AventureBox
Crie sua conta Entrar Explorar Principal

Desde a primeira edição do Sobre Mapas e Montanhas falamos sobre dados geográficos e o quanto eles podem ser úteis para o planejamento de atividades de montanha. Você sabia que muitos dos desafios que encontramos em trilhas, travessias e escaladas podem ser previstos apenas com a observação de imagens de satélite? Através destas podemos identificar os trajetos possíveis, a existência de grotas e vales a serem transpostos ou contornados, os paredões rochosos que podem ser barreiras ou o objetivo da atividade, e outras características de determinada área.

A princípio, fazer a “leitura” de imagens de satélite pode parecer um pouco complicado. Mas basta alguns minutos de prática para se acostumar com a ideia de observar o mundo em outra perspectiva. Com um olhar atento podemos fazer algumas inferências sobre a área, mesmo sem nunca ter estado lá anteriormente.

Na Figura 1, à esquerda, temos uma foto do Abrigo do Açu, no PARNASO. À direita, uma imagem de satélite da mesma área. O telhado verde característico do abrigo pode parecer difícil de ser identificado, mas após um tempo observando a imagem se torna claro que aquela feição retangular em destaque não é algo natural.

Figura 1 – Abrigo do Açu/PARNASO.

A cor da vegetação ao lado do abrigo (verde mais escuro) e no canto inferior esquerdo da imagem contrasta com um verde mais esbranquiçado em suas laterais e próximo aos afloramentos de rocha, que aparecem em tons de cinza. Essa diferença nas cores são indicativos de mudanças na vegetação em si. Nos locais de verde escuro existe vegetação fechada, de maior porte, que gera maior sombreamento, enquanto nas áreas de verde claro a vegetação é mais rasteira.

O aspecto linear da vegetação verde escura também nos dá uma dica do que podemos encontrar ali. Afinal de contas, onde nas montanhas iremos encontrar um adensamento de vegetação de maneira mais linear? Se pensou em corpos d'água você acertou! Identificar a drenagem em uma imagem é uma informação útil, pois caso seja necessário atravessá-la em nossa caminhada, devemos esperar por um terreno mais íngreme. Sem contar a possibilidade de ser um local para o reabastecimento de água.

Agora vamos para outro exemplo (Figura 2). Suponha que você foi chamado para uma atividade de manejo de trilha há muito tempo abandonada, localizada na sub-bacia do rio da Gávea Pequena, no Maciço da Tijuca. Você não tem nenhum conhecimento prévio sobre a trilha ou o local onde ela está e precisa se preparar para a atividade, descobrindo algumas características básicas do terreno que irá encontrar. Para isso, você pode consultar as imagens de alta resolução do Google Earth. Você consegue identificar os rios, trechos mais íngremes e afloramentos rochosos? Olhe com atenção, pois essa imagem pode te fornecer informações muito valiosas.

Figura 2 – Sub-bacia do rio da Gávea Pequena com indicação dos rios e destaque para afloramentos de rocha em vermelho.

Figura 3 – Afloramentos de rocha destacados na Figura 2 em outra perspectiva.

A parte urbanizada, à esquerda do limite amarelo, apresenta construções e pequenas clareiras na mata, indicando o local mais provável para acesso. Nas porções norte e nordeste é possível perceber algumas manchas pretas em meio ao verde da vegetação. Estas manchas são as sombras provocadas pela combinação entre a inclinação do terreno e os raios solares. Inferimos, portanto, que toda essa região aparenta ser mais difícil transpor, considerando o relevo inclinado.

E quanto aos rios, como identificá-los? Observe como na porção central da imagem, o verde quase homogêneo ganha tons mais escuros. Aqui vale o mesmo princípio da análise que fizemos no primeiro exemplo. A presença de um rio e sua umidade alteram as características da vegetação em seu entorno, tornando essa coloração mais escura.

E onde estão os afloramentos de rocha na imagem? Preste atenção na parte sul e sudeste da imagem, nos locais onde o verde da vegetação dá lugar para tons de cinza. Essa é a coloração característica para os afloramentos de rocha em uma imagem de satélite. Pelo conhecimento que temos de áreas de montanha no Rio de Janeiro, podemos esperar que onde há rocha exposta, muito provavelmente haverá um paredão íngreme, muitas vezes transponível apenas por escalada.

Por fim, utilizando a interpretação de imagens também podemos encontrar possibilidades de trilhas em locais onde não existam informações detalhadas ou onde não há um compartilhamento de tracklogs de fácil acesso. Apresentamos um exemplo na Figura 4, onde delimitamos uma possível trilha de entrada à clássica travessia da Serra de São José, em Minas Gerais. Esta opção começa em São João Del Rei ao invés da entrada mais conhecida em Tiradentes. Na imagem, o caminho mais conhecido está demarcado em azul enquanto a trilha proposta está em amarelo.

Figura 4 – Início alternativo da Travessia da Serra de São José-MG.

É claro que esse tipo de análise pode não ser exata. Em campo, tudo pode ser diferente e a trilha sequer existir. Então é importante estar atento à data de aquisição da imagem, que está indicada na barra inferior do Google Earth, bem como a todos os outros caminhos possíveis. Uma trilha segura, demarcada e bem conhecida sempre será a melhor opção.

A correta interpretação de imagens requer prática, mas com um pouco de dedicação você verá a diferença no seu planejamento. Se quiser praticar, escolha tracklogs de locais que você conhece, abra-os no Google Earth e tente identificar as feições que você encontrou pelo caminho. Use o seu conhecimento de montanha aliado ao entendimento de como as coisas se desenvolvem na natureza, os padrões costumam se repetir. Existe uma ciência que trata somente da aquisição, processamento, interpretação e análise das imagens de satélite: o sensoriamento remoto. Falaremos mais a respeito em futuras edições. Bons estudos!

_____

O projeto Sobre Mapas e Montanhas é publicado periodicamente nos boletins do Centro Excursionista Brasileiro - CEB e replicado aqui no AventureBox. Para acessar o boletim na íntegra, acesse: https://www.ceb.org.br/category/boletins/

Por Bruno Negreiros, Gabriel Lousada e Rafael Damiati.

9 Comentários
Sobre Mapas E Montanhas 10/09/2021 19:11

Obrigado Dri!! São textos pequenos, mas que esperamos poder agregar conhecimento a quem lê!

O meu caminho da fé 12/09/2021 07:45

Muito bom!!!

Sobre Mapas E Montanhas 13/09/2021 10:07

Obrigado "O meu caminho da fé"!!!

Rodrigo Oliveira 13/09/2021 22:18

Bem legal. É uma ferramenta deveras útil, que uso bastante. Na última expedição, vujo relato esta aqui no Adventure Box "de volta ao vale do água suja" foi preponderante para terminarmos um dia antes. Graças ao estudo do satelite encontramos o inicio de uma trilha ha muito perdida e daí foi puro rastreamento. Muito legal compartilhar esse conhecimento.

Sobre Mapas E Montanhas 13/09/2021 22:25

Uma ferramenta não muito complexa se comparada a tantas outras por aí, mas de uma utilidade imensa né, Rodrigo?? Que bacana seu comentário! Agora vamos ler o seu relato!!!

Rodrigo Oliveira 13/09/2021 22:32

Com certeza! Super simples, pratica e de utilidade capital. Espero que curta o relato. A gente, aqui na Bahia, precisa muito da influência da cultura de montanha, de formar montanhistas e nao turistas arruaceiros e gente desconectada.

Sobre Mapas E Montanhas 13/09/2021 22:35

Rodrigo, relato bacana. Ficamos da dúvida aqui se a consulta foi feita para o início da aventura ou para a parte em que vocês estão sem orientação próximos aos afloramentos rochosos (via alguma imagem salva no celular).

Rodrigo Oliveira 19/09/2021 17:17

O estudo foi a priori. Como ja tinhamos estado la para a primeira fase da expedição, tinhamos o track que criei no GPS, e um mapa topo da região. Eu não costumo usar celulares em campo.

Sobre Mapas E Montanhas

Sobre Mapas E Montanhas

Rio de Janeiro

Rox
286

Apresentação e discussão de temas relevantes das geociências, suas tecnologias e áreas afins, no contexto do montanhismo. Por Bruno Negreiros, Gabriel Lousada e Rafael Damiati