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Travessia Longitudinal Da Serra Do Voturuna

Travessia Longitudinal Da Serra Do Voturuna

Travessia de treino, com cargueiras, entre Santana do Parnaíba e Pirapora do Bom Jesus.

Trekking Montanhismo

Travessia Longitudinal do Voturuna

Com as chuvas do início do verão de 2020 não dando quase que tréguas aos FDS, não hesitei muito em aceitar o convite da Amanda para participar de uma pernada de treino, perto de São Paulo. A travessia escolhida, da Serra do Voturuna, não ensejava grandes riscos, mesmo assim segui o protocolo de buscar me informar previamente e considerar os possíveis perrengues para arrumação da mochila. Imaginamos fazer a pernada num grupo pequeno, de não mais que seis pessoas. O feminino estaria representado pela Amanda, a Vanessa e a Ariane. Eu chamei dois amigos que sabia que andavam bem: o Rodrigo Oliveira e o Marcus Rama. Infelizmente, o alinhamento de planetas os tiraram da trupe… paciência, quando não é para ser, pra que se aborrecer?

Como sairia de Santos na manhã de sexta e não passaria em casa antes da pernada, arrumei a cargueira antes de dormir na quinta. Coloquei isolante para ajudar a organizar as coisas dentro dela, duas garrafas de agua de 2,5 litros cada, cobertor de emergência, duas blusas de segunda pele, dentro de um saco estanque, um pequeno fogareiro, pacotes de sopa instantânea, kit de primeiros socorros e remédios. A possibilidade de precisarmos abrir passagem, caso o vara-mato estivesse por demais fechado, me levou a colocar um facão na lateral da mochila. Coloquei uma capa de chuva, a boa e velha tríade de queijos, mel e chocolates para alimentação de trilha. Completaria a alimentação com vinho e dois sandubas, preparados na véspera. Escolhi a cargueira de 40 litros, que permitia arrumar tudo sem precisar socar demais. Para hidratação usaria duas garrafas de 500 ml presas as alças da mochila, deixaria de fácil acesso um pequeno filtro sawer para consumir as aulas encontradas durante a caminhada e manter o peso da cargueira o mais constante possível.

Na sexta, aproveitei o horário do almoço para imprimir as cartas topografias do pedaço de Brasil que palmilharíamos e que havia estudado previamente, cotejando com alguns relatos para ter uma ideia mínima do que nos esperava. Coloquei o track de referência no GPS, de forma a auxiliar a navegação e servir de safa-onça caso a navegação visual pelos cumes fosse prejudicada ou impossibilitada pela neblina ou pelo cair da noite.

Sábado aproveitei para comprar um monte de tralha que já devia faz tempo, almoçar com meu filho, jogar basquete no Ibirapuera e rever alguns amigos na Sumaré. A beleza da lua de sexta feira, me levou a propor anteciparmos a pernada, começando a subir as 3 h, de forma a curtimos a Lua de Neve e o nascer do sol do alto da serra. A reprimenda da Amanda me trouxe aa realidade e, no mínimo levou minhas colegas de pernada a colocar (ainda mais) em suspeita a minha sanidade. Como quem está na chuva, está para se molhar também, mantivemos a última forma, com o encontro no metro Sacomã as 7 horas de domingo.

Ansioso que sou, 2:40 já estava de pé, revisei as previsões do tempo, atualizadas minutos antes e procurei ocupar a cabeça, adiantando a leitura do livro da vez, à falta de algo melhor para fazer. Com o relógio marcando 6h parti para encontrar as meninas e pouco após as 8h estávamos com o grupo completo, aa caminho de Pirapora do Bom Jesus, onde deixaríamos o carro, antes de seguir de uber até Santana de Parnaíba, de onde partiria a caminhada. Paramos para um breve café e pouco após as 9 horas começamos a lenta subida ao primeiro cume da serra, na região do Bairro das Lavras. A toponímia é reveladora: aquela região houve exploração de ouro nos idos de 1590. Com o avanço da sanha extrativista para o interior do que então era o “estado" de SP (Mato Grosso, Minas, todo o sul e, salvo engano, parte da Bahia), a região passou por um lento declínio na atividade mineradora, tendo atualmente, minas de dolomita, quartzo e caulim em atividade.

Seguimos a rua das lavras até o portão nos barrar a passagem, e, aa exemplo do amigo que disponibilizara o track, contornamos a cerca pela esquerda, ganhando altitude de forma gradual até que a estradinha que seguimos se desfaz numa íngreme ladeira com voçorocas a devorar lentamente o que já fora leito carroçável. Tocamos para cima, fazendo pequenas pausas para retomada de fôlego e contemplação da paisagem que cada metro de altitude conquistado desnuda ante nossos olhos. Pouco antes das 11 horas, alcançamos o primeiro cume do dia, um morro sem nome, a partir do qual conseguia-se avistar o Morro Voturuna à Sudoeste. Com ele em vistas fomos contornando a cerca, perdendo altitude em direção ao selado entre o sem-nome e o Voturuna. Caminhávamos com cuidado, o capim alto ocultando eventuais rastros de passagens anteriores. A busca de um ponto que permitisse ultrapassar de 4 arames bem esticados, deixava a pequena dúvida se seria necessário retomar sobre nossos passos para alcançar a passagem, que encontraríamos apenas junto a duas caixas de agua de 10 000 l cada. Tomei ali pouco menos de 300 ml de agua de chuva acumulada nas tampas. Retomamos a caminhada, com o remanescente de uma estrada de servidão que desce em direção a parte baixa da mineradora, nos facilitando o caminhar, até que a estrada abandona a cerca e voltamos a segui-la montanha acima até o cume do Morro Voturuna com 1092 metros de altitude registrados na carta. De seu cume, iniciamos uma descida suave em direção aa mata densa que há no colo entre os morros Voturuna e do Voturuna. Nessa descida, diversos “caminhos de rato” consumiram alguns minutos em idas e vindas antes de encontrarmos a entrada para o bosque, notadamente mais fresco em função da mata mais fechada e da maior umidade que havia ali, em contraponto ao campo do entorno. Atravessamos o bosque e avançamos pela área de campo até uma das pequenas nascentes do Ribeirão do Paiol. Apreciei muito a agua geladinha e ficaria mais uns bons minutos se uma ferroada, seguida de várias outras, não sinalizasse que não éramos bem quistos ali, naquele momento. Parecia que se desenhava um dos perigos reais nessas trilhas, um ataque de abelhas ou, menos mal, de marimbondos. De forma a não alarmar muito as meninas, passei a incentiva-las a subir sem demora pela encosta. Se o caminho estivesse errado, depois voltaríamos para corrigir, mas naquele momento precisávamos nos afastar da nascente e da nuvem de, felizmente, marimbondos. No afã de acelerar a subida, repeti várias vezes: “vai, vai, vai” e teria dito até um “corre”. Sei que falei para a frente, de forma a justificar a celeridade, “marimbondos”. Mais detalhes, a adrenalina tratou de apagar. Após nos afastarmos uma centena de metros, não sentia novas ferroadas, exceto nas costas, de forma que tirei a cargueira e a camiseta para verificar se havia algum (ou alguns) agarrados a ela. Não nego que fiquei aliviado a o encontrar um maribondo na alça da mochila, definitivamente, não eram abelhas e já havíamos nos afastado o suficiente do ninho para sermos considerados ameaça. Passamos Caladryl nas picadas, tomei um comprimido de Alegra e retomamos a caminhada, buscando o cimo da pequena elevação à nossa esquerda e que seria por onde alcançaríamos a crista para as subidas finais do dia. Chegamos ao ponto marcado como “Paredão” no track, e ficamos admirando a paisagem enquanto fazíamos o lanche. A Amanda cedeu um litro d’agua e preparamos uma limonada bem razoável para a hora e lugar. Com as forças renovadas, depois de encontrarmos o celular da Amanda, retomamos a caminhada, descendo em direção ao colo entre a elevação em que estávamos e o ombro do Morro do Voturuna, que passamos a subir, ganhando metros preciosos de altitude, após fazermos muitos registros da beleza do Cânion que se descortinava à direita. Após breve caminhada, contornamos uma pequena mata pela esquerda, com a nascente bem preservada seguindo um morro pela direita, avançando lentamente pelo capim viçoso que crescia ali, abrigado dos ventos mais intensos e com água em abundância. Alcançamos o cume do Morro do Voturuna, onde algum colega de trilha levou um marco de concreto e fincou uma bandeira com os dizeres “Algumas pessoas nunca tem loucuras. Que vida realmente horrível elas vivem”. A altitude ali, registrada na carta topográfica é de 1238 metros, e a visão desimpedida em todas as direções. Fizemos uma breve pausa para apreciar a beleza do local e tirar algumas fotos. Como já passava das 15:30 e nossa estimativa de chuva era para as 16 horas, retomamos a caminhada, perdendo altitude rapidamente pela crista da serra, de forma a minimizar o perigo com as descargas elétricas, tão comuns nessas tempestades de verão. As nuvens negras no horizonte se aproximavam rapidamente, impulsionadas por fortes ventos de noroeste, e pontualmente, às 16 horas estávamos sob a tempestade, com a chuva nos atingindo pela lateral: com os fortes ventos, ela não “caia” na vertical, mas na horizontal... foi lindo de ver, gostoso de sentir e impressionante para as meninas menos experientes. Felizmente, não tivemos nenhum raio ou trovão, e em pouco mais de 10 minutos, a grossa cortina de água foi substituída por um chuvisco que nos acompanharia até o final da trilha. Descemos a encosta coberta de braquiária, cuidando para não escorregar no capim molhado e atentos à possíveis buracos escondidos pela vegetação alta. Passamos quase que incólumes por uma infinidade de maribondos-cavalo, até que quase ao final da descida, a Van foi contemplada com uma ferroada de advertência na perna. Assim que saímos da encosta, ofereci o Caladryl para que espalhasse na região da picada. Apesar de uso tópico, tem se mostrado eficiente para esse uso.

Retomamos a descida, agora por uma estradinha tomada pelo capim e com trechos de piçarra escorregadia, que resultaram em vários sustos e alguns tombos. Com pouco menos de uma hora de estradinha, alcançamos uma antiga vila operaria de manutenção de uma mineradora. Contornamos a cancela e seguimos numa longa estradinha até o asfalto, onde viramos à direita e tocamos em frente, as pernas começando a sentir o abuso em relação às jornadas diárias costumeiras. Nossa treinanda para a Serra Fina, sofria com algumas dores no pé direito, mas não aceitou em nenhum momento que eu levasse a cargueira.... persistente e determinada, claudicou até o final, mas não roeu a corda... dá gosto de ver o evoluir dessa nova geração de trilheiros. Com o anoitecer, pequei emprestada a lanterna de cabeça da Vanessa para sinalizar a nossa presença na pista, pois como a pista estava molhada pela chuva, um motorista menos atento poderia nos colher na beira da estrada, que nesse trecho é bastante sinuosa e com trânsito razoável.

Pouco depois das 19:30, chegamos no carro e, enquanto as meninas se trocavam, fui tratar de pegar uma coca e dois pastéis para recuperarmos as energias gastas. Iniciamos a volta para casa, combinando de avisarmos conforme chegássemos. A Ariane foi a última a chegar, pouco antes das 23 horas.

6 Comentários
Ariane Galindo 12/02/2020 07:13

Foi incrível! Valeu demais pela cia e ensinamentos!

Foi um prazer trilhar com vcs!

Rafael 25/02/2021 18:50

Opa, estou me preparando para essa trilha, obrigado por compartilhar o relato! Você teria algum gpx para compartilhar? E poderia me ajudar com uma dúvida: onde encontro cartas topográficas da região para baixar? Abraços!

Camarada, desculpe a demora na resposta. Não tenho gpx dessa pernada, não costumo salvar o caminhado. Quanto as cartas topográficas podem ser baixadas no site do IBGE. Tenho aqui comigo, por coincidência a montagem que fiz para essa pernada. Se puder mande o celular que lhe envio uma foto dessa montagem.

Rafael 03/03/2021 20:14

Opa, obrigado pela resposta! Você tem Instagram? Te sigo e nos falamos por lá, o que acha?

tenho, mas não posto nada lá... RogerioAlexandre Francisco... acresci a imagem da carta montada aqui

Rogério Alexandre Francis

Rogério Alexandre Francis

Santos e SP

Rox
401

Montanhista de FDS, engenheiro de formação, aficionado por historia, geografia e biologia. O cume não pode ser a maior alegria da pernada.

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