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Transespinhaço: Travessia Diamantina à Barão de Cocais
Uma caminhada solo de 12 dias pela Serra do Espinhaço entre as regiões de Diamantina e Barão de Cocais
Larga Distancia TrekkingPRELÚDIO
Há um bom tempo estava planejando fazer uma travessia mais longa das que já havia feito até então. Pelas minhas últimas vivências pela Serra do Espinhaço, colocar essa ideia em prática andando por lá seria uma experiência desafiadora. Uma região com áreas remotas de exuberante beleza, temperaturas amenas, vegetação mais rasteira em meio aos campos rupestres e no geral bastante água pelo caminho. Um cenário ideal para uma longa travessia.
Meu plano original era começar em Diamantina e terminar em Ouro Preto. Entretanto, devido ao pouco tempo que restou no final do caminho, abortei a travessia na cidade de Barão de Cocais. A ideia era fazer totalmente autônoma, dormindo em acampamentos selvagens e levando comida para 15 dias.
A travessia aqui realizada é parte da trilha de longo curso TransEspinhaço (TESP). A TransEspinhaço é uma das mais antigas e principais trilhas de longo curso do Brasil. Seu trajeto se entende ao longo da cadeia de serras do Espinhaço, interligando diversas Unidades de Conservação pelo caminho. Podendo chegar a mais de 1.200 km de extensão, a trilha nasce em Minas Gerais e termina na Bahia, na região da Chapada Diamantina.
Devido à sua complexidade, passei alguns meses planejando o percurso. Utilizei como base o trajeto de referência proposto pelos grupos de trabalhos (GTs) da TESP e também informações na internet das muitas travessias já existentes no Espinhaço.
O Espinhaço sempre foi uma região já bastante visitada, o que ajudou nas informações prévias. Porém, ainda andei por algumas áreas em que não havia encontrado informações ou relatos que alguém tivesse passado. Nesse sentido, fui andando às cegas em relação aos pontos de água e de possíveis locais para passar a noite. Nesse último quesito, andei todos os dias sem fixar um local de acampamento previamente, apesar de ter uma lista de alguns lugares que costumeiramente são utilizados e que eu poderia dormir.
Ressalto que, as informações contidas aqui, foram as escolhas que fiz de percurso, e que podem ser usadas como base para que os leitores montem suas logísticas de travessias mais longas pelo Espinhaço. Em cada dia destacarei outras opções de roteiros próximos que não fiz. Existem muitas possibilidades de atrativos e lugares para se visitar, com trilhas diferentes, umas mais longas e outras mais curtas etc.
Esse relato não tem pretensão de ser um relato de aventura instigante, com uma narrativa empolgante. Tem apenas o intuito de servir de referência para aqueles que queiram fazer a TransEspinhaço. Peço desculpas caso em alguns momentos a leitura seja cansativa ou massante. A travessia em si, que é instigante, ao longo do caminho são paisagens diferentes, sendo empolgante do começo ao fim. Em tempo, nenhuma palavra seria suficiente para descrever tamanha beleza da Serra do Espinhaço. No mais, espero que o relato seja útil para àqueles que queiram informações para melhorar a sua logística e planejamento.
INFORMAÇÕES
- Tipo: Trekking autônomo e independente com planejamento do percurso e navegação realizados por conta própria;
- Distância total: 270 Km;
- Ganho de elevação: 6100 m;
- Dias: 12 dias;
- Época: A melhor época para realizar a travessia seria logo após o inverno nos meses de abril e maio;
- Data: 22 de abril de 2024 a 4 de maio de 2024;
- Tracklog: Wikiloc;
A TRAVESSIA
A travessia tem 270 km e levou ao todo 12 dias de caminhada, sem incluir dias de parada para descanso e para recarga dos equipamentos eletrônicos. Comecei na região de Diamantina e terminei na cidade de Barão de Cocais. Foi feita de forma solo, carregando os próprios equipamentos e comida para 15 dias.
Para melhor estruturar a escrita, resolvi dividir a travessia em três trechos, sendo o primeiro trecho de Diamantina à Serra do Intendente, o segundo da Serra do Intendente à Serra do Cipó e o terceiro e último da Serra do Cipó à cidade de Barão de Cocais.
Cada trecho foi dividido em dias, organizando-os de forma cronológica por dia de caminhada. Foram 4 dias para concluir o primeiro trecho, 3 dias o segundo e 4 dias o terceiro. Cada trecho é uma sub-travessia da travessia completa e tem seus dias e dificuldades específicas. Caso não disponha de todos os dias para fazê-la em uma única investida (thru-hiking), você pode concluí-la por trechos, fazendo em diferentes épocas do ano (section hiking).
A trilha TransEspinhaço faz parte da Rede de Trilhas e devido a sua extensão, está sendo estruturada em setores e trechos. Cada setor pode incluir várias Unidades de Conservação, e dependendo da sua distância, pode ser dividido em diversos trechos. Não necessariamente, um trecho seria um dia de caminhada. Dependendo da proposta, um trecho poderia ser feito em um ou mais dias. Essa divisão, além de estruturar melhor o percurso da trilha, visa também organizar os voluntários em torno da trilha, criando grupos de trabalhos por regiões.
Além de ser longa longitudinalmente, o Espinhaço também tem seus campos rupestres extensos transversalmente. Desse modo, há muitas possibilidades de caminhos, muito ainda por ser um ambiente, na grande maioria, de vegetação rasteira. Com relação aos capões de mata, em todos existiram trilhas.
Durante o meu planejamento, tentei ao máximo ser fiel ao traçado original proposto pelos grupos de trabalho da TESP. Entretanto, por questões de logística, conveniência e do meu tempo disponível, fiz alguns ajustes no meu percurso que serão mencionadas ao longo dos dias.
Como dito anteriormente, os pontos de acampamento não foram definidos previamente. Tinha conhecimento de pontos que são frequentemente utilizados pelas travessias existentes, porém fui com uma proposta de durante o dia caminhar o que conseguisse, sem saber onde iria dormir.
O tipo de terreno foi bem variado. Foram dias andando por campos rupestres em percursos mistos de trilhas e estradões, além de trilhas em capões de mata. Em algumas partes do percurso não há trilhas demarcadas. Certas vezes, elas chegaram a sumir e depois aparecerem mais à frente. Experiência em navegação com GPS ou mapas com bússolas é essencial.
A maior parte dos dias teve abundância de água pelo caminho, o que permitiu caminhar mais leve. A caminhada foi por entre as principais nascentes, riachos e ribeirões e rios que fazem parte das bacias do Rio Doce e do Rio São Francisco.
O primeiro trecho (TRECHO 1: DIAMANTINA À SERRA DO INTENDENTE) tem 94 km e está dividido em quatro dias. Começa na região de Diamantina e termina nas proximidades da Serra do Intendente. O primeiro dia (DIA 1 - DIAMANTINA À BOCAINA) tem 22 km com 300 m de elevação. Começa na comunidade Tropa Velha e segue até a comunidade Bocaina na região de Gouveia. Entre os atrativos estão o Vale do Pasmar e as Cachoeiras do Pasmar e do Barão. O segundo dia (DIA 2 - BOCAINA À SERRA DA MATA VIRGEM) tem 21.5 km e 565 m de elevação. Esse dia ainda continua por Gouveia e termina na Serra da Mata Virgem. Grande parte do terreno é por estradão com trechos curtos de trilhas. O terceiro dia (DIA 3 - SERRA DA MATA VIRGEM AO CÓRREGO DO BICHO) tem 27 km e 544 m de elevação. Esse dia sai dos limites de Gouveia e adentra na região de Santana do Pirapama. O dia finaliza nas proximidades do início do Córrego do Bicho. O atrativo principal é o vale do rio Paraúna. O quarto dia (DIA 4 - CÓRREGO DO BICHO AO CÓRREGO DOS PILÕES) tem 24 km e 413 m de elevação. Esse dia segue inteiramente pela região de Santana do Pirapama e termina nas proximidades do rio Preto. Foi um dos dias mais difíceis e cansativos da travessia finalizando o primeiro trecho.
O segundo trecho (TRECHO 2: SERRA DO INTENDENTE À SERRA DO CIPÓ) tem 81.5 km e foi feito em três dias. O percurso passa pela Serra do Intendente e termina na Serra do Cipó. O quinto dia (DIA 5 - CÓRREGO DOS PILÕES À SERRA DO INTENDENTE) tem 30 km e 878 m de elevação. Esse dia sai da região de Santana do Pirapama e finaliza em Conceição do Mato Dentro, no início do Parque Estadual da Serra do Intendente. Os principais atrativos foram a Serra Talhada, o vale do rio Preto, o ribeirão Congonhas e o início da Serra do Intendente. O sexto dia (DIA 6 - SERRA DO INTENDENTE A SEU ZÉ DE NICO) tem 29 km e 430 m de elevação. Esse foi um dia longo, caminhando pela Serra do Intendente e depois pela Serra do Tabuleiro, na região de Conceição do Mato Dentro. Finalizei na região de Santana do Riacho, passando a noite nas proximidades da propriedade de Seu Zé de Nico. O sétimo dia (DIA 7 - SEU ZÉ DE NICO À CASA DE TÁBUAS) tem 22.5 km e 785 m de elevação. Esse dia entra nas áreas do Parque Nacional da Serra do Cipó, passando pelas regiões de Morro do Pilar, Santana do Riacho e Jaboticatubas. O ponto de pernoite foi na Casa de Tábuas, um dos pontos de acampamentos permitidos dentro do parque.
O terceiro trecho (TRECHO 3: SERRA DO CIPÓ À BARÃO DE COCAIS) tem 83.5 km e foi feito em três, dias. O percurso passa pelo PARNA Serra do Cipó e termina dentro da cidade de Barão de Cocais. O oitavo dia (DIA 8 - CASA DE TÁBUAS AO VALE DO RIBEIRÃO BANDEIRINHA) tem 26 km e 625 m de elevação. Esse dia começa o terceiro trecho. Ele continua pelo Parque Nacional da Serra do Cipó, pela região de Jaboticatubas, e finaliza um pouco depois da Cachoeira Brauninha, nos limites do PARNA Serra do Cipó. O nono dia (DIA 9 - VALE DO RIBEIRÃO BANDEIRINHA À NOVA UNIÃO) tem 28.5 km e 706 m de elevação. Esse dia sai do PARNA Serra do Cipó e segue caminhando pelas regiões de Itabira e Nova União. O ponto de pernoite ficou sendo em uma pousada na cidade de Nova União. O décimo dia (DIA 10 - ANTÔNIO DOS SANTOS À CACHOEIRA DO LEÃO) tem 16 km e 613 m de elevação. Esse dia começa a caminhar pela região de Caeté e termina nos campos rupestres na região de Barão de Cocais. Um dos dias mais tranquilos da travessia. O décimo primeiro dia (DIA 11 - CACHOEIRA DO LEÃO À BARÃO DE COCAIS) tem 13 km e 388 m de elevação. Esse dia finaliza a travessia na cidade de Barão de Cocais. Grande parte do caminho foi por estrada rural passando por um trecho da Estrada Real.
Esse percurso contém as atrações, os pontos onde passei a noite, pontos de água, bifurcações e outros pontos de acampamento. Relato com logística e mais detalhes da trilha abaixo.
TRECHO 1: DIAMANTINA À SERRA DO INTENDENTE
DIA 1 - DIAMANTINA À BOCAINA
A travessia começa na comunidade Tropa Velha, região de Diamantina/MG, e termina na comunidade Bocaina pertencente à cidade de Gouveia/MG. Foi um dia de caminhada moderada, mesclando estradão e trilhas em campos rupestres com bastante pontos de água pelo caminho. Me hospedei em Diamantina um dia antes de começar a travessia. Enquanto organizava os últimos detalhes da logística, consegui o contato do taxista Baiano que me levou no dia seguinte até o início. Há pontos de táxi na rodoviária e em outros pontos espalhados pela cidade.
São quase 20 km até o local onde escolhi para começar a trilha. Seu Baiano me deixou às margens da estrada rural MG-220, ao lado da porteira da comunidade Tropa Velha. A mesma encontrava-se aberta e tomei o rumo da direção sul, uma direção quase que constante durante a travessia, para o povoado de Barão de Guaicuí, na região de Gouveia.
Início da travessia na Comunidade Tropa Velha
O ponto onde comecei foi uma das minhas primeiras alterações em relação ao percurso original proposto pela TransEspinhaço (TESP). Na região de Diamantina, o traçado original vem de Milho Verde e do Parque Estadual do Pico do Itambé e depois chega em Barão de Guaicuí pela Trilha Verde da Maria Fumaça. A Trilha Verde da Maria Fumaça é uma ecovia criada a partir de um antigo ramal ferroviário que ligava as vertentes da Serra do Espinhaço ao sertão mineiro.
Por questões de tempo, visando diminuir o percurso, resolvi começar pela Tropa Velha e passar direto pelo Vale do Pasmar. O mesmo também pode ser visitado pela trilha do TESP, porém aumentando um pouco a distância, já que seria um side trip a partir de Barão de Guaicuí.
A primeira atração da travessia é um local conhecido como Vale do Pasmar ou Serra do Pasmar. Lugar com uma beleza cênica, de flora riquíssima, sítios arqueológicos e formações geológicas. Uma palinha do que viria pela frente caminhando pela cadeia do Espinhaço.
Esse é um dia moderado, mesclando estrada e trilha. A maior parte bem demarcada, com exceção de pequenos trechos sem trilha especificamente no setor do Vale do Pasmar, porém que não prejudica a progressão por ser uma caminhada em campos rupestres. Vários pontos de água durante todo o dia, o que me fez caminhar com meio litro de água apenas.
Começando da porteira da Tropa Velha, são cerca de 1 km de estrada até chegar numa trilha nas proximidades do Pasmar. Ela estava bem demarcada, porém com vegetação mais alta em certos pontos. Nada que atrapalhe a caminhada. Siga a trilha e pegue à direita na bifurcação para descer em direção à Cachoeira do Pasmar. Até a cachoeira são mais cerca de 1.5 km.
Saindo da cachoeira e pegando de volta a trilha, chega-se ao córrego do Pasmar, onde correm as mesmas águas que vêm da cachoeira. Há um ponto de acampamento depois do córrego do Pasmar. À medida que segue adentrando o Vale do Pasmar, a rocha em formato ondulado, avistada quase que de todo lugar, vai ficando cada vez mais visível. Mais a frente, o percurso começa a contorná-la até entrar de fato dentro do vale.
Vale do Pasmar
Dentro do vale há dois locais com pinturas rupestres: umas logo de início no paredão à direita e outras contornando o paredão do Pasmar. Visitei apenas as do primeiro paredão. Depois das pinturas, o vale começa a surgir. Dentro dele a trilha é bem batida, porém, em determinados pontos, sumia e aparecia novamente.
Algumas das Pinturas Rupestres
Caminhando mais um pouco pelo vale chega-se ao povoado de Barão de Guaicuí, na região de Gouveia. Surgido em torno da antiga estação de trem, o vilarejo ainda conserva muito bem o belo prédio da estação. Nesse ponto, o percurso volta ao trajeto original da TESP. A antiga estrada do trem passa ao lado da trilha para a Cachoeira do Barão, onde parei para almoçar e descansar um pouco.
Após um banho energizante, voltei novamente para a estrada e adiante, numa porteira, peguei à esquerda uma trilha em direção à Comunidade da Bocaina, local onde passei a noite. Dessa porteira, até pegar novamente uma estrada, são 4 km de trilha em campos rupestres. Ainda há três pontos de água até chegar no acampamento, o último fica no córrego Mangabeira que encontrava-se com muita água. Aqui, eu divergi um pouco do percurso original da TESP, pois o mesmo segue em direção ao povoado de Cuiabá.
Cachoeira do Barão
O ponto de acampamento acabou sendo improvisado por conta da hora já adiantada do dia. Como não conhecia os possíveis pontos de acampamento seguintes, acabei dormindo ao lado de um roçado, num ponto que saia fora da estrada principal.
Montei minha barraca ao lado de uma plantação de pinheiros. Como corria água ao lado, seria um bom lugar para montar a barraca. A água provavelmente seria proveniente do Córrego Tombador que descia mais embaixo.
Local de acampamento da primeira noite
DIA 2 - BOCAINA À SERRA DA MATA VIRGEM
Esse dia ainda continua por Gouveia e termina na Serra da Mata Virgem, também na região de Gouveia. Foi um dia com grande parte do terreno por estradão e trechos curtos de trilhas. Caminho estava aberto, com exceção de um pequeno trecho fechado por capim braquiária, depois do Ribeirão da Areia.
O início da caminhada tem vista para o vale do córrego Tombador e depois para o paredão de rocha da Serra do Engenho. Um belo afloramento rochoso que vai surgindo à esquerda. Há boa oferta de água, porém não existe água próximo ao ponto onde passei a noite. Tive que levar água do último ponto de água que passei. Usei durante a noite e no começo da manhã do dia seguinte.
São cerca de 12 km até o Ribeirão da Areia caminhando por um estradão que segue descendo na maior parte do tempo. Há cerca de 3 km achei um ponto de acampamento, com água do Córrego Tombador (afluente do Ribeirão da Areia) que desce mais embaixo. Seria um bom local para ter passado a noite anterior.
Após passar pela Fazenda do Engenho, chega-se ao Ribeirão da Areia. Fiz uma parada estratégica para descansar, almoçar e tomar banho. Logo no início da ponte, fui pela direita para chegar às margens da água. Local com uma bela vista para a Serra do Engenho.
Ribeirão da Areia com vista para a Serra do Engenho
Após a parada, atravessei a ponte e entrei na bifurcação da estrada à direita. Percurso em subida moderada por estrada aberta ao lado da mata de galeria do Ribeirão da Areia. Mais na frente a mata fica mais presente e começa aparecer trechos curtos de vara-mato em capim braquiária. O capim estava muito alto o que dificultou um pouco a progressão. Nesse setor, o percurso de referência da TESP segue mais pela direita até passar pela pousada Fundão de Minas. Porém, preferi seguir pela trilha que eu já estava.
Passado o capim, a trilha fica aberta e dermacada até o riacho do Galho (córrego Lajeado), outro afluente do Ribeirão da Areia. Esse foi meu último ponto de água do dia. Como não achei possíveis pontos de água próximos da onde eu planeja acampar, esse local seria o último ponto de água do dia. Peguei água para utilizar no acampamento e até o começo da manhã do dia seguinte.
Sempre-vivas sempre ao longo do percurso
Até chegar ao acampamento são quase 5 km por uma estrada vicinal. Esse trecho final do dia ainda ganha uma altitude considerável, saindo da cota dos 1100 m de altitude indo para os 1350 m no local de pernoite. Algumas subidas longas e fortes, mas a vista compensa demais. Cheguei no topo da Serra da Mata Virgem, e como estava se aproximando do final do dia, fiquei procurando um local para passar a noite. Dei uma vasculhada e achei um ponto com uma bela vista para a região de Gouveia.
Havia pouco espaço plano e achei apenas um local para uma barraca, mas era possível obter outros espaços planos, apesar da vegetação rasteira. Apesar de meio improvisado, foi um dos melhores pontos de acampamento. Uma bela paisagem para o lado leste do Espinhaço, com vista para a cidade de Gouveia, o Pico do Itambé e no lado sul, uma vista para os morros de Camilinho.
Era noite de lua cheia e enquanto ainda o sol se punha, a lua começava a nascer. Belo momento da travessia. Montei minha barraca virado para o lado leste e já planejava acordar cedo no outro dia para ver o nascer do sol.
Nascer da lua na Serra da Mata Virgem
Como de costume, acordei cedo para ver o sol nascer, e tive o privilégio de acompanhá-lo subindo ao lado do Pico do Itambé. Não esperava essa vista espetacular e acabou sendo um dos grandes momentos da travessia.
Vista do Pico do Itambé no ponto de acampamento na Serra da Mata Virgem
Mirante leste com vista para o Pico do Itambé à esquerda
DIA 3 - SERRA DA MATA VIRGEM AO CÓRREGO DO BICHO
Esse dia sai dos limites de Gouveia e passa pelo vale do rio Paraúna adentrando na região de Santana do Pirapama. Passei a noite nas proximidades do Córrego do Bicho, um dos afluentes do Paraúna. Um belo trecho com mais uma vez terreno misto entre estradas e trilhas. Caminhada pela bacia do Paraúna onde há uma boa oferta de água pelo caminho. Um dos atrativos é o belo vale do rio Paraúna.
A caminhada começa descendo a serra em direção à rodovia BR-259, a mesma que leva até Gouveia e Diamantina. Durante a descida é possível ir vendo a região de Camilinho. Chegando na BR, andei por cerca de 5 km no asfalto até pegar a entrada do caminho que leva até o rio Paraúna. Uma alternativa que evitaria o asfalto, seria a estrada que passa pela comunidade do Camilinho e depois pelo Cemitério do Peixe. Esse é o caminho proposto pelo traçado planejado da TESP. Preferi fazer esse desvio pela BR, por ser uma rota já bem estabelecida por quem faz travessias nesse setor.
Vista para a região de Camilinho
Na beira da rodovia há um ponto de apoio com venda de caldo de cana, queijo, pão com linguiça, etc. Dei uma parada para comer um pouco e aproveitei para carregar os equipamentos eletrônicos. Depois de me hidratar, peguei um pouco de água e segui mais um pedaço pelo acostamento até chegar na estrada vicinal à esquerda do asfalto. Por esse trecho, são cerca de 12 km até o rio Paraúna, um importante curso d’água que faz parte da bacia do rio São Francisco. Até chegar ao rio, na maior parte descendo, alterna-se entre estrada e trilha em campo rupestre.
Saindo do asfalto, a estrada começa pelo vale do córrego Contagem que fica entre a Serra do Indaial e a Serra do Barro Preto. Há duas alternâncias entre estrada e trilha em campo rupestre. A primeira trilha surge à direita da estrada, onde começa a trilha do Capim Prata (bem curta 2 km), e a outra trilha, começa mais a frente à esquerda da estrada.
Após a última trilha, a estrada surge novamente e começa a descida mais forte até chegar ao rio Paraúna. No local há uma ponte feita de madeira com algumas tábuas soltas e outras deterioradas por cupim. Passei devagar e com cuidado para evitar problemas maiores.
Bem no local da ponte o vale fica aberto, mas em volta o vale afunila com paredes de rocha altas e estreitas. Estava correndo bastante água. Fiquei ali por um instante, admirando a água fluindo e adentrando as paredes do vale. Agora era hora de encarar a subida que continuava pela estrada com vários trechos fortes e íngremes. O terreno é batido, mas com cascalho e ravinas ocasionadas pela erosão da água da chuva. A vista do vale compensa qualquer esforço.
Vista do cânion do Rio Paraúna na direção do Cemitério do Peixe
Já próxima do final da subida a estrada acaba e o percurso dessa vez seguiu por uma trilha. Ela segue em direção do Ribeirão do Bicho, um dos principais afluentes do rio Paraúna, e continua próximo a ele, por dentro do vale. Nesse setor, para encurtar a distância, resolvi seguir pelo vale, porém no trajeto planejado da TESP, o percurso vai mais pela direita, subindo a serra, na direção de Fechados (povoado de Santana de Pirapama).
Passei por dois ranchos até acampar um pouco depois do Rancho do Mauro, próximo a um dos afluentes do Bicho. Nesse setor há vários bons lugares para acampar e com água próximo.
Local de acampamento ao lado a um dos afluentes do Córrego do Bicho
DIA 4 - CÓRREGO DO BICHO AO CÓRREGO DOS PILÕES
Esse dia segue inteiramente pela região de Santana do Pirapama e termina nas proximidades do rio Preto, um dos afluentes do rio Cipó. Foi um dos dias mais difíceis e cansativos da travessia. Em grande parte devido ao cuidado com a navegação, pelo fato de grande parte das trilhas em campos rupestres não estarem muito bem consolidadas.
Em alguns trechos a trilha sumia e era preciso reencontrá-la mais a frente. Havia trechos sem trilha demarcada ou batida, sendo importante sempre checar se a direção estava correta. Há muitas bifurcações de trilha de gado, e sempre é preciso ver se não está saindo da rota. Algumas levam a direção correta, mas outras desviam e acabam saindo muito do percurso. Então é importante procurar sempre se manter ao máximo no trajeto.
O início do dia segue caminhando através do vale do Bicho. Lugar muito bonito. São quase 11 km por um percurso de campo rupestre com trilha sumindo em alguns pontos, até terminar numa cerca depois do Rancho do Adão. A trilha estava suja principalmente no início, sempre nas proximidades dos afluentes do Bicho, sendo aproximadamente seis afluentes até chegar no Rancho do Adão. O nome Adão vem do nome do cachorro bravo que mora por lá. Quando cheguei, falei com os trabalhadores da fazenda que autorizaram a minha passagem, enquanto acalmavam o Adão que latia muito. No local vende-se queijo, como estava sozinho não comprei a peça, mas pude provar um pedaço oferecido pelos trabalhadores da fazenda.
Campo sujo no vale do Córrego do Bicho
O vale do Bicho termina a 3 km do rancho, próximo a uma cerca que divide o Córrego do Bicho e o Córrego do Barbado. Um pouco antes da cerca, a trilha some, e é preciso andar sobre o capim. Depois da passagem da cerca, o percurso sobe para a vertente da serra do lado direito e segue em direção ao Rio Preto.
Após uma breve subida, são quase 9 km por um percurso com trechos planos e de descida suave até chegar ao Rio Preto. Logo mais a frente, aparece o visual da Lapinha com o Pico do Breu e o Pico da Lapinha. Desse momento em diante, a trilha fica bem demarcada e batida. O Rio Preto é um dos afluentes do rio Cipó e possui belas formações da cadeia do Espinhaço. Realmente um lugar muito bonito.
Descida até o Rio Preto
Margens do Rio Preto
Mais embaixo há a cachoeira do Rio Preto, não cheguei a descer para ir lá. Continuei caminhando ao lado do Córrego dos Pilões e passei a noite mais a frente. O ponto de acampamento não foi num lugar muito propício, mas foi o que deu no momento. Tive bastante dificuldade para especar a barraca. Solo muito duro e usei as partes de capim para facilitar.
Local de acampamento da quarta noite
TRECHO 2: SERRA DO INTENDENTE À SERRA DO CIPÓ
DIA 5 - CÓRREGO DOS PILÕES À SERRA DO INTENDENTE
Esse dia começa o Trecho 2. Ele sai da região de Santana do Pirapama, passa por um pedaço de Congonhas do Norte e finaliza em Conceição do Mato Dentro, no início do Parque Estadual da Serra do Intendente. Passei a noite nas proximidades da nascente de outro rio Preto. Dessa vez afluente do rio Santo Antônio que corre para leste e é pertencente à bacia do rio Doce .
Acordando um dia pela Serra do Espinhaço
Os principais atrativos foram a Serra Talhada, o vale do rio Preto, o ribeirão Congonhas e o início da Serra do Intendente. Foi um dia com percurso de trilha bem demarcada e sem grandes dificuldades de encontrar e navegar. Porém houve pouca oferta de água depois do meio do dia. Encontrei bons pontos de água somente até a metade do dia, sendo o último deles no ribeirão Congonhas. Com relação ao esforço, este dia tem três fortes e longas subidas.
O começo do dia muda o percurso para leste, em direção ao povoado de Extrema, região de Congonhas do Norte. A trilha inicia por uma subida leve e bem demarcada com passagem por pedras e capões de mata. Depois de alguns minutos, já era possível avistar o paredão de rocha da Serra Talhada se elevando timidamente à frente. Essa serra forma a APA Serra Talhada do Espinhaço uma importante área de preservação que se estende até ao sul no Mirante Cruz dos Tropeiros.
Antes de chegar ao vale, passei pela casa de Dona Cacilda e Seu Batu, mas pelo visto não havia ninguém por lá. Segui pela porteira da fazenda e agora conseguia ver melhor a grande extensão da Serra Talhada e o vale do rio Preto. Surreal o lugar! Esse poderia ter sido um bom local para ter dormido na noite anterior.
Serra Talhada e o vale do Rio Preto à frente
Continuei descendo até chegar ao córrego Soberbo, afluente do Rio Preto, e depois mais na frente ao rio Preto propriamente dito. Todas essas águas correm em direção ao Rio Preto, onde passei no dia anterior. Esse local é um dos mais próximos da sua nascente. Ambos corriam água e me serviram como ponto de água. O próximo ponto de água é na descida da serra e na Cachoeira Carapinas.
Após me hidratar, continuei ainda na direção leste, pegando desta vez a subida da Serra Talhada. Subida bem forte, mas com trilha demarcada com uma bela visão do vale. A trilha chega num campo rupestre típico do Espinhaço com uma bela visão 360 graus dos arredores. Uma vastidão de campo que a vista não alcança.
Continuando ainda para leste, o percurso desce a serra até a Cachoeira Carapinas, no ribeirão Congonhas. São cerca de 3.5 km de uma descida forte por campo de altitude e passando por um pequeno capão de mata. Mais a frente cheguei numa casa que estava em construção. Segundo fiquei sabendo depois, ali chegaria a funcionar um restaurante.
Continuei descendo e cheguei no Ribeirão Congonhas. Esse foi meu último ponto de água do dia. Ainda encontrei 4 km depois, numa mata próxima à Extrema, outro ponto de água corrente, porém não tenho certeza se era perene. Depois da Cachoeira Carapinas, o percurso sobe forte novamente para a cota dos 1300 m de altitude, até uma mata próxima à Extrema, na região de Congonhas do Norte.
Um pouco antes da mata terminar, passei por uma outra casa onde havia uma pessoa. Parei um pouco para descansar e recarregar os equipamentos eletrônicos. Enquanto conversava, ele falou que ali futuramente funcionaria uma pousada. Em seguida tomei rumo até o rio Preto, no início da Serra do Intendente, local onde havia planejado passar a noite. Restavam ainda cerca de 16 km até lá. Continuando pela estrada, em pouco tempo chega-se ao Parque Estadual da Serra do Intendente. Após uma subida íngreme, chega-se na parte de cima onde predominam novamente os campos rupestres.
Campos rupestres na Serra do Intendente com os picos da Lapinha ao fundo
Na parte de cima é só um estradão em campo aberto até chegar ao acampamento. No caminho é possível ir até um mirante que tem vista para o cânion do Peixe Tolo e as capoeiras de mais baixas altitudes. Um lugar de beleza exuberante.
Até chegar ao rio Preto é possível observar várias formações características da cadeia do Espinhaço. Passei a noite ao lado do rio. Essa foi uma das noites mais frias da travessia.
Local de acampamento da quinta noite
DIA 6 - SERRA DO INTENDENTE A SEU ZÉ DE NICO
Esse foi um dia longo, caminhando pela Serra do Intendente e depois pela Serra do Tabuleiro, na região de Conceição do Mato Dentro. Finalizei na região de Santana do Riacho, passando a noite nas proximidades da propriedade de Seu Zé de Nico. Acampamento ao lado do Ribeirão Capivara, bem próximo da entrada do Parque Nacional da Serra do Cipó.
Mochila pronta para um dia de caminhada pela Serra do Intendente
Os principais atrativos desse dia ficam por conta da passagem pelos campos rupestres do Parque Estadual da Serra do Intendente e do Parque Natural Municipal da Serra do Tabuleiro. Presenças marcantes do Pico do Breu, Pico da Lapinha, Morro Três Irmãos. Além também da bela Cachoeira do Tabuleiro, a maior cachoeira de Minas Gerais e a segunda maior do Brasil.
É um dia com a maior parte do caminho demarcado e consolidado, andando por estradas e trilhas em campos rupestres. Com exceção da estrada que liga o parque à comunidade do Tabuleiro, as outras estradas são remotas e não possuem muito movimento. Com relação aos trechos sem trilha demarcadas, houve apenas um sem trilha consolidada no trecho que liga a estrada do Tabuleiro à Serra do Cipó. Esse é um dos novos caminhos que fazem parte da TESP.
Pelo fato de estar na parte de cima dos campos, foi um trecho com poucos pontos de água pelo caminho. Há apenas um ponto de água perene a 18 km do início e dois outros a 17 km e a 15 km com água provavelmente sazonal.
Logo no começo do dia, passei por um rancho abandonado e após uma subida razoável, alcancei uma estrada que levava até a região do Tabuleiro. Fui seguindo por cerca de 15 km numa estrada típica de campos rupestres, até chegar ao momento em que sai da estrada na trilha que sai da estrada, e segue para a região da Serra do Cipó. Em alguns momentos, fique atento às trilhas de atalho que cortam a estrada e encurtam o caminho.
À medida que ia caminhando pela porção sul do rio Preto, era possível observar no lado direito o vale do rio Parauninha, um dos afluentes do rio Cipó. Também ia se destacando o Pico do Breu, Pico da Lapinha e o Morro Três Irmãos, importantes atrações da região da Lapinha da Serra, região de Santana do Riacho. São por essas e outras que a caminhada pelo Espinhaço se torna prazerosa.
Continuando pela estrada, mais a frente passa pela entrada para a Cachoeira do Tabuleiro. Como estava com o tempo reduzido, resolvi seguir direto. Pelo calor que fazia, até que não teria sido uma má ideia ter ido tomar banho na parte alta da maior cachoeira de Minas. Verifiquei que havia uma pessoa no posto do IEF (Instituto Estadual de Florestas), acenei e segui novamente pela estrada.
São cerca de 9 km em suave declive até o momento de sair da estrada e pegar a trilha na direção sul. Esse é um novo trecho feito para interligar a Serra do Tabuleiro com o Parque Nacional da Serra do Cipó. Um pouco antes da trilha, após verificar algumas imagens de satélite, encontrei um ponto de água à direita da estrada. Por ser uma área de início do córrego, e como estava fluindo pouca água, acredito que seja um ponto sazonal de água. Peguei um pouco mais água para garantir.
Capões de mata da Cadeia do Espinhaço
No ponto em que a trilha começa, ainda não havia um percurso demarcado e por isso fui caminhando por sobre o capim. Por sorte a vegetação estava baixa e pude chegar a uma drenagem que se formava na frente. Apesar do pouco fluxo de água corrente estava melhor que o ponto anterior. Pude observar que esse é um dos córregos que alimentam o rio Cipó.
Desse ponto em diante, a trilha aparece demarcada, apesar de sumir em alguns pontos. Logo depois surge uma estrada carroçável e o caminho segue demarcado e batido até chegar ao ponto onde passei a noite. Mais um belo trecho por campos rupestres. Em pouco tempo, já conseguia ver lá embaixo a casa de Seu Amaro na Fazenda Capão Redondo.
Enquanto caminhava em direção a casa, verifiquei que havia umas pessoas do lado de fora. Chegando lá me apresentei, falei que estava numa caminhada e o mesmo me autorizou a passagem. Embaixo da casa, passa o córrego Capão Redondo, mais um dos afluentes do rio Cipó. Corria bastante água, e enquanto pegava uma brecha de sombra na pouca vegetação que havia, fiz uma parada pra comer e me hidratar.
Do córrego em diante, são cerca de 11 km até a fazenda de Seu Zé de Nico. Caminhada inteiramente por estradão em campos rupestres. Já próximo ao final, é possível avistar algumas das formações rochosas dentro da Serra do Cipó. Nessa parte, o caminho planejado da TESP, não vai pela estrada, mas segue mais pela direita. Resolvi seguir inteiramente pela estrada, pois não sabia como estava o caminho.
Chegando na porteira da propriedade de Seu Zé de Nico, fui em direção à casa dele e acabei divergindo um pouco do caminho da TESP. O traçado planejado segue descendo pela direita, em direção ao Ribeirão Capivara. Minha intenção era ir até a casa para poder carregar os powerbanks, entretanto acabei não conseguindo. Segundo ele, a rede elétrica estava bem instável. Não seria problema, pois ainda tinha carga para chegar amanhã na portaria do parque da Serra do Cipó.
Ainda na conversa, perguntei sobre um lugar para passar a noite e o mesmo falou que poderia acampar pela propriedade. Acabei encontrando um bom local mais embaixo, próximo ao Ribeirão Capivara. Esse ribeirão é o mesmo da Cachoeira da Capivara, bem famosa na Serra do Cipó.
Ponto de acampamento da sexta noite
DIA 7 - SEU ZÉ DE NICO À CASA DE TÁBUAS
Esse dia entra nas áreas do Parque Nacional da Serra do Cipó, passando pelas regiões de Morro do Pilar, Santana do Riacho e Jaboticatubas. O ponto de pernoite foi na Casa de Tábuas, na região de Jaboticatubas, um dos pontos de acampamentos permitidos dentro do parque.
A maior parte do dia foi com trilha demarcada dentro do parque e há bastante pontos de água pelo caminho. Os principais atrativos ficam por conta dos campos rupestres do Parque Nacional da Serra do Cipó, com a presença das Pinturas Rupestres e da passagem pelo travessão, uma área divisora de águas entre as bacias do rio Doce e do rio São Francisco.
A primeira parte do dia continua em direção à portaria do parque, no Alto Palácio. Nessa parte, grande parte do caminho não existe trilha demarcada, principalmente próximo ao Ribeirão Capivara. A trilha aparece demarcada descendo para o capão de mata e depois no campo até chegar ao parque.
Chegando no Ribeirão Capivara, peguei água e segui subindo pelo capim até ultrapassar uma cerca mais em cima. Em seguida, a rota segue beirando a cerca até chegar ao capão de mata. Em algumas partes não havia trilha e fui desviando do capim mais alto.
No capão de mata, apesar de existir uma trilha para cruzá-la, alguns ganhos cobriam o caminho. Normal, por ser um caminho que certamente tem sido pouco utilizado. Ainda dentro da mata, percebi que a trilha bifurcava, sendo que mais a direita fechava. Então resolvi seguir pelo caminho da esquerda, que estava aberto.
Saindo no campo a trilha segue demarcada e com algumas bifurcações de gado até chegar ao Alto Palácio, na portaria do Parque Nacional da Serra do Cipó. Da saída da mata até a portaria são cerca de 2.8 km, passando ainda por um pequeno trecho de asfalto da estadual MG-010. Assim que cheguei na portaria do PARNA Cipó, falei com o funcionário do parque. Apresentei minha autorização, que já havia enviado previamente, e já fui colocando meus equipamentos eletrônicos para recarregar. Já estavam quase ficando sem carga. É importante lembrar que a entrada no parque tem que ser agendada previamente. Para mais informações consultar o site do parque.
Da portaria até o ponto de acampamento, na Casa de Tábuas, já é um caminho bem estabelecido e que já faz parte das travessias autorizadas. Entre elas, a mais comum, está a travessia Alto Palácio terminando na Serra dos Alves ou no Cabeça de Boi. A trilha é bem demarcada e inclusive sinalizada com o padrão da Rede de Trilhas com as pegadas pretas e amarelas da trilha TransEspinhaço.
O primeiro atrativo do dia são as pinturas rupestres que possuem idade entre 8 e 2 mil anos. Elas ilustram uma possível caçada feita pelos nossos antepassados. Os desenhos são de cor alaranjada e retratando veados.
Famoso Travessão no PARNA da Serra do Cipó com vista para o vale do Rio do Peixe
Bem próximo dali, está o Travessão. Erroneamente chamado de cânion, o Travessão é um local onde não há apenas um cânion, mas sim dois. O nome Travessão é uma referência histórica como lugar de passagem longitudinal, onde é possível atravessar no sentido norte–sul os dois cânions que se formam pelo Ribeirão da Bocaina e outro pelo Rio do Peixe. Apesar dele estar próximo aos dois cursos de águas que nascem por lá, o local é uma área elevada que não sofreu erosão e permitiu a formação de um colo que possibilita a passagem entre as serras.
Os rios nascem ali próximo, em seguida quase se encontram, e depois correm em direções contrárias. O primeiro deles, o Ribeirão da Bocaina, nasce antes de chegar ao Travessão, e depois segue para a direita (Leste), sendo um afluente do Rio Doce; o segundo, o Rio do Peixe, nasce depois do Travessão e águas seguem para a esquerda (Oeste), sendo um afluente do Rio São Francisco. Dessa forma, o Travessão é um importante divisor das águas da bacia do Rio São Francisco e da bacia do Rio Doce.
Depois de descer e atravessar para o outro lado, é hora da subida para outro lado do Travessão. São cerca de 7.5 km até o ponto onde passei a noite, a Casa de Tábuas. A subida segue forte pela trilha demarcada e o exuberante visual dos cânions ao redor. Mais em cima chega no Rio do Peixe, onde peguei um pouco de água para beber. Atravessei e segui em direção ao acampamento.
A trilha continua subindo até a cota dos 1400 m e no topo do morro possui uma bela visão da Serra do Cipó. Desse ponto em diante, não demora muito até a Casa de Tábuas, são cerca de 3 km. Assim que cheguei, fui buscar água mais embaixo da casa para utilizar no acampamento.
Ponto de acampamento da sétima noite
TRECHO 3: SERRA DO CIPÓ À BARÃO DE COCAIS
DIA 8 - CASA DE TÁBUAS AO VALE DO RIBEIRÃO BANDEIRINHA
Esse dia começa o Trecho 3. Ele continua pelo Parque Nacional da Serra do Cipó, pela região de Jaboticatubas, e finaliza um pouco depois da Cachoeira Brauninha, nos limites do PARNA Serra do Cipó. Passei a noite num campo no início do vale do Ribeirão Bandeirinha, já quase fora dos limites do parque nacional.
Os principais atrativos são o pico do Ernesto (1.680 m), um dos pontos culminantes do PARNA da Serra do Cipó e as cachoeiras Braúna e Brauninha. Foi um dia com trilha bem demarcada e batida por todo o dia. Há bastante pontos de água pelo caminho.
Partindo da Casa de Tábuas rumo a Casa dos Currais são cerca de 11 km. Inicialmente a trilha percorre um campo coberto por gramíneas, até chegar em uma pequena mata na encosta de um morro, e depois numa região de ocorrência das canelas-de-ema-gigantes. A canela-de-ema-gigante é uma espécie de planta endêmica, restrita aos afloramentos rochosos da face Leste do Espinhaço, que está mais sujeita a maior umidade que as porções voltadas para o Oeste.
Ao sair da encosta do morro, entramos novamente nos campos formados por gramíneas, com o pico do Ernesto (1.680 m) à nossa frente, um dos pontos culminantes do parque. O cume proporciona uma vista surpreendente de toda a região, em 360º. Do alto é possível avistar as serras da Mutuca, Confins, Lagoa Dourada e Bandeirinha, além dos maciços da Lapinha.
Após cruzar uma área de campo, uma porteira de madeira marca o acesso à Casa dos Currais, situada cerca de 1 km à frente, logo após um pequeno fragmento de Mata Atlântica cortado pela trilha. A Casa dos Currais, assim como a Casa de Tábuas, é uma construção anterior à criação do parque, que servia de base de apoio aos criadores de gado bovino da região.
Atualmente, a Casa dos Currais serve de base para os brigadistas do ICMBio. A partir da Casa dos Currais, os primeiros 5 km cruzam uma extensa pradaria, por uma trilha bem marcada no solo, em relevo predominantemente plano, com aclives e declives bastante suaves.
A partir da Casa dos Currais, o percurso pega o sentido oeste em direção à Cachoeira Braúna. São cerca de 8 km até chegar na cachoeira. Assim como no começo do dia, o caminho segue cruzando campos e pequenas áreas de mata, por uma trilha bem marcada no solo. O relevo é predominantemente plano, mas com alguns aclives e declives bastante suaves.
Até chegar na Braúna, há bastante água pelo caminho, começando pelo Córrego Mutuca e depois no Ribeirão Mascates. Mais a frente o Córrego Mutuca encontra-se com o Córrego da Garça para formar a Cachoeira Braúna. Eu não cheguei a descer até a cachoeira e fiquei num mirante a uns 500 m do poço. Fiz uma pequena pausa para descansar e lanchar embaixo de uma pequena sombra de uma árvore em frente à cachoeira.
Cachoeira Braúna
Continuei a caminhada voltando novamente para a direção sul, numa trilha bem demarcada por campos rupestres e relevo suave. São cerca de 8 km e meio até o ponto de pernoite. No caminho observe que há uma bifurcação à direita que desce para o Ribeirão Bandeirinha e depois segue para o povoado de Altamira, pertencente à Nova União. Mantenha-se na trilha discreta à esquerda, na direção sul, que logo depois se consolida.
O último ponto de água do dia foi na Cachoeira Brauninha. Peguei água suficiente para a noite e o dia seguinte. Esse foi meu último ponto de água do dia. O ponto de acampamento ficou num campo no começo do vale do Ribeirão Bandeirinha, com vista para os picos da Lapinha. Esse dia quis adiantar um pouco para ficar menos quilômetros no próximo dia, de modo que eu conseguisse chegar em Nova União no dia seguinte.
Ponto de acampamento da oitava noite
DIA 9 - VALE DO RIBEIRÃO BANDEIRINHA À NOVA UNIÃO
Esse dia sai do PARNA Serra do Cipó e segue caminhando pelas regiões de Itabira e Nova União. Esse foi o único dia que acabou finalizando numa área urbana. Também passei por alguns sítios pelo caminho. O ponto de pernoite ficou sendo em uma pousada na cidade de Nova União.
Um dos dias mais pesados em razão da distância e elevação acumulada. Percurso misto com trilhas e estradas. Algumas partes do percurso não tem trilha demarcada. Pontos de água pelo caminho não foram muitos, sendo razoável a oferta de água pela trilha.
O dia continua na direção sul numa ligeira subida. Na parte de cima do campo é possível avistar mais ao fundo os picos da Serra do Caraça pro lado de Barão de Cocais e na frente o pico da Serra da Matinha que tem formato quase que de uma pirâmide. O percurso segue na direção dela até contorná-la pelo seu lado esquerdo. Apenas na segunda drenagem, 4 km depois, havia água, mas é possível encontrar água mais na frente.
Andando mais um pouco, saí da trilha batida e peguei uma trilha suja à direita até em seguida descer a serra. A trilha volta a ficar batida mais embaixo, além de passar por pontos de água corrente. Após interceptar a estrada, que segue para Gordiana, o percurso segue na direção da Serra da Matinha e entra numa área de Mata Atlântica. Na mata, em determinado momento, a trilha segue pelo córrego e foi inevitável não molhar os pés. O percurso segue variando entre mata e campo até chegar numa estrada que cruza propriedades pertencentes à Vale.
Após contornar a Serra da Matinha, a trilha segue na direção da Serra do Baú. Pertencente à Nova União, a Serra do Baú é uma área de campo rupestre de transição com as capoeiras de mais baixa altitude. É a última área de campo para quem está na direção sul-norte, e onde começa os campos para quem está na direção norte-sul. Essa região também compreende os limites finais da APA Morro da Pedreira, da qual faz parte o PARNA Serra do Cipó. Os campos voltam a aparecer mais ao sul na Serra dos Bois e depois na Serra do Caraça em Barão de Cocais.
Serra do Baú na região de Nova União
De formato peculiar, a Serra do Baú se afunila apresentando um formato parecido com uma proa de um navio. Realmente é um local muito interessante para observar as belas formações rochosas e as capoeiras em baixo. Há basicamente quatro cumes onde os morro são arredondados. No primeiro deles há uma antena de telecomunicações. No final do penúltimo, local onde se começa a descer há uma cruz de madeira no local.
Antes da descida pela mata, há algumas áreas da trilha bem expostas, então é preciso ficar atento. O percurso segue descendo pela área de Mata Atlântica de transição para as capoeiras. Descida bastante íngreme em alguns pontos. A trilha para descer, apesar de existir, estava fechada em alguns pontos. Já chegando no final da descida (da mata), passei por longos trechos com capim braquiária muito alto, alguns batendo na minha cintura. Deu pra perceber que é um local pouco frequentado.
Logo depois a estrada fica aberta e segue assim até chegar na cidade de Nova União. Depois da descida, ainda restam quase 9 km até a cidade. Há um ponto de água logo ao final da descida.
Cheguei em Nova União ainda com o sol se pondo. Era chegada a hora de voltar à civilização. Mesmo que por um breve momento. Me hospedei na Pousada da Dadinha, a única pousada da cidade.
DIA 10 - ANTÔNIO DOS SANTOS À CACHOEIRA DO LEÃO
Esse dia começa a caminhar pela região de Caeté e termina nos campos rupestres na região de Barão de Cocais. Um dos dias mais tranquilos da travessia.
O trecho de subida para os campos rupestres foi a parte mais complicada devido a não ter uma trilha não consolidada. Apesar de íngreme, foi um trecho curto de subida. No geral, o percurso foi com trilha aberta e sem subidas e descidas íngremes. Nos primeiros 13 km do dia não possuem pontos de água, depois há bastante pontos de água pelo caminho.
Apesar de ter dormido na noite anterior em Nova União, comecei a caminhar um pouco depois, em Antônio dos Santos, um povoado na região de Caeté. Como meus dias para voltar para casa estavam cada vez mais curtos, resolvi pular o trecho de Nova União até Antônio dos Santos. Seriam cerca de 16 km caminhando por estradas rurais, que resolvi cortá-los indo de táxi. No tracklog há um gap entre Nova União e Antônio dos Santos, não sendo essa distância contabilizada na distância total do percurso.
No dia anterior acertei todos os detalhes com o taxista Adriano (contato no final) que me deixou na praça do povoado. O dia começa por uma estrada rural que leva em direção a Serra da Água Limpa. São cerca de 7 km ganhando altitude por estrada até chegar na trilha de acesso aos campos rupestres.
Os primeiros 2 km são por um trecho da Estrada Real que liga Cocais à Antônio dos Santos. Por ser uma região rural, há muitas fazendas ao longo da estrada. Após algumas subidas, chega-se ao colchete que dá acesso à trilha. Apesar de não estar muito demarcada, a trilha é bem intuitiva, com alguns trechos mais íngremes de subida. Logo se atinge o topo, sendo o restante do dia com percurso demarcado.
Minha água estava acabando e já estava de olho no próximo ponto. Fui descendo para o primeiro possível ponto de água, o Ribeirão Cana-brava, mas infelizmente estava seco. Nesse momento fiquei preocupado com a água nos próximos pontos e abortei o caminho seguindo por cima da serra. Fui verificar no mapa e consegui ver outras duas drenagens na frente: uma do Rio Una e outra do Ribeirão Cocais.
Nesse momento o percurso pode continuar por cima da Serra da Água Limpa ou mais à esquerda por baixo da serra. Por cima há um local conhecido como Paredão Ita-Marãen. Como estava ficando sem água, e não sabia da existência de água em cima da serra, preferi ir por baixo onde a probabilidade de encontrar água era maior.
Cheguei no Ribeirão Cocais e por sorte estava correndo muita água que por sinal foi uma das mais limpas da travessia. Talvez seja por isso que a serra seja chamada de água limpa. Desse ponto em diante, são cerca de 3 km e meio até o local onde passei a noite.
O percurso primeiro passa numa fazenda até pegar uma estrada e depois uma trilha que cai posteriormente dentro do Rio Cocais. Quando cheguei no rio, estava correndo pouca água o que me permitiu atravessar para outra margem e ir descendo pelo leito do rio mesmo. Nessa parte do vale, o rio forma três cachoeiras em sequência pertencentes à cidade de Barão de Cocais. A primeira delas é a Cachoeira do Chiado que aparece assim que se chega no rio, a segunda é a Cachoeira do Leão e a última a Cachoeira do Véu.
O caminho segue descendo pela margem esquerda do rio por sobre as lajes de pedra e mais embaixo entra à esquerda numa matinha. Esse trecho é bastante perigoso de ser feito na época de chuvas ou quando o rio está correndo muita água.
Ao chegar na Cachoeira do Leão desisti de descer mais e ir até a Cachoeira do Véu. Montei minha barraca por ali mesmo. Encontrei um dos poucos espaços planos que haviam em fiquei em frente à cachoeira.
Ponto de acampamento da décima noite
DIA 11 - CACHOEIRA DO LEÃO À BARÃO DE COCAIS
Esse dia finaliza a travessia na cidade de Barão de Cocais. Grande parte do caminho foi por estrada rural passando por um trecho da Estrada Real. Foi um dia tranquilo andando por estradão com algumas subidas íngremes.
O dia começa numa subida íngreme em terra batida dentro da mata até chegar no Recanto do Leão, um restaurante que funciona como ponto de apoio para a Cachoeira do Leão e as cachoeiras próximas.
Depois do Recanto do Leão, são cerca de 12 km até a cidade andando por estradão. Depois de 1 km e meio chega-se no marco da Estrada Real. Daí em diante o caminho segue pela Estrada Real até chegar em Barão de Cocais. Há alguns pontos de água no decorrer do caminho.
CONTATOS
- Táxi:
Baiano: (38) 98818-9565 / 99729-6719 (Diamantina);
Adriano: (31) 98468-5373 (Nova União); - Pousadas:
Diamantina EcoHostel: (38) 9 9805-7635
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer ao meu irmão Thyago e à Maria que apesar de sozinho estavam me dando apoio e me acompanhando pelo rastreamento do satélite durante o percurso da travessia.
A todos os voluntários da TransEspinhaço pelo cuidado e empenho na criação da trilha, em especial ao Marcos Santos pelas dicas sobre o Espinhaço e por gentilmente ter cedido o traçado da trilha na região da Serra do Intendente.
OBSERVAÇÕES
- Pedir autorização ao ICMBio para entrar no Parque Nacional da Serra do Cipó. Para mais informações consultar o site do parque;
- Leve seu LIXO DE VOLTA;
- Sempre feche os colchetes, as porteiras/tronqueiras e evite danificá-los;
- Fiz na época do final do período chuvoso e por isso, no geral, há vários pontos de água pelo caminho;
- Planeje bem a quantidade de água, principalmente se for fazer na época da estiagem;
- A maior parte da trilha é exposta ao tempo, protetor solar e chapéu são importantes;
- Na grande maioria do caminho havia trilha demarcada, porém chegavam a sumir em alguns trechos;
- Comunidades no percurso é importante o silêncio e respeito aos costumes locais. Seja gentil e peça permissão para passagem;
- Lembre-se, você é inteiramente responsável ao decidir e realizar a trilha. Use por sua conta em risco. As informações presentes aqui visam apenas serem informativas e auxiliares;
- A progressão da trilha depende do terreno, estado da trilha, da sua condição física, da navegação, etc. Se conheça primeiramente para poder chegar com segurança antes do final do dia no acampamento. Alguns pontos de acampamento intermediários podem ser encontrados no caminho;
Parabéns pela iniciativa e ótimo relato. Sem dúvida uma importante contribuição para a consolidação do traçado da Transespinhaço!
Sensacional!
👏👏👏🌻
Show!!!!!!
Que travessia maneira espetacular. O Espinhaço é realmente um lugar mágico! Parabéns pela empreitada e obrigado por compartilhar o relato. Abraços.
Muito massa!! parabéns por compartilhar sua experiência!