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Trilhas do garimpo de ouro - Porco Gordo
Quatro dias por trilhas pouco conhecidas, pouco transitadas, por cenários lindos na região de Rio de Contas/BA
Trekking Montañismo AcampadaFoto portada: crepúsculo no vale do Porco Gordo com serra da Tromba ao fundo.
Foto avatar: pedra do Porco Gordo com Cris logo abaixo (garota destemida!). É incrível o equilíbrio da rocha. Parece montagem, mas não é!!
Não tenho nada contra guias. Tenho, pessoalmente, contra ser guiado. Creio que se perde muito da aventura e da privacidade. Eu comecei a trilhar com guias, eles são uma escola de aprendizado. Mas com a experiência (hoje mais de 20 anos de trilha) faz um bom tempo que raramente contrato guias.
No caso desta trilha abri uma exceção. O Lé, Edwilson, da Rio de Contas Adventure, de Rio de Contas, é um excelente guia, 25 anos de experiência, que desbrava novas trilhas oferecendo-as para clientes e amigos. Ele redescobre antigas trilhas da época do garimpo do ouro que são utilizadas hoje, normalmente, apenas por garimpeiros de cristal e pouquíssimas pessoas mais. Não são exploradas comercialmente por empresas de trekking e não encontramos nada nos aplicativos de trilhas (Wikiloc, Gaia, etc...).
Eu o conheci no cânion do Guariba (ver relato "Na boca da cobra - Guariba selvagem") e notei seu profissionalismo e como o convívio é fácil e alegre com ele.
A linda cidade de Rio de Contas, onde Lé vive, e as vilas próximas, têm sua origem na exploração do ouro, no século XVIII (fundação em 1723). A Chapada Diamantina foi marcada pelo diamante e a região das Serras Altas pelo ouro. As trilhas do circuito que iriamos percorrer eram caminhos que tropeiros e garimpeiros utilizavam duzentos anos atrás.
Eu, Lucia, Fabio, Cris e Claudio decidimos aproveitar o feriado de Corpus Christi para fazer o circuito proposto por Lé: Arapiranga - Vale do Porco Gordo - Cachoeira da Michelânia - Poço do Melado - Arapiranga. Passaríamos por trilhas antigas da época do garimpo. E, de quebra, chegamos na cidade de Rio de Contas na véspera da festa religiosa, uma das mais belas do interior da Bahia. Desligam a iluminação pública e o casario colonial fica iluminado por lamparinas vermelhas. É a noite das lanternas. Após a missa, a banda filarmônica da cidade sai tocando pelas ruas, com queima de fogos. Lindo espetáculo!
Além de nós cinco, o Lé levaria seu filho de 11 anos, o Davi. Aos 14 anos ele poderá ser um aprendiz de guia. A alegria estava estampada no rosto do menino.
30/05 – Vale do Porco Gordo
Saímos tarde de Rio de Contas para Arapiranga, porque o ônibus em que vinha Claudio, de Salvador, atrasou bem. Chegamos na vila apenas 13 horas. Lá deixamos os carros. Um frete providencial numa pick-up nos levou ladeira acima até o início da trilha, economizando uma hora e meia de caminhada.
Iniciamos uma bela subida a pé por uma mata que se regenerava. Um bom trecho tem calçamento da época dos escravos.
Apreciávamos a vista para o morro Cupim de Boi e para o anfiteatro de montanhas onde, no meio, avistávamos cada vez menor o povoado de Arapiranga.
No caminho visitamos uma toca de pedra com pinturas rupestres.
No topo, a quase 1.200 metros (desnível de 600 metros em relação ao povoado) começava o vale do Porco Gordo, com seus riachos, campos de altitude e curiosas formações rochosas.
No topo, começo do Vale.
A mais curiosa formação dá nome ao vale. A rocha, em equilíbrio improvável, parece para alguns um porco gordo deitado.
A depender do ângulo, me pareceu a cabeça de uma ave.
Tiramos muitas fotos.
Fábio descobriu uma toca próxima com uma passagem de 15 metros debaixo do solo. Ele, espeleólogo, não podia ver um buraco que entrava para explorar. Ganhou o apelido de Fábio Tatuzão.
Seguimos então para as margens do córrego Ouro Fino, a meia hora de distância, por gerais de caminhada fácil.
Antes do acampamento. A direita o morro do Curralinho em forma de pirâmide. Ao fundo, centro, no horizonte, a peculiar serra da Tromba.
Chegamos já noite no local de acampamento. A área para acampar não era grande, mas deu conta de 5 barracas.
Cada qual fez sua comida: os dois casais, Claudio e Lé (para ele e seu filho). Olhávamos com admiração e gula para a comida preparada pelo Lé, que carregava, entre outras coisas, tomate, cebola, temperos frescos, batata doce e aipim. Ele usava três fogareiros a gás simultaneamente! O queijo artesanal da região aumentava a nossa salivação.
Depois do jantar fomos, eu e Lúcia, tomar banho num poço um pouco abaixo no rio. Água fria!
A prosa foi em torno da fogueira, bebendo vinho reembalado em garrafas pet. Ficamos espantados com as marcas que mostravam até onde o rio subia no caso de fortes chuvas. Ali, naquele ponto, confluíam quatro córregos, explicando a força das águas.
Noite fria mas tranquila! Pudemos dormir tarde porque na manhã seguinte a previsão era de apenas cerca de 4 horas de caminhada.
31/05 Praia no sertão, a Cachoeira da Michelânia.
Café da manhã do Lé, bom começo de dia.
Saímos do acampamento apenas as 10:30. Antes visitamos a pequena cachoeira adjacente, do Porco Gordo, um lugar alternativo para o banho.
Caminho fácil. O Lé volta e meia nos mostrava plantas medicinais, como o barbatimão e frutas nativas que desconhecíamos. Havia bifurcações e nosso guia indicava o rumo correto. No horizonte, a Nordeste, onde o vale abria, avistávamos a inconfundível Serra da Tromba. Após a travessia de um riacho paramos para descansar e lanchar. Sol a pino.
Após o almoço seguimos. Pertinho estava o colado através do qual saímos do vale do Porco Gordo. Passamos a descer por um caminho arborizado. Descida contínua em direção a cachoeira da Michelânia. Passamos por garimpos de cristal abandonados. Já perto do rio Água Suja paramos numa fazendinha, onde conversamos com um sinhozinho, seu Jorge. Ali, como em tantos lugares do interior da Bahia (e do mundo), apenas os idosos ficam na zona rural. Os filhos vão para as cidades grandes onde tem melhores oportunidades de trabalho. Quando os idosos falecem, as terras ficam abandonadas.
Continuamos e chegamos em poucos minutos a margem do rio. Uma extensa praia de areia muito branca de quartzito nos dava as boas-vindas. Lugar maravilhoso.
Mas aquela areia também era um aviso. Ela foi trazida por inundações nos períodos de chuva. Tufos de palha nos galhos das árvores presos a 3 metros do chão, mostravam o quanto o rio Água Suja podia subir. A bacia de captação deste rio é muito grande. Mas estávamos tranquilos, a previsão era de tempo bom.
Após a montagem das tendas tomamos banho gostoso de rio e de cachoeira. Lugar privilegiado. A Michelânia é uma cachoeira com vários degraus, que se subdividem em várias quedas laterais. Uma das mais belas da região e possivelmente a maior das Serras Altas.
Eu e Fabio resolvemos economizar gás e álcool. Montamos nossos fogareiros de graveto de titânio. Com tempo seco eles são maravilhosos. O Fábio carregava um pequeno frasco de parafina líquida que torna uma covardia acender o fogo. Antecipamos o nosso jantar, que foi a luz do dia.
O cachorro que batizamos de Sorriso fez companhia.
De noite arrastamos lenha para o meio da praia e acendemos a fogueira tribal. Conversamos sentados e deitados na areia, em volta do fogo.
Davi alimentando a fogueira.
O sono foi bom. Apenas uma chuvinha pela manhã cedo.
01/06 – Vale do Água Suja e Poço do Melado
Nosso roteiro do dia seria subir o vale do rio Água Suja até chegarmos ao Poço do Melado/Rancho Fundo.
Foto de despedida da Michelânia.
Atravessamos para a outra margem com água abaixo do joelho e subimos um morro na lateral da cachoeira. Todo o trajeto pelo vale seria pela margem esquerda verdadeira do rio. Quase no topo do morro visitamos dois atrativos: pinturas rupestres e uma antiga mineração de cristais.
Em seguida fomos a parte superior da cachoeira. Mais fotos. Fabio e Cris descobriram numa reentrância da rocha o início de formação de delicados estalactites de opala.
A trilha estava bem demarcada. Bosta de cavalo indicava que havia passagem de cavaleiros. O Lé disse que mais acima havia uma pequena fazenda numa derivação da trilha. Possivelmente o cavalo vinha de lá.
Em determinado ponto abandonamos a trilha e descemos alcançando a margem do rio. A ideia do Lé era passar por belas cachoeiras que havia adiante. Mas o tempo estava nublado e o terreno era difícil (pula pedra). Eu, Claudio e Lucia decidimos voltar a trilha para termos uma progressão mais rápida e fácil. Lé, Cris, Fábio e Davi seguiriam pelo leito do rio e nos encontrariam num ponto onde retornariam a trilha, após passar pelas cachoeiras. Lé mostrou onde seria o local do rendez-vous.
Divididos em dois grupos, partimos. Em determinado ponto a trilha subiu a encosta e avistamos lá embaixo os que foram pelo rio.
Foto da Cris.
Mas com tempo nublado não estavam convidativas. Soube depois que apenas Fábio e Davi tomaram banho no poço delas. Gostamos da trilha por cima, tinha uma bonita visão panorâmica do rio a nossa esquerda, lá embaixo, e do vale. Muita vegetação e mata com palmeiras. Nem casas, nem pessoas em todo o trajeto.
Uma jararaquinha (Dryophylax phoenix) estava bem no caminho. O veneno não é muito forte e ela não é agressiva. Super de boas, segundo nossa consultora serpentóloga, Dra. Daniela Coelho, que viu a foto.
Como caminhamos por cima, sem banho, esperamos cerca de 40 minutos o pessoal subir do rio no ponto marcado. Aproveitamos para lanchar.
Após o reencontro seguimos por mais 3 horas. O vale é lindo, com muita mata.
O Lé contou que havia um projeto para fazer uma estrada Rio de Contas - Catolés passando pelo vale. Graças a uma funcionária do INEMA (órgão ambiental da Bahia), que denunciou que a estrada seria um desastre ambiental, a obra não foi adiante. Parabéns a ela, Ana Paula Soares da Silva, que hoje vive em Rio de Contas. Não a conheço pessoalmente.
Começamos a pegar chuva. Por volta de 16 horas chegamos no poço do Melado, local onde ocorreu um festival Rainbow há cerca de 20 anos. Cruzamos o Água Suja para a outra margem (direita verdadeira) e chegamos rapidamente numa área de acampamento entre árvores, com uma pequena cozinha coberta. Logo após, na curva do rio, num local com grande praia de areia, o Rancho Fundo. É uma construção com quarto, cozinha e varanda, onde nos alojamos. Este abrigo foi construído pelo pessoal de Arapiranga para uso comunitário. Eu e Lúcia reparamos que a parede externa do quarto foi pintada desde que estivemos lá em dezembro de 2023. Estávamos sozinhos lá apesar de ser sábado.
Eu, Lucia e Claudio montamos as duas Mongar 2 dentro do quarto. Só precisávamos do inner tent (tela mosquiteiro). Os demais montaram as tendas na varanda da casa.
Eu, Lé e Davi aproveitamos para tomar um banho de rio.
Pouco depois a chuva recomeçou. O cacau caiu. Muita água. Dissemos ao Lé que ele pensou tão bem a trilha que no dia da chuva planejou estarmos ali naquele refúgio. Estávamos muito bem abrigados. Cozinhar na chuva é um saco.
Na cozinha ampla fizemos chá, pipoca, sopa e a comida. Acabamos de beber o que restava do bourbon (whiskey) que levávamos conosco. Lé acendeu o fogão a lenha. Fez um prato para ele e outro para o filho, devidamente batizados de Barbado e Itobira, as maiores montanhas da região (e do Nordeste do Brasil). Qualquer semelhança com os pratos não é mera coincidência.
Aproveitamos para olhar e compartilhar as fotos destes dias. Uma chamou a atenção e foi motivo de muita risada. Parece que a IA do Xaomi da Cris fez a foto parecer uma cena de anime japonês. David se acabou de rir. Chorei de rir apesar de eu ser a vítima do bullying.
A foto.
02/06 – Cachoeira das Andorinhas
Acordamos após uma noite de chuva. O Fabio reportou ter ouvido um animal grande correndo pelo mato ao sair para urinar durante a noite. Mas a lanterna de cabeça não chegou a iluminar o bicho. Provavelmente um veado.
Após o café vestimos os anoraks e ponchos (ainda chovia) e partimos. Fabio vestiu o poncho invertido, com a face aluminizada para fora. Parecia o ET de Arapiranga, parente do ET de Varginha.
Após breve subida, chegamos no colo e iniciamos a descida. Lé vaticinou que o tempo ia abrir. De fato, ao chegarmos ao ponto na estrada onde começa a trilha para a cachoeira das Andorinhas, já era sol.
Lucia e Claudio preferiram continuar a descida pela estrada até Arapiranga, 7 km abaixo, pulando este atrativo.
A trilha para a cachoeira estava fechada, pouco transitada. Lé teve que usar o facão. Após 30 minutos andando no mato chegamos ao rio, justo no poço superior de uma alta cachoeira. Aproveitamos para lanchar. Era meio-dia. Dali subimos o rio pelas margens.
Devido as chuvas o rio estava volumoso e as pedras escorregadias. Deu trabalho chegar na Andorinhas, queda d’água encravada numa pequena garganta. Gritamos e as andorinhas, entocadas, responderam.
Depois das fotos descemos e pegamos uma trilha alternativa que saia mais abaixo na estrada, mais próximo de Arapiranga. Passamos por dentro de sítios bonitos.
Com uma hora e pouco chegamos à praça do povoado, onde havíamos deixado os carros.
A sinhorinha dona do estabelecimento em que compramos refrigerantes convidou Lúcia para lavar as ponteiras dos bastões de trekking (cheios de lama) na casa dela, no fundo da loja. Fui lá para avisar Lúcia que era hora de irmos. Acabei também ficando, depois que a senhora ofereceu um delicioso bolo. Hospitalidade do interior da Bahia. Tiramos uma foto com ela em frente da igreja de Arapiranga.
Depois de acomodarmos as coisas nos veículos voltamos para Rio de Contas, indo para o camping do Lé onde deixamos ele e o filho. Ofereceram o saboroso café Alto da Chapada (de Mato Grosso, o café mais alto da Bahia – plantado a 1.500 m), biscoito avoador e queijo artesanal.
Nos despedimos deles já com saudades. Iniciamos a longa jornada de 8 horas para Salvador, aonde chegamos na madrugada de segunda.
Não encontramos pessoas na trilha desde que saimos de Arapiranga, exceto no dia da Michêlania e descendo para Arapiranga, na volta.
Roteiro muito legal em excelente companhia, muito bem guiados pelo Lé. Pretendo voltar lá pela beleza e diversidade de cenários do circuito.
......
Recomendo muito o Lé. Guia exepcional. A diária dele é R$ 300 (junho 2024). Quatro dias custaram R$ 1.200 que divididos por 5 saiu R$ 240 para cada, valor muito razoável. Segue o contato.
Edwilson Almeida Ramos (Lé)
Pessoal: (77) 98169-1525
Agencia Local: (77) 98151-7213
Agencia Chapadatur (75) 98322-5830
Camping: (77) 98144-8849
Instagram: @nastrilhascomigo
O camping dele (Camping Rio de Contas) é bonito e bem estruturado. Ficamos lá. Diária de R$ 30 por pessoa.
Dedicado ao futuro grande guia Davi. Super alegre e incansável na trilha. Para ele tudo era diversão! A bem da verdade, para nós também!
Davi e a Michelânia.
Muito legal!! Mais um excelente relato, e um belo roteiro para conta!!
Baita relato e baita roteiro! Deu vontade de colocá-lo na minha lista para logo.
Danilo e Marcio: este circuito somos o segundo grupo a fazê-lo e o primeiro neste sentido. É muito legal.
Marcio, vai encontrar muito parente na vila portuguesa de Mato Grosso e em Rio de Contas. Tem muito Mafra na região!
Peter, mais um excelente relato ! Conheci o Lê quando subi Almas. Gente boa toda vida ! Vou fazer ainda alguns roteiros com ele. Talvez peça a ele essa guiada ai tb.
Abandonou o tarp ?