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Peter Tofte 12/07/2017 19:10
    Vila Fantasma do Rabudo e Outras Lonjuras da Chapada

    Vila Fantasma do Rabudo e Outras Lonjuras da Chapada

    Trekking de 3 dias com Cris e Fábio, por área pouco visitada da Chapada Diamantina visitando uma vila fantasma da época do garimpo.

    Trekking

    "Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia"

    Guimaraes Rosa.

    Lígia e Lucas, da Planet Outdoor de Salvador, fizeram parte deste roteiro de trekking em meados de junho e passaram as dicas. Conseguiram fazer a travessia rio Roncador – cachoeira do Samuel – rio Ancorado – rio Caldeirão – rio das Lajes e voltar para Lençois. A área do Samuel até a Lajes é pouco transitada dentro do Parque Nacional da Chapada Diamantina.

    Eu tentei fazer solo, anos atrás, o trajeto no sentido inverso, mas parei no rio Caldeirão. Não encontrei a continuação da trilha. Lucas e Lígia foram inteligentes: contrataram um guia que os levou até a cachoeira do Samuel e ao Ancorado, e que mostrou o início do caminho para o rio Caldeirão, onde já estiveram e podiam prosseguir com tranquilidade. A partir deste ponto eles é que ensinaram o caminho para o guia.

    A maior parte dos rios da Chapada corre no sentido Oeste - Leste, entre Lençóis e Andaraí, e deságuam no rio Santo Antônio. Estes rios correm em vales/cânions paralelos. Deste modo, fazer um percurso Sul - Norte envolve subidas e descidas. Os garimpeiros conheciam trilhas que percorriam toda esta área. Porém com o (quase) fim do garimpo no Parque Nacional elas passaram a ser muito menos usadas e hoje pouca gente conhece. Apenas duas ou três agências de trekking de Lençóis têm roteiros por estes locais. E mesmo assim não acham clientes facilmente, porque o nível de esforço e de dificuldade são altos.

    Eu propus para o grupo Bushcraft Bahia repetir a façanha de Lígia e Lucas, mas sem guia, já que agora tínhamos a informação deles. O casal Cris e Fábio topou, o que me deixou feliz porque além de serem bons de trilha são excelente companhia.

    Lucas me passou as informações essenciais e enviou para Cris os filminhos Gopro de alguns pontos mais críticos da trilha, para reconhecermos o caminho a seguir.

    RELATO

    Saímos quinta de noite e sexta de madrugada estávamos em (bons) Lençóis após somente 5 horas de estrada. Zé de Maninha não estava esperando na estação porque o busão chegou adiantado. Ele é guia e mototaxista e nos levaria, com mais dois mototaxistas, para o local onde pretendíamos iniciar a caminhada, a foz do rio Caldeirão, na estrada velha do garimpo.

    Ainda estava escuro quando partimos. Confesso que a parte mais emocionante da aventura, para mim e para Cris, foi trafegar pela estrada de terra, bem irregular, naquelas motos.

    Cerca de 45 minutos depois estávamos na foz do Roncador. Nosso objetivo era a vila do Rabudo, que não conseguimos visitar em janeiro deste ano, quando descemos o rio Caldeirão, devido ao extremo cansaço (ver o relato “Intocada!” aqui no Aventure Box).

    O Rabudo é uma vila fantasma da época do garimpo. No seu auge tinha até padaria. Fica num morro entre a estrada do garimpo e rio Caldeirão. O mapa do Sapucaia tem uma vaga indicação e graças a imagem do satélite do Google Maps pudemos ter uma ideia melhor do local das ruínas. O rabudo é um roedor típico da região.

    Seguimos pela estrada procurando por uma trilha que subisse para o local. Entramos por um caminho apagado que parava no sopé do lajeado do morro e começamos a subir.

    Subida para procurar o Rabudo.

    No topo chegamos numa típica área de garimpo. Rochas expostas formando um grande labirinto. A mineração retirou a terra que as envolvia, na busca pelos diamantes. A progressão foi lenta devido as fendas entre as rochas, até que chegamos numa área plana, arenosa, que recordava ter visto na foto do satélite. Visitamos uma pequena toca de garimpeiro.

    A vila estaria um pouco mais ao sul. De fato, subindo numa pedra, avistei um grupo de palmeiras, parecendo dendezeiros. Onde há árvores frutíferas e palmas na Chapada é sinal de que houve gente morando.

    Fomos naquela direção e avistamos o que parecia ser uma pequena torre de igreja, com uma cruz e apareceram as primeiras ruínas, casas feitas de pedra sem teto (a madeira/palha deve ter apodrecido há muito tempo) meio escondidas pela vegetação. Numa delas o Fábio achou uma cunha de ferro, provavelmente usada para cortar rochas.

    A torre de igreja na verdade era um altar em cima de uma pedra. Tinha incrustações de cristais como decoração e uma inscrição “1946”.O Santo ou Santa daquele altar há muito tinha ido embora, junto com os últimos moradores. Percebia-se que o altar outrora tinha janelas de vidro para proteger a imagem da intempérie.

    Sentamos numa laje ao lado do que era uma padaria com um grande forno a lenha, que ainda dava para assar pães e pizza na lenha.

    Lanchamos nosso café da manhã. Uma construção grande, a principal, ficava ao lado. A vila deveria ter algo como 20 casas. De algumas restava apenas a fundação.

    Não demoramos porque nosso objetivo era acampar ao final do dia na toca do Ancorado. Descemos por outro caminho, mais fácil, evitando transitar de novo pela área de garimpo, como fizemos na subida (labirinto de rochas). Chegamos rápido na mata a beira da estrada onde usei um pouco do facão. Ali perdi o terço inferior de um dos bastões de trekking. Este é um problema dos bastões com trava externa, se não apertar bem o parafuso isto pode acontecer.

    Após meia hora de andada chegamos na foz do Roncador. Tiramos fotos da bonita queda d'água e começamos a subir pelo leito do rio. Percurso inicial chato, bem acidentado, um bom desnível e a água obrigou-nos a tirar as botas uma vez. Escolhemos uma margem errada para andar. Sem guia perde-se um certo tempo porque é tentativa e erro.

    Cachoeira na foz do Roncador.

    Terreno chato logo no começo da subida do Roncador.

    Há uma trilha saindo do casarão do Roncador que facilita e poupa tempo, porém cobram uma taxa para ingressar nela. Como somos puristas (canguinha agora tem este nome) optamos por subir pelo leito sem usá-la. Passamos por um trecho desta trilha.

    Após cerca de uma hora de caminhada, a partir da foz, chegamos num setor plano onde era fácil andar pelas margens e andamos rápido. Mas logo depois o rio forma um desfiladeiro obrigando a subir pela sua margem direita verdadeira. Caminhamos por cima avistando o rio Roncador de águas cor de cerveja pale ale correndo abaixo (esta comparação veio do Fábio e da Cris que são fabricantes de excelente cerveja artesanal).

    Parece um condor pousado!

    Adiante descemos para o leito e adentramos num cânion. Não havia trilha. Normalmente seguíamos pela margem direita verdadeira. Subida lenta, cansativa, pulando pedra, impossível de seguir num ritmo constante. A cada momento tínhamos que matutar sobre qual caminho seguir, escolher o menos difícil. Um quebra-cabeça. Algumas vezes errávamos, obrigando a retroceder e trocar de margem. Sempre procurando evitar molhar as botas ou tirar/botar a bota (perda de tempo).

    Caminho facinho!!

    Quem tem experiência em caminhar por leitos de rio sabe como é cansativo. E um escorregão pode fazer a sua aventura acabar de forma séria.

    Estranhamos a demora em chegar na confluência do rio Roncador com o rio Ancorado (afluente do Roncador). Pelo mapa é um outro cânion chegando pela direita. Após três horas e meia nada de chegar nesta bifurcação. Lucas havia dito que a cachoeira do Samuel ficava a apenas 2,5 horas da foz. Sequer avistamos esta bifurcação, que fica meia hora antes da cachoeira.

    Consultei a bússola e notei que onde estávamos o rio subia rumo Norte. O mapa do Sapucaia mostrava o Roncador seguindo rumo Oeste. Concluímos então que havíamos passado a bifurcação e entrado inadvertidamente no Ancorado (que no trecho inicial tem rumo Norte). Decidimos voltar para ver se passamos pelo encontro dos rios sem perceber.

    Voltamos até o trecho plano, fora do cânion, porque ali vimos um canal de água que acreditamos ser apenas um braço do rio Roncador. Podia ser na verdade a bifurcação. Conversando, Fábio lamentou que o programa de GPS do seu celular não estava disponível porque teve de reconfigurar na assistência técnica o aparelho, um dia antes. Daí me lembrei que possuía um programa GPS no meu celular. Sequer havia cogitado de usá-lo em atividades outdoor porque seus mapas não são topográficos e sim para auxiliar na localização em ruas e estradas. Para minha surpresa apareceu um mapa pouco detalhado da região, mas mostrava o Roncador e o Ancorado. E estávamos bem abaixo da confluência!

    O GPS indicava que chegamos perto do encontro dos rios (cânions), mas como o cânion do Roncador é estreito e faz curvas não podíamos ver muito adiante. O mapa do Sapucaia não é muito preciso e a escala de 1:100.000 não ajuda. Tudo isto junto, com a informação de que bastavam 2,5 horas da foz do Roncador até a cachoeira do Samuel nos induziu ao erro.

    Porém, na verdade, acabou sendo ótimo.

    Estávamos cansados após uma noite de pouco sono no ônibus e havíamos subido o Rabudo, andado para o Roncador e iniciado a subida quase 11 horas da manhã. Os erros de trajeto decorrentes de não estarmos com guia também atrasaram. Além disto o guia também saberia qual o melhor caminho (por qual margem seguir) tornando mais rápida e eficiente a caminhada.

    Se tivéssemos insistido na subida acabaríamos por chegar na bifurcação e na cachoeira do Samuel provavelmente apenas ao anoitecer. Ficou claro que os locais para acampar seriam muito desconfortáveis. O terreno era muito acidentado, muito pedregoso, sem áreas planas.

    Assim voltamos e num trecho plano, com um bonito lajeado a beira do rio e areia, fizemos nosso acampamento, cerca de 16:30. Nesta época o sol se põem as 17:30. Armei minha tarpa (toldo) enquanto Cris e Fábio montavam a tenda.

    Após a janta tomei banho de rio no escuro. Choveu um pouco durante a noite. Fomos dormir cedo, exaustos.

    ………….

    As 7 horas estávamos de pé e após o café da manhã partimos 09 horas, determinados a alcançar a toca do rio Ancorado.

    Voltamos um pouco pelas margens e constatamos que o que pensavamos que poderia ser uma confluência de rios (ontem imaginamos isto) era de fato um braço do Roncador . Assim ficou confirmado o que o GPS já nos dizia.

    Chegamos ao ponto onde demos meia volta no dia anterior bem mais rapidamente. E o meu celular com GPS pegava sinal dentro do cânion. Constatamos que regressamos pouco antes da bifurcação, que estava escondida numa curva do cânion.

    Subimos pelo lado esquerdo uma bonita cachoeira sem nome (acho que na Chapada Diamantina só batizam cachoeira com altura acima de 100 metros!) e alcançamos a bifurcação onde avistamos a cachoeira do Ancorado. Dali quebramos para a esquerda, permanecendo no cânion do Roncador.

    Bifurcação. O Roncador segue pela esquerda. A frente a direita a cachoeira do Ancorado.

    Levamos ainda mais uma hora para o Samuel. Perdemos tempo ao eleger a margem esquerda verdadeira que chegava num ponto onde era impossível avançar sem cair na água (paredão de pedra). Voltamos e trocamos de margem onde ainda perdi um tempo procurando uma trilha que não existia num capinzal mais no alto.

    Os rios em cânions da Chapada são belíssimos, ladeados por paredões de rocha e uma estreita faixa de mata nas margens com vegetação exuberante. Mas estávamos cansados e focados no caminho, não dava para apreciar muito a beleza.

    Finalmente chegamos no ponto que Lucas avisou que deveríamos atentar. Cruzar o rio numa ponte natural de pedra passando para a margem esquerda verdadeira, bordear uma estreita plataforma numa rocha e, em seguida, subir por uma empinada trilha bem marcada no meio da mata. Desta forma conseguiríamos vencer uma imponente cachoeira bem a frente (que também não tinha nome). Sem a dica não saberíamos como prosseguir.

    A seta branca indica o caminho para atravessar o Roncador e alcançar a rampa de subida final para o Samuel. A cachoeira ao fundo é intransponível pelo leito do rio.

    No topo desta trilha avistamos a cachoeira do Samuel, uma das maiores e mais belas da Chapada.

    A foto abaixo engana, parece que a cachoeira é baixinha. Ela tem cerca de 100 metros de altura.

    Descansamos, tiramos fotos e lanchamos de frente para a queda d'água. Não chegamos a ir para o poço da cachu. Estava meio frio e ninguém queria se banhar. Também não havia tempo.

    Partimos antes das 14 horas. Saimos do cânion através da fenda do Samuel. O caminho é obvio e relativamente bem marcado. Começa a subir numa diagonal para a direita. Ladeira empinada. Os troncos do mato ajudavam no apoio. Após 20 minutos chegamos numa pequena crista que, percebi logo depois, era a esquina do cânion do Roncador com o Ancorado. Subimos bordeando pelo cânion do Ancorado, uns trechos em diagonal, outros diretos, com inclinação entre 30 e 55º. O problema é o terreno arenoso com algumas pedras soltas. Com chuva e lama deve ser divertido subir.

    Já quase no final, o crux da subida. Um pequeno trecho de escalaminhada onde devíamos procurar bem os pontos de apoio. Tirei a mochila, subi e Fábio passou-me a minha e a dele. Em seguida subiu e Cris repetiu o processo. Logo após uma rampa rochosa onde colocaram uma escada inclinada para facilitar a passagem. Fica difícil passar com mochila nas costas porque o paredão a direita forma uma pequena negativa. A minha ainda estava com o isolante de espuma preso atrás o que a tornava impossível mantê-la nas costas. Assim subi a com a mão direita na escada e a outra segurando a mochila pela alça. Não muito inteligente, porque o peso da mochila poderia deslocar a escada para o lado, fazendo-a despencar junto comigo.

    Apesar de, no conjunto, não ter muita exposição, a fenda dá uma adrenalina. Cris, que sofreu no elevador da Peterê/PNSO, também penou aqui. Particularmente acho o elevador bem mais fácil. Não tiramos fotos porque o cansaço e o foco estava todo na escalada. No trecho final uma pequena corda e um mosquetão seriam úteis, para puxar as mochilas.

    No topo a vista alcançava até os Marimbus a Leste (o pantanal da Chapada) e um vistão dos cânions do Ancorado e do Roncador. O topo da cachu do Samuel estava oculto mais abaixo e a direita.

    Seguimos e 50-100 metros depois uma bifurcação: a esquerda levava ao topo da cachoeira do Samuel e, a direita, a trilha para o rio Ancorado. Fiquei ali esperando Cris e Fábio visitarem o topo da cachoeira. Preferia ficar uns minutos descansando. Eles voltaram pouco depois dizendo que para a cachu descia muito e preferiram voltar.

    A visita ao topo da Samuel ficaria para outra ocasião. A trilha agora, por vegetação predominante de capim, era bem marcada e fácil. Abaixo a direita víamos o cânion e o rio Ancorado até que o caminho se afastou da borda.

    Cânion do rio Ancorado. Acampariamos as margens do rio mais acima.

    Com cerca de uma hora e meia chegamos as margens do Ancorado.

    Reparamos numa Quaresmeira florindo fora de época nas margens do rio.

    Dobramos a esquerda subindo o leito do Ancorado e logo avistamos uma represa construída pelos garimpeiros.

    Vista da represa a partir da toca.

    A jusante da represa ficava a toca do Ancorado, cerca de 6 a 8 metros acima do rio, dominando a vista. Toca excelente, ainda utilizada. Havia panelas, sal, condimentos e óleo de cozinha. Limpinha, organizada. Havia também isolantes num canto. Ficamos num trecho fora da toca, num varandão sob a laje, bem protegidos.

    Ainda havia sol e tomamos um bom banho de rio, lavando a roupa (melhor dizendo, molhando a roupa, sem sabão). Depois o jantar. Caprichada a comida de Cris e Fábio: lámen com grão de bico, salsicha, azeitonas e queijo. Eu, bacon com purê de batatas e molho de tomate. A deles estava bem temperada.

    De noite na varanda da toca ficamos contemplando o rio iluminado pela lua cheia, bebendo um destilado que trouxemos em pequenos recipientes (nenhum dos três fuma), conversando e dando risada. Momentos assim permanecem na memória. Lugar remoto e lindo. Apenas o barulho dos sapos e rãs e a luz da lua, estrelas e vaga-lumes.

    Fomos dormir bem mais tarde em relação ao dia anterior. Mas pretendíamos acordar cedo porque no dia seguinte, domingo, a volta seria bem longa e não teríamos carros ou motos para nos resgatar na estrada do garimpo. Lençóis estava bem distante.

    Paparazzi até na hora de dormir!

    …….

    O despertador tocou 5 horas, escuro. Acabamos dormindo mais um pouco. Uma leve chuva interrompeu nosso café a beira do rio. Fervemos a água e subimos para o abrigo da toca onde acabamos de comer e arrumamos a mochila.

    A subida do Ancorado, debaixo de leve garoa, foi lenta. O leito do rio era muito menos acidentado em relação ao Roncador, mas as rochas molhadas estavam bem escorregadias. Tínhamos que encontrar um totem de pedra na margem esquerda verdadeira, rio acima (a nossa direita) que marca claramente o início da trilha para o rio Caldeirão. Esta era outra dica importante do Lucas.

    Entretanto num trecho mais acidentado do rio, procurando fugir das pedras, Fábio encontrou uma trilha na margem. Subimos e seguimos a trilha que após alguns metros se afastava do rio. Parecia que descobrimos uma trilha alternativa antes do totem. Como ia na direção certa, um selado nas montanhas, prosseguimos. Trilhas sobre pedras e lajeados são difíceis. Em alguns trechos surgiam dúvidas, por onde continuar? Mas conseguímos acertar.

    O céu estava baixo e chuviscava, Começamos a subir para o selado, ótimo para espantar o frio. No topo, olhando para trás, não enxergamos nada do vale abaixo, envolto em nuvens Prosseguimos pela trilha apagada. Sabíamos que estávamos nela porque víamos os sulcos debaixo do capim.

    Subindo o selado. Fábio usando a excelente mochilha DIY (marca FACRI).

    Finalmente o céu abriu e descortinamos à frente, ao longe, o que parecia ser a montanha do lado direito de quem sobe o Caldeirão rumo a cachoeira da Intocada. Chegamos ao final do platô do selado e avistamos abaixo o vale do Caldeirão e, um pouco a direita, o rio das Lajes.

    Final do platô. Fábio está apontando em direção a Cachoeira das Lajes.

    A descida foi mais trabalhosa que a subida. Além do caminho não ser óbvio, parte dele era por uma canaleta de pedras por onde escoava água. Escorregava que nem quiabo, levei dois tombos.

    Finalmente baixamos ao chão do vale, após duas horas depois da partida da toca do Ancorado. A trilha rumava para a direita e chegou no Caldeirão entre o local que acampamos em janeiro e a cachoeira do Caldeirão. Fotografamos para recordar, caso um dia fizéssemos o sentido inverso. Aquela saída no rio não era nada óbvia. Dificilmente alguém a encontraria. Não há totens marcando o ponto.

    Encontramos uma trilha lateral pela margem esquerda do rio até o local que havíamos acampado e paramos para lanchar. Comecei a tremer um pouco. Parado senti o frio da roupa molhada. Minha calça estava bem suja e com rasgos. Podia pedir esmola com ela.

    Não estávamos mais em terra incognita. Conhecíamos todo o trajeto pela frente. Em 40 minutos avistamos a cachoeira das Lajes, com bastante água (em janeiro estava praticamente seca).

    Logo antes da cachoeira Lajes um bosque com uma profusão de bromélias.

    Lajes.

    Troquei de mochila com o Fábio, eu queria experimentá-la. Fábio e Cris compraram cordura e a fizeram com base num modelo da Salewa. Excelente costura. Gostei muito, bem confortável. É um modelo que você coloca o isolante de espuma no costado para dar rigidez. Apenas 470 gramas. O Bushcraft BA está dizendo que é o modelo de estréia da FACRI, nova marca de mochila (FAbio e CRIs).

    Da Laje fomos para a Toca do Ailton e de lá descemos para a estrada velha do garimpo na altura da foz do rio Piçarras. Chegamos na estrada cerca de 15:30. Teríamos ainda, aproximadamente, 2 horas de claridade. Levaria mais tempo para chegar a Lençóis. Na estrada é tranquilo andar no escuro. Mas deveríamos alcançar o rio Ribeirão ainda no claro, para facilitar a travessia.

    Andamos meio que no automático porque completávamos quase 10 horas de caminhada. Cris disparou na frente, era difícil acompanhar o ritmo dela. Acho que ela estava na pilha de uma pizza e uma cerveja.

    Chegamos em Lençóis no escuro. Conseguimos uma pousada que aceitou pagarmos por um banho. Aff, finalmente banho quente de sabonete e roupa limpa. Sorte do passageiro que iria ao nosso lado no ônibus para Salvador.

    Pizza e cervejas para comemorar o bom termo de um belo trekking, difícil mas bonito.

    Minha gratidão a Cris e Fábio. Sempre tranquilos, atenciosos, alto astral, com bom preparo físico. Excelentes companhias.

    DICAS

    A região é bonita e pouco frequentada. Quem quiser fugir do Pati, muito explorado, muito comercial, pode optar por ela. Mas esta é uma trilha difícil mesmo para quem tem experiência de trekking e navegação. Caso não tenha esta experiência toda e não possua informações de pontos-chave da trilha vá com um guia ou agência.

    Zé de Maninha ((75) 99929-9615) leva de moto até o ponto que o trilheiro desejar, na estrada velha do garimpo. Até o rio Caldeirão custou R$ 60. Para grupos maiores é melhor contratar a Toyota de Sandro. Mais barato e seguro.

    Vale a pena também contratar o resgate. Economiza uma boa pernada de volta.

    Como a subida do rio Roncador é cansativa, pessoalmente acho melhor ir para a Cachoeira do Samuel por cima, seguindo o sentido inverso ao que adotamos.

    Evitar a época de fortes chuvas, novembro a março. Este roteiro tem muita travessia e caminhada pelo leito de rios. Lucas e Lígia presenciaram uma tromba d'água mesmo em junho, no rio Ancorado.

    Devemos ser bastante auto - suficientes. Depois que saímos da estrada do garimpo, na foz do Roncador, apenas vimos um guia e duas senhoras logo no início do rio. Por três dias, até voltarmos a estrada do garimpo, não encontramos mais gente.

    Leve uma corda (8 metros bastam) com um mosquetão. Não é imprescindível mas ajuda a içar as mochilas no final da fenda do Samuel. A depender, pode servir como segurança. Uma corda sempre é útil.

    Peter Tofte
    Peter Tofte

    Publicado em 12/07/2017 19:10

    Realizada de 07/07/2017 até 09/07/2017

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    4 Comentários
    Lucas Andrade 13/07/2017 08:52

    Show mestre Peter! Que bom que as dicas serviram e que a tripo foi um sucesso... Voltaremos novamente em Setembro pra explorar a Engrunada e cachu do Ancorado! E esse trio é danado viu!!! Abraço!

    Peter Tofte 13/07/2017 12:38

    Valeu Lucas! Suas dicas foram muito importantes!

    Joao Ornellas 13/07/2017 22:02

    Grande Peter, um dia quero ter a honra de fazer uma trilha com você! Excelente relato, rico em detalhes e dicas, por um minuto me transporte ao senário e até esqueci o hospital onde aguardava meu pai na emergência. Muito obrigado! Grande abraço!

    Peter Tofte 14/07/2017 07:05

    Valeu João! Minha mãe é idosa e também sei o que é esperar numa emergência. Melhoras para o seu pai. Espero que possamos em breve fazer uma trilha!

    Peter Tofte

    Peter Tofte

    Salvador, Bahia

    Rox
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    Carioca, baiano de criação, gosto de atividades ao ar livre, montanhismo e mergulho. A Chapada Diamantina, a Patagônia e o mar da Bahia são os meus destinos mais frequentes.

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