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Raffael 04/29/2024 11:50
    TRAVESSIA MARCO 22 / RIO DO NUNES  VIA AGUDO CATITA

    TRAVESSIA MARCO 22 / RIO DO NUNES VIA AGUDO CATITA

    Trajeto realizado por trecho de mata completamente fechada, desfiladeiro, vales, rios e cachoeiras (absurdamente perigoso).

    Mountaineering Trekking Waterfall

    Quase após três anos da conquista do Agudo Catita, voltávamos às terras altas dos marsupiais a fim

    de encontrar uma passagem que chegasse a um ponto denominado Caçador em sua base a nível do

    mar de altitude. Caçador é referência ao resquício oculto de área de caça ilegal que encontramos

    em meio às sombras da floresta. Em 2023, a partir do recanto Rio do Nunes até o Caçador, já

    havíamos tentado, sem sucesso, a ascensão ao Catita, chegando apenas na cota 700, ficando

    impossibilitado de continuar devido à parede totalmente vertical que se formou em nossa direção.

    Nesta empreitada, mas com destinos distintos, formamos aliança com o valoroso grupo: GAMM

    (Grupo Avançado de Montanhismo Micuim), montanhistas da antiga arte da exploração e abertura

    de trilhas, e nós, os Kavalos Lokos (Eu, Elcio e Kadu), andarilhos das montanhas, impelidos pelo

    desejo de desafios e aventura.

    Nosso ponto de encontro foi na ancestral Casa Gaber, um reduto na sombra do Morro do 7, onde

    nossos carros repousavam enquanto adentrávamos o coração selvagem da Graciosa a partir do

    Marco 22.

    Como sempre, a trilha do Marco 22 até o Salto Mãe Catira fluiu bem: uma caminhada tranquila,

    sem preocupações. Durante o percurso, ao nos aproximarmos do salto, encontrávamos dois

    iniciantes naquela região fazendo a travessia em direção a InterAgudos.

    Porém, logo após o Dique Diabásico, aquela velha floresta começou a mostrar suas garras. Árvores

    caídas, como sentinelas abatidas de uma era esquecida, obstavam nosso caminho, desafiando-nos a

    encontrar a antiga trilha. Enquanto lutávamos contra aquela vegetação emaranhada, nossa trupe se

    distanciava dos valorosos GAMM, cada grupo seguindo seu destino, como estrelas cruzando o céu

    noturno.

    Ao chegarmos à base do enigmático Catita, depositamos nossas mochilas e, armados apenas com

    facões e lanternas, buscávamos a luz do dia para guiar nosso caminho. Promissora, a jornada era

    marcada pelo estrondo das águas, e logo encontramos um rio (Rio do Medo conforme indicado nas cartas topográficas) que serpenteava ao lado da montanha, um caminho de águas que desafiava a ser desvendado.

    À medida que a noite lançava seu manto sombrio sobre a mata, nosso retorno à base do Catita

    tornou-se uma provação desmedida, uma verdadeira jornada através dos umbrais do desconhecido.

    O crepúsculo, entrelaçado com um nevoeiro denso e encantador, desenrolava-se como uma cortina

    de místicos vapores, envolvendo a floresta em um abraço etéreo e impenetrável. A luz de nossas

    lanternas lutava em vão contra essa névoa espessa, que parecia beber cada fagulha de claridade,

    deixando-nos apenas com sombras dançantes e contornos fantasmagóricos.

    Perdidos momentaneamente em um véu de esquecimento, desorientados pelo cansaço que pesava

    sobre nossos corpos e almas, uma incerteza quase palpável se insinuava entre nós. O ar frio e

    úmido impregnava nossos pulmões, cada respiração um lembrete das antigas lendas das terras

    nevoentas que, segundo contos antigos, eram morada de espíritos e entidades esquecidas pelo

    tempo.

    O desânimo nos envolvia como uma segunda pele, uma camada de dúvida e resignação que nos

    desafiava a desistir. Contudo, a necessidade de reforçar a trilha do dia anterior pesava sobre nossos

    ombros com a gravidade de uma montanha. Era óbvio que se mantivéssemos o curso ladeira acima,

    chegaríamos às nossas mochilas, mas o desânimo de encarar vegetação fechada não animava

    ninguém.

    Cada passo, guiado pelo tênue instinto e memória da terra sob nossos pés, era um ato de fé e

    coragem, enquanto o mundo ao nosso redor sussurrava segredos velados pelo tempo. Somente

    mantendo nosso curso, sempre ascendendo pela encosta íngreme, poderíamos esperar reencontrar

    nossas mochilas e, com elas, um refúgio contra as sombras que a noite tecia ao nosso redor.

    Entre um perdido e outro, retornaríamos ao ponto onde deixamos as mochilas e iniciaríamos a

    subida ao Catita. Este trajeto, por sua vez, também não estava dos melhores. Poucos montanhistas o

    visitam, assim a vegetação tende a criar barreiras que fazem mais que dobrar o esforço para chegar

    ao cume.

    Ao cume, com todos bivacados exceto o Kadu, que estava de barraca, agora era hora de tentar

    descansar naquela noite úmida, quase uma chuva de tão molhado que estava devido à condensação

    da neblina, e encarar o restante do percurso do outro dia. Nesta hora, já estávamos cogitando nos

    atirar até o Rio do Nunes, pois o trajeto de volta ao Marco 22 não animava ninguém, sabendo que

    iríamos pegar todo aquele percurso com árvores caídas.

    No amanhecer seguinte, revigorados pelo espetáculo do sol ascendendo sobre os Agudos e

    fortalecidos por um robusto café preto, retomamos nossa descida pelo rio, agora um aliado em

    nossa busca. Sinalizamos aos GAMM, cujas vozes ressoavam ao longe.

    A descida pelo rio, que outrora mostrava promessa, transformou-se em uma jornada de desafios

    constantes. Alternávamos entre avançar pelas suas águas e seguir pela margem, evitando cachoeiras

    cujo canto traiçoeiro sussurrava perigos. Com cada passo descendo a correnteza, a terra em volta se

    revelava mais hostil. Em um ponto crítico, ao desviar o trajeto de uma cachoeira, nos deparamos

    com um grande deslizamento; seria possível descer, porém a chance de queda de pedras era

    enorme, assim decidimos derivar mais em uma vegetação ruim de transpor. Como não bastasse a

    vegetação ruim, o relevo começava a piorar. Aquela encosta era apenas o prelúdio de adversidades

    maiores que nos aguardavam.

    As cachoeiras eram de uma beleza majestosa, algumas facilmente navegáveis, outras nos forçavam

    a abraçar a vegetação circundante em busca de segurança. Em certos trechos, descíamos sentados,

    agarrando-nos às pedras escorregadias. Em certo momento, uma situação crucial se apresentou

    diante de nós: o ponto de não retorno. A cachoeira que descemos tornou impossível qualquer

    pensamento de retorno, dada a sua periculosidade. Nesse instante, a esperança residia na chance de

    que caminhos futuros oferecessem passagem. Sem sinal de GPS, encoberto pelas imensas paredes

    do cânion, e com o sinal de celular completamente ausente, estávamos à mercê dos caprichos da

    natureza.

    Por mais sorte que juízo, encontrávamos passagens, ainda que perigosas, que com cautela íamos

    transpondo, até finalmente penetrarmos a mata densa em direção ao enigmático ponto “caçador”.

    Liberados dos perigos intermitentes daquele cânion implacável, a jornada restante até o recanto do

    Rio do Nunes parecia simples, mas transformou-se numa penitência interminável. Eu, estando com

    os pés encharcados há dois dias, sentia cada passo como uma provação maior. O caminho, embora

    conhecido, escondia suas armadilhas habituais: trilhas que perdíamos o rastro e árvores caídas

    necessitavam de constante vigilância. E as formigas, essas pequenas sentinelas da floresta, de

    tempos em tempos escolhiam nossas pernas como trilha, adicionando uma dose de urgência e

    desconforto à nossa marcha.

    Aos trancos e barrancos, como popularmente dizem: “só no pó da gaita” chegávamos à civilização.

    Ao passar por uma das chácaras, trocamos uma leve conversa com um conhecido nosso que sempre

    nos recebe quando fazemos alguma investida na região. Nessa conversa era hora de colher alguma

    informação de como conseguir um resgate para nos levar até ao nosso carro.

    Já era fim de tarde, entre uma conversa e outra, já no recanto Rio do Nunes nada fluía a fim de

    conseguir alguma carona, táxi ou uber, sem contar que o sinal de celular ali também não

    funcionava. Sorte que uma das lanchonetes estava aberta e foi cedido o sinal de Wi-Fi a fim de

    tentar o resgate.

    Nossa melhor aposta era o Gaúcho de Porto de Cima, em Morretes. Ele já havia nos resgatado na

    travessia Rio do Nunes/Marco 22, porém estava no Rio Grande do Sul. Ele indicou outro táxi que

    poderia fazer o resgate, porém por estar em alguma corrida em região onde o sinal não funcionava

    direito, não conseguíamos entrar em contato com ele. Mesmo estando no extremo sul do Brasil, o

    Gaúcho, uma vez montanhista e sempre muito gente boa, fez a intermediação para conseguir

    contatar seu colega taxista e nos resgatar.

    Ao embarcar no resgate, voamos até a Casa Gaber, pois ele já tinha agendado outras corridas;

    assim, a longa distância até nosso destino poderia complicar sua agenda. Neste tempo, já com

    algum sinal de celular, não tínhamos notícias do pessoal do GAMM. Sabíamos que poderiam ter

    algum atraso, mas a esperança era que, ao cruzar o Marco 22, encontrássemos eles ou então que os

    carros deles já não estivessem na Gaber, sinal de que haviam finalizado a trip e retornaram para o

    conforto de suas casas.

    Ao chegar na fazenda, todos os carros ainda estavam lá, neste caso só restava aos Kavalo Loko

    seguir embora para descanso e esperar por notícias dos demais montanhistas.

    “Estes mandariam notícia mais tarde, 2h da madrugada saíram do Marco 22 com 100% de êxito na

    tarefa de abertura da trilha.”

    Raffael
    Raffael

    Published on 04/29/2024 11:50

    Performed from 04/20/2024 to 04/21/2024

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