    A Quebrada era conhecida como Vale da Bodega. Depois da morte do piloto Matienzo em 1919, na sua tentativa de cruzar os Andes num velho Nieport, passou a denominar-se Vale de Matienzo. O piloto teve de fazer uma aterissagem forçada numa encosta. Sobreviveu e, ferido, tentou alcançar a civilização. Mas o mês de maio já é muito frio naquela altitude. Morreu um ou dois dias após a queda. Seu corpo foi encontrado 4 meses depois. Os destroços do avião apenas 30 anos depois.

    PRIMEIRO DIA

    Peguei o Expresso Upsallata no Terminal El Sol, em Mendoza, Argentina. É a mesma linha que utilizam para ir a Penitentes ou Puente Del Inca. Custa menos que 20 pesos para ir a Las Cuevas, que fica logo antes do Túnel Internacional, último ponto antes de cruzar a fronteira com o Chile. Subi no ônibus as 07 hrs (escuro ainda). Vale a pena fazer esta viagem mesmo que não queiram escalar ou fazer trekking. Se vê quase a mesma coisa que alguém veria se contratasse uma agência de viagem pagando bem mais (90 pesos argentinos).

    Depois de saltar em Las Cuevas, já maravilhado pelo cenário, um argentino me informou onde começava a trilha. Devemos atravessar a carretera e 300 metros abaixo, atrás de um galpão abandonado da ferrovia há grandes pedras onde encontramos uma pequena ponte para atravessar o rio Las Cuevas. É a única travessia que tive de fazer deste rio no meu trajeto. Sempre fiquei na margem esquerda dele (margem verdadeira). A trilha é bem visível. Logo no começo avistamos muitas lebres correndo assustadas com a nossa aproximação.

    Depois de 30 a 40 minutos a trilha faz uma curva para o norte começando a adentrar na quebrada. À direita o grande Cerro Tolosa, coroado no topo pelo Glaciar do Homem Cojo. Costeamos um morro ao lado de um canyon estreito com umas grandes pedras. Em baixo de uma delas um local perfeito para um vivac, inclusive com uma cerca de pedras. Segui, já sentindo os 3.100 metros de altitude. Uma subida besta daquelas e eu perdendo o fôlego...

    A trilha sempre costeia o rio Las Cuevas. É um rio barrento devido aos sedimentos dos morros vermelhos que a água do degelo traz para o rio. Este sendero sobe gradualmente e cruza uns pequenos afluentes que descem para o rio, tranqüilos de atravessar. É interessante notar que a vazão do rio e dos córregos muda ao longo do dia. Os rios sempre estão mais baixos no início do dia, pois pela noite não há degelo, praticamente. Ao longo do dia o caudal d’água aumenta muito, atingindo o máximo no final da tarde, o que pode complicar uma travessia, a depender da época do ano. Também mudam de cor, a depender de uma avalanche ter coberto o rio com terras de cores diferentes (cinza, amarelo, vermelho ou branco).

    A vegetação é rasteira. Faz muito deixamos a linha das árvores (timberline). Pelo que me recordo as últimas estão em Punta de Vacas e Puente del Inca, a 2.400 e 2.700 msnm respectivamente.

    O vale tem uma inflexão para a esquerda de quem sobe, ao lado do cerro México e continua ascendendo. Embora a 1ª etapa tenha apenas entre 11 e 12 km, 500 mts de desnível, e 5,5 horas de caminhada até o abrigo Las Minas, o fato de ter vindo de ônibus de Mendoza, saído dos 800 mts de altitude para os 3.100 mts em apenas 4,5 horas, deixou-me pouco aclimatado tornando o 1º dia difícil.

    Por volta de 17 horas estava já olhando de soslaio para ver se encontrava um bom lugar para acampar, devido ao cansaço. Nada de encontrar o abrigo Las Minas. Até que, de cima de um morro, avistei ao longe uma forma retangular entre umas pedras grandes num morro adiante. Não dava para distinguir se era pedra ou uma construção humana. Mas o formato pouco comum na natureza me deu esperança de ser o abrigo. Quando me aproximei vi que se tratava do que restou de uma construção, provavelmente uma casa de mineiros. Apenas as grossas paredes de pedra estavam de pé. Dentro, num canto, um pequeno abrigo feito com folhas de flandres. Ali era a cozinha. Armei a tenda dentro dos muros. É um excelente abrigo em relação aos ventos. Se vc não tem muita confiança na resistência da sua barraca a ventos fortes, ali dá para ficar tranqüilo...Havia água translúcida num pequeno córrego que brotava da terra mais abaixo. Pelo mapa topográfico, este local está entre 3.500 e 3.600 metros.

    Fiz o clássico prato mochileiro macarrão capeli di angeli com atum e molho de tomate debaixo do abrigo. Dentro dele encontrei uma garrafa PET de Coca Cola de 2 litros. Antes de xingar o porquinho que deixou lixo para trás, li num rótulo colado na garrafa: “bencina – white gas – para los que lo necesiten”. A garrafa estava cheia. Numa das vigas da cozinha uma caixa de fósforos enrolada em esparadrapo, “... para los que lo necessiten”. Fiquei comovido com o desprendimento de alguém que carregou 2 litros de benzina para deixá-la para um desconhecido numa emergência. Este é o verdadeiro espírito da montanha.

    Foi um dia muito bonito de verão. A temperatura alcançou 30 ºC durante o dia, com uma luminosidade incrível num céu sem nuvens. Protetor solar e bons óculos de sol são muito necessários neste ambiente. Apenas escureceu às 21 horas.

    Depois que saí de Las Cuevas não encontrei ninguém no vale. Em diversos trechos vi rastros de uma pessoa e de uma montain bike. Não posso deixar de admirar quem subiu até Las Minas numa bicicleta pelo terreno acidentado e cansativo. Devia estar treinando para um triathlon.

    Tive de tomar um Ibuprofeno antes de dormir. Estava com a dor de cabeça característica do soroche. Depois de uma hora a dor desapareceu e não voltou mais a incomodar. Se persistisse, mesmo após medicação, aí sim precisaria começar a me preocupar com o MAM – Mal Agudo de Montanha – que pode surgir mesmo aos 3.000 metros, se estiver mal aclimatado.

    À noite a temperatura baixou para cerca de -2 a -3ºC. Pela manhã havia gelo dentro e fora da tenda. Como minha barraca é de uma só capa, o vapor d’água da respiração se condensa no seu interior.

    SEGUNDO DIA

    Neste dia levantei preguiçoso, lá pelas 8:30. Descobri que havia gelo no teto da barraca, pelo lado de dentro. Nesta altura, nos vales, faz muito frio até que o sol apareça (ronda os 0º C). O problema é que dentro do vale o sol demora a surgir, pois estava rodeado de montanhas entre 4 e 5 mil metros. Apenas às 9 horas, tomando café, o sol bateu na minha cara (se estivesse na montanha, no lado leste, seria o contrário, o sol bateria muito cedo). Assim tive que levantar todo encapotado.

    Fiz as coisas devagar. Tomei o café. Estendi o saco de dormir de pluma ao sol (importante não deixar ele úmido) e dei uma volta. Olhei para uma pedra a 50 metros e descobri o túmulo e o monumento a Matienzo. Voltei a tenda e peguei a máquina fotográfica para tirar fotos. O trágico é que ele morreu muito próximo do abrigo, onde não havia pessoas, mas havia comida e roupas estocadas. Se ele pudesse ter adivinhado e chegasse ao lugar, andando um pouco mais, talvez sobrevivesse.

    Saí apenas 11:30, agora com uma temperatura mais razoável, em torno dos 15 º C. Umas subidas um pouco puxadas. Em alguns locais, com muita pedra, eu perdia o sendero. A gente acaba “adivinhando” o caminho simplesmente pelo jeito que as pedras no chão estão arrumadas! Na trilha as pedras estão posicionadas de um modo um pouco diferente das demais, como se tivessem sido deslocadas. É uma diferença sutil, mas a gente aprende. Mesmo que saia da trilha, não há que se preocupar, pois a direção certa não tem como perder (rumo ao fundo da quebrada).

    No vale, de tempo em tempo, há o que podemos chamar de “playas anchas”, do mesmo modo que no vale do Horcones. Locais onde o rio se espraia em épocas de enchente. Agora o rio está em seu leito normal ocupando apenas uma pequeníssima parcela da “playa ancha”. Ou seguimos direto pelas playas com seu piso bem pedregoso ou pela encosta.

    Na primeira destas playas, desde que saí de Las Minas, avistei ao longe um rebanho de aproximadamente 20 guanacos pastando. Eles são muito tímidos e atentos. Quando me aproximei eles logo correram subindo as encostas. Imagino que no vale do Horcones eles sejam raramente vistos já que há muito mais movimento de pessoas devido ao tráfego de mulas, alpinistas e trekkers indo para a base do Aconcágua.

    Adiante, andando na trilha em terreno pedregoso, um bando de aves saiu de trás de uma pedra, parecendo perdizes bem gordas (do tamanho de frangos gordos). O engraçado é que ao invés de voar elas correram, e, pelo menos duas, arrastavam as asas pelo chão como se estivessem feridas. Dava a impressão que se corresse poderia agarrá-las. Segui pela trilha matutando o estranho comportamento, quando caiu a ficha! Estamos no verão e aquelas aves estavam com uma ninhada de filhotes. Os filhotes permaneceram agachados, escondidos atrás das pedras enquanto os pais faziam uma manobra diversiva para chamar a atenção do “predador” (já havia lido sobre este comportamento defensivo e altruísta de algumas aves). Pensei em voltar para fotografar os filhotes, mas já tinha avançado uns 5 minutos. Tanto melhor, para evitar um stress desnecessário as pequenas aves.

    Sempre subindo, mais duas playas anchas. Com o sol a pino dá para andar apenas com uma camisa. Observei que os pulsos e as costas da mão estavam bem queimados de sol. Havia esquecido de passar protetor e elas ficam bem expostas por segurar os bastões de caminhada.

    Ao lado o imponente cerro Pan de Azucar, de 5.100 metros, batizado assim por ter um formato de pão e uma névé parecendo uma cobertura de açúcar branco.

    Lá pelas 18 horas cheguei ao fundo do vale, onde ele se estreita e deriva para direita, formando o Cajón del Rúbio, provavelmente assim chamado pela enorme encosta de terra vermelha. A leste do cajón fica o Cerro Bonete. Provavelmente o rio Lãs Cuevas seja barrento por passar ao lado da encosta. O rio se acavala neste ponto formando um canyon estreito. Se quiser seguir para o Cajón Del Rúbio, deve se afastar das margens e subir uma encosta bem íngreme. Havia um abrigo conhecido, salvo engano, como LANIGLA, acrônimo do Instituto Argentino de Estudo dos Glaciares, que construiu o abrigo para seus pesquisadores. Porém meu mapa topográfico não assinalava esta construção. Só sabia que ficava em torno dos 4.200 metros (altura quase equivalente a da Plaza de Mulas, no vale vizinho). Hoje em dia está em ruínas. Por sinal há uma rota alternativa para ir à Plaza de Mulas através da Quebrada de Matienzo. Provavelmente sobe até o Bonete e desce para o campo base do outro lado.

    O Cerro Bonete é muito utilizado como exercício de aclimatação para quem pretende ir ao cume do Aconcágua. Pelo Matienzo subimos ele pelo lado oeste. Do Horcones se sobe pelo lado leste.

    Resolvi ficar por ali, pois subir para os 4.200 metros sem saber a localização das ruínas do abrigo LANIGLA, àquela hora do dia, não me pareceu boa idéia (além da preguiça de subir aquele morrão). Provavelmente teria de derreter neve para ter água àquela altura.

    Fiz acampamento ao lado de um grande boulder, num campo de pedras. Havia um pequeno cercado de pedra onde outros acamparam ou fizeram sua cozinha. Rapidamente compreendi que as pedras daquele campo desceram rolando da montanha, no caso, do Pan de Azucar. Embora estatisticamente seja pequena a probabilidade disto ocorrer sempre fica a preocupação. Geologicamente estas montanhas e vales ainda são muito ativos. Nos Andes há toda uma história de deslizamentos e avalanches que arrasaram casas ou vilas inteiras.

    Quando comecei a armar acampamento no final da tarde vesti logo as indumentárias, pois o frio faz perder calor muito rapidamente. Demorei um pouco para encontrar água que não estivesse barrenta. Apesar do rio Las Cuevas a 50 metros, a água não servia devido ao barro. Banho nem pensar! Classe fedida esta dos montanhistas!

    Fiz outra vez meu macarrão com molho de tomate, só que desta vez acompanhado de anchovas. É impressionante como a altura causa perda de apetite. Devemos fazer um esforço para comer. E tentar cozinhar pratos bons e temperados para compensar a falta de apetite.

    Estava comendo sentado no meu isolante, ao lado de uma pedra, quando ouvi um ruído que pensei ser do vento contra as pedras. Olhei para cima pensando “êta, o pau tá quebrando, o vento deve estar forte lá pra cima”. Quando percebi que na verdade era um deslizamento de pedras descendo por uma canaleta do Pan de Azucar, mais para baixo do vale. O degelo do final de tarde faz escoar água do topo das montanhas que desloca pedras e terra, que desloca mais pedras e terra até que o peso inicia um corrimento. Foi muito interessante observar. Em certos trechos o corrimento descia mais lento parecendo uma lesma (uma inclinação menor na encosta) noutros descia como uma cascata, até chegar ao rio Las Cuevas. Imagine o susto que andinistas teriam se resolvessem subir por aquela canaleta. Por isso que se começa a escalar sempre muito cedo. Isto durou pelo menos meia-hora.

    TERCEIRO DIA

    No 3º dia acordei menos preguiçoso. Levantei as 7:30, sem o sol no vale. Pretendia voltar a Las Cuevas ou ao menos chegar bem perto. No dia seguinte deveria estar em Mendoza para me encontrar com minha mulher que chegaria de BsAs.

    Novamente o teto interior da barraca coberto de gelo. O vapor d’água da minha respiração passou por 3 estados físicos! De vapor para líquido ao se condensar no teto e depois a sólido, virando gelo. Com uma toalhinha que enxuga rápido esfreguei o teto para derrubar o gelo e depois sacudi a barraca para os pedaços caírem fora. Se fosse esperar degelar e secar não ia sair tão cedo.

    Tomei um café da manhã bem rápido para apressar as coisas e fui ao “banheiro”. Desde ontem estava com um desarranjo intestinal. Não chegava a ser diarréia, mas a freqüência de idas ao banheiro me deixou preocupado, pois o estoque de papel higiênico estava acabando. Li relatos no Mochileiros de que é a água dos Andes que provoca isto. Não se trata de água com giárdia ou outros patogênicos (a água das montanhas é puríssima), apenas a composição diferente da água. Ou então outro efeito indesejado da altitude.

    O sol começando a bater na névé do topo do cerro Brasil dava um tom rosáceo, muito bonito.

    Por volta de 9 horas iniciei a caminhada. Ainda estava na sombra e com frio, por isto desci vestido com a jaqueta impermeável de Gore-Tex da Ansilta, boa oportunidade de testar sua “respirabilidade”. Pouco depois cheguei ao ponto onde o deslizamento de terra de ontem alcançou o rio. Uma mistura de barro e pedras indicava o avanço no leito do rio. Resolvi descer para o leito e examinar. Pisei no que parecia ser barro sólido e pluft, meti a bota inteira dentro de uma gosma de barro. Mas que depressa subi para a encosta, agora com uma bota pesando pelo menos meio quilo a mais. As poças de água tinham uma camada de gelo.

    Após limpar um pouco a bota com água, segui. Muito confortável andar na sombra das montanhas. Adiante resolvi descer para a parte seca do leito do rio que parecia ser um atalho, mais rápido e direto, sem os pedregulhos da trilha que seguia serpenteando pela encosta. Era mais liso com vários bancos de areia e barro seco. Andei um pouco e pluft! O que parecia ser barro duro na verdade era uma crosta de barro congelado cobrindo uma lama líquida por baixo, como se fosse um lago congelado. Tentei sair e pluft com a outra bota. Saí e subi para a encosta. Às vezes esqueço que uma trilha, antes de tudo, é o consenso de centenas de pessoas que passaram antes por ali e que decidiram ser aquele o melhor e mais racional caminho.

    Com as botas enlameadas.

    Mais adiante a playa ancha dos guanacos. Outra vez vi um rebanho, só que agora menos numeroso. Sempre fujões.

    Cheguei em Las Minas por volta de 13 hrs. Uma baita águia preta e branca (aguila Mora?) saiu voando das ruínas com a minha aproximação. Gastei uns 40 minutos lanchando e descansando.

    Retomei o caminho. Mais abaixo, à direita, a bonita cascata descendo das montanhas, indicando o deságüe da laguna Escondida. A laguna é um pequeno lago glaciar a 3.700 metros, num pequeno vale mais em cima. Pensei em acampar lá, mas estaria ainda distante de Las Cuevas para que pudesse chegar amanhã em tempo para o ônibus de 11:30 horas.

    Além disto não sabia onde cruzar o rio e a trilha de subida. Neste horário já avançado o rio estava mais caudaloso. Mas eram coisas que facilmente se resolveriam. Acho que o que mais pesou era a preguiça de sair de 3.300 e subir até quase 3.800 metros. Possivelmente lá em cima o acampamento seria mais exposto aos ventos e, minha barraca, definitivamente, não é uma 4 estações. Laguna Escondida fica para uma próxima vez.

    Continuei descendo. Só olhando para baixo é que a gente se dá conta do esforço que fez para subir, pela altura e pela extensão percorrida. As lebres começaram a aparecer. Acho que gostam mais de altitudes abaixo dos 3.300 msnm.

    Lá pelas 6 horas cheguei à pedra vivac, pertinho de Las Cuevas, que tinha reparado logo no 1º dia. Armei a tenda debaixo, super protegida pela pedra e por um muro de pedras. Parece que era um abrigo de caçadores, pois achei cartuchos de rifle usados em cima de uma pedra. Talvez caçadores de guanacos, pois não iriam usar aquela munição para lebres. Deixei antes a tenda e o saco de dormir tomando sol, para secar direito da noite anterior. O ar sem umidade seca as coisas muito rápido. Aproveitei para deitar um pouco ao sol.

    Até a cozinha era abrigada. Desta vez a janta foi macarrão com molho de tomate e um salame delicioso que comprei no Carrefour de Mendoza (não sei o nome). A única desvantagem era a fonte de água, o rio Las Cuevas, que obrigava a descer ao fundo do canyon e a sua água barrenta. Prevendo isto enchi as 3 garrafas de 500 ml e bebi muita água limpa num córrego meia hora antes de chegar ao vivac. O litro e meio teria de dar para a janta, água de beber e café da manhã. A água do Las Cuevas, barrenta, apenas para lavar a louça.

    Foi a noite mais tranqüila e quente do trajeto. Não deve ter descido abaixo de 0º C. E dormi quase direto, acordando pouco durante a noite. Não havia gelo pela manhã.

    QUARTO DIA

    Acordei por volta de 8 horas. Calculei uma hora para chegar a Las Cuevas e pegar o ônibus de 11:30. Assim, saindo 10 hrs, estaria tranqüilo.

    Desfiz rápido o acampamento. Durante a noite me dei ao luxo de descerrar a porta para diminuir a condensação. Mas não a deixei aberta muito tempo, pois o projeto burro da barraca fez o único zíper abrindo de baixo para cima e não o contrário. Fiquei com receio de um visitante noturno, morador daquela toca, entrar na barraca. Após ler relatos de ratos roendo as barracas por causa do cheiro de comida dentro (na Serra Fina, por exemplo) agora prefiro deixar a comida pendurada num dry-bag bem enrolado e pendurado em local inacessível fora da tenda.

    Saí às 10 horas. A caminhada demorou mais que o esperado e tive de dar uma corrida nos metros finais. O ônibus já estava lá quando cheguei. Foi o tempo de comprar o bilhete, um litro de água mineral e uma camisa de souvenir. Não porque goste de souvenirs deste tipo. Foi mais para trocar a camisa que vestia, suada e suja de 3 dias, a fim de poupar o pobre passageiro que desse o azar de sentar ao meu lado. Sentei do lado esquerdo para tirar fotos do Aconcágua. Você não tem dúvida para identificar a montanha: um monte de ônibus de excursão parados para que os turistas tirem fotos do cumbre das Américas, na entrada do vale do Horcones.

    O ônibus fez um barulho terrível de engrenagens se moendo numa troca de marcha e não deu outra. Quebrou e o motorista apenas aproveitou a ladeira para descer mais um pouco e parar em Puente Del Inca. Avisou que com mais 2 a 3 horas chegaria um ônibus de socorro de Upsallata. Foi bom porque assim conheci e tirei fotos de Puente Del Inca e tomei uma cerveja Quilmes vendo a azáfama dos alpinistas e trekkers que vinham da Plaza de Mulas. Conversei com o Maurício, um mochileiro italiano muito simpático que estava na mesma situação, esperava a reposição de um ônibus quebrado para ir a Santiago. Falou que fez o Cerro Mirador (5.400 m) no Vale do Horcones em 10 horas, ida-e-volta, desde a entrada do parque, no mesmo dia!! Lá há uma vista esplêndida da face sul do Aconcágua. Outra coisa interessante que disse é que um guia cobraria, segundo ele soube, cerca de US$ 160,00 para subir ao cume. Muito diferente dos US$ 2.200 que uma firma especializada cobra. Estas firmas incluem translado, hotel, alojamento em Plaza de Mulas, suprimentos e guia para a ascensão. Mesmo assim não justifica esta enorme diferença. Ao que parece agora só se pode subir com guia. Nesta temporada um romeno já havia morrido, devido a uma úlcera perfurada na montanha.

    No caminho deu para observar botes de rafting cheios de gente descendo o rio Mendoza. Ao longo da margem do rio, desde Upsallata, há várias empresas especializadas.

    Realmente Mendoza é um paraíso para quem gosta do turismo de aventura: muitos roteiros de trekking, cavalgadas, rafting, off-road, esqui e escaladas.

    Minha mulher se espantou com o quanto emagreci em 4 dias. Vou criar a “dieta dos Andes” e ficar rico.... Mas acho que recuperei tudo no roteiro das bodegas e restaurantes que fiz nos 3 dias seguintes.

    Há muito o que ver e explorar na região: Cordón de Plata, o vale do vulcão Tupungato, laguna Diamante. É ter tempo e meter as caras.

    Peter Tofte
    Peter Tofte

    Publicado em 30/01/2019 12:42

    Realizada de 10/02/2008 até 13/02/2008

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    4 Comentários
    Renan Cavichi 10/02/2019 13:50

    Que bacana Peter! Só agora consegui ler o relato! Fiquei muito curioso sobre essa região! Bem ao lado mesmo de Horcones e acredito que seja uma experiência muito mais imersiva, considerando a tranquilidade e a presença de animais selvagens da região! Uma forte candidata para um retorno! Se lembra de ter avistado alguma trilha / caminho para o Bonete? Acha que seria viável acessá-lo por lá?

    Renan Cavichi 10/02/2019 13:52

    Espero voltar para essa região com a Ana e essa parece uma opção bem legal e sem dúvida de bem mais economica! Viajei junto no relato! Grande abraço!

    Peter Tofte 11/02/2019 09:32

    Valeu Renan! Não avistei um trilha para o Bonete. Provavelmente há porque havia um refúgio da LANIGLA, creio que nas encostas do Bonete. E no Google Maps temos assinalado o Portillo Pan de Azucar. Portillo é passo de montanha e deve ligar o Horcones ao Matienzo. Me parece que fica entre o Bonete e o Pan de Azucar. Vou checar no mapa topográfico que tenho em casa.

    Peter Tofte 12/02/2019 09:56

    Parece ser mais fácil subir o Bonete pelo lado da Quebrada de Matienzo do que pelo lado do Horcones... http://www.pixmap.org/mapa.php?map_id=177&categoria=Argentina_-_Zona_Central&titulo=Quebrada_de_Matienzo_-_Aconcagua&lang=en

    Peter Tofte

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    Salvador, Bahia

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    Carioca, baiano de criação, gosto de atividades ao ar livre, montanhismo e mergulho. A Chapada Diamantina, a Patagônia e o mar da Bahia são os meus destinos mais frequentes.

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