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Tiago Borges 27/07/2018 16:36 com 2 participantes
    Travessia Norte x Sul-Ilhabela-1º tentativa: A vila fantasma

    Travessia Norte x Sul-Ilhabela-1º tentativa: A vila fantasma

    Primeira tentativa de realizar a travessia norte x sul na Ilha de São Sebastião em Ilhabela/SP.

    Trekking Acampamento

    Quem me conhece, sabe que eu adoro as trilhas e cachoeiras de Ilhabela/SP e a travessia norte x sul na Ilha de São Sebastião é uma travessia que está nos meus sonhos há um bom tempo.

    O município de Ilhabela no litoral norte paulista, ao contrário do que muita gente pensa, não é uma ilha, mas sim um arquipélago. Isso mesmo, o município é composto por 4 ilhas, 11 ilhotes e dezenas de lajes e parcéis, totalizando um território de 349,98 km².

    O arquipélago é declarado pela UNESCO parte da reserva da Biosfera da Mata Atlântica, com a maior área insular desse tipo de bioma, possui aproximadamente 84% de seu território protegido pelo Parque Estadual de Ilhabela e compõe o Setor Maembipe da APA Marinha do litoral norte com uma área de 90 mil hectares.

    A Ilha de São Sebastião (aquela que geralmente chamam de Ilhabela rs), onde fica a área urbana do município e onde está localizada a travessia, é a terceira maior ilha marítima do Brasil com 339 km² e também onde estão localizadas as 10 maiores montanhas insulares do Brasil, sendo o Pico de São Sebastião, com 1.379 metros de altitude seu ponto mais alto.

    Cerca de 96% da população vive a oeste da ilha de São Sebastião e 4% vive dividida em 17 comunidades caiçaras, algumas inclusive em ilhas distantes como na ilha da Vitória, localizada a 42 km por mar, saindo do píer da praia do Perequê.

    Se não bastassem todas as maravilhas naturais, Ilhabela ainda é cheia de atrativos culturais. O arquipélago é cheio de lendas, já abrigou índios, colonizadores, escravos, piratas e nos dias atuais ainda abriga comunidades caiçaras tradicionais.

    A Travessia

    A travessia norte x sul tem aproximadamente 80 quilômetros e liga o extremo norte ao extremo sul da ilha por terra, passando por todo lado oceânico. No entanto o único registro completo dela está em um mapa de 1912, sendo assim, teríamos que começar por algum lugar e no dia 14 de abril de 2017 desci para o litoral norte paulista acompanhado do Mario Nery (Trekking Brasil) e do Thiago Araújo (Sereio), para começarmos a mapear essa travessia.

    Nosso planejamento era o seguinte:

    No terceiro dia da travessia começamos a descobrir os motivos de não existir um relato de quem já tenha feito essa travessia por completo (aliás não existia, mas isso é assunto para outro relato 😊) e por conta de todos os perrengues, não foi dessa vez que conseguimos conclui-la, acabamos finalizando a travessia em uma “vila fantasma”.

    Dia 1 – Tudo tranquilo

    O primeiro dia da travessia foi tranquilo, a trilha até a praia do Bonete já é bem conhecida e apesar do sobe e desce constante, ela é larga, sem dificuldade técnica e com belos atrativos como a cachoeira da Lage, o rio areado e a cachoeira do saquinho.

    Como demoramos para entrar na trilha, chegamos na praia do Bonete por volta das 17:00h e eu fui conversar com um amigo que mora na praia para me indicar um local onde a gente pudesse montar as redes. Ele nos disse para montar as redes nas pilastras do bar que fica de frente para a praia, só pediu para não travarmos a passagem por completo, montamos então as redes e fomos jantar.

    Dia tranquilo, teríamos uma trilha mais longa no dia seguinte, então fomos dormir, seria minha primeira noite acampando de rede, como estávamos nas pilastras do bar, não colocamos nenhuma tarp por cima das redes e para estrear com estilo, de madrugada começou a chover e adivinha quem acordou tomando chuva? rsrs

    Dia 2 – Agora Começou

    Acordamos, fizemos (entenda o Thiago fez rsrsrs) um belo café da manhã, guardamos tudo e partimos em direção a Castelhanos.

    A trilha da praia do Bonete até lá já é mais pesada, o trecho com maior desnível em toda nossa travessia estava nesse dia após a praia de Indaiauba e estávamos com as mochilas bem pesadas, cada mochila pesando bem mais de 20 kg.

    O caminho é cheio de mirantes e passa por 4 belas praias antes de chegar em Castelhanos, a primeira delas é a praia de Enchovas, uma praia praticamente deserta, onde só mora um casal.

    Quando chegamos lá, fomos até a casa do senhor Anacleto para ver se ele tinha alguns cocos para nos vender, mas infelizmente não tinha

    Perguntei se ele teria alguns limões e ele nos deu muitos limões siciliano, fizemos um suco, batemos um papo com ele e seguimos viagem em direção à praia de Indaiauba. A partir daqui a trilha começa a ficar mais fechada até chegar no trecho pavimentado dentro de um condomínio que fica localizado na praia.

    A praia de Indaiauba é linda, tem águas cristalinas e geralmente fica vazia já que o acesso é feito apenas por barco ou por essa trilha já mais longa.

    Fizemos uma pausa por lá, preparamos uma linguiça frita com cebola e temperada com o limão siciliano que pegamos com o senhor Anacleto, recarregamos a água e partimos para entrar na mata em direção a Castelhanos. Logo que sai da praia a subida é de respeito, parece que ela nunca termina.

    A subida judiou da gente com o tanto de peso que estávamos carregando e chegamos na praia vermelha já escuro. O Thiago chegou na frente e viu os pescadores chegando da pesca do dia com as canoas caiçaras, conversamos com eles e aproveitamos a oportunidade para fazer um passeio de canoa caiçara durante a noite, sem nenhuma iluminação artificial entre a praia vermelha e a praia de Castelhanos. Passeio espetacular e o papo com os pescadores também, fica a dica aí de sempre puxar um bom papo nas comunidades locais, isso rende boas histórias.

    Chegando em Castelhanos precisávamos achar um lugar para montar as redes e aí foi digamos engraçado. Eu fui até o restaurante da Vânia (fica na frente do pedaço de navio afundado na areia), quando cheguei lá eu disse “Oi, não sei se você se lembra de mim, mas no ano passado você me deixou dormir na sua varanda enquanto chovia”, ela respondeu “De você eu não lembro não, mas lembro da sua camiseta porque você deixou vários adesivos do Fé no Pé aqui” rsrsrsrs

    Depois de conversar com ela, mais uma vez ela me deu um espaço para dormir, nos liberou um rancho para montarmos as redes e um chuveiro geladoooo na praia para um banho o/

    Jantamos no restaurante dela, montamos as redes e foi todo mundo foi dormir.

    Dia 3 – Cadê a trilha que estava aqui?

    O terceiro dia começou bemmmm tranquilo, um lindo nascer do sol na praia de Castelhanos, um café da manhã preparado pelo nosso mestre cuca sereio e tudo em um ritmo suave. O terceiro dia em teoria era “di boa”, seria o menor trecho que iriamos percorrer até então, haviam dito que tinha trilha até o saco do Eustáquio, nada a se preocupar.

    Partimos de Castelhanos por volta das 10:00h imaginando chegar no saco do Eustáquio no fim da tarde…quanta ilusão :-/

    Antes da hora do almoço já não existia mais trilha nenhuma, a mata tinha tomado conta de tudo novamente e começamos a usar as perneiras e os facões para continuarmos.

    O ritmo caiu drasticamente, tínhamos que abrir toda a trilha com muito bambu e tomar cuidado para não sair muito da rota. Paramos para olhar na carta topográfica qual cota seria mais vantajoso caminhar e começamos a brincadeira.

    Lá pelas 17:00h já estava ficando escuro dentro da mata e faltavam mais ou menos 1,7 km até o saco do Eustáquio. Veio então a primeira decisão realmente difícil, continuar caminhando e tentar chegar na praia ou parar e procurar um lugar para acampar? O Mario bateu o pé que era hora de acampar e decidimos que essa era a melhor opção, sendo assim, subimos uma cota para achar um local mais plano.

    Achamos uma boa área, montamos as redes próximas umas das outras, fizemos uma janta rápida e cada um foi para sua rede dormir. Posso dizer que essa foi a melhor noite de toda a travessia, dormi bem demais no meio da mata sem nenhuma preocupação.

    Essa noite provou como foi uma ótima decisão levar redes ao invés de barracas, caso contrário não teríamos como acampar por ali.

    Dia 4 – Deu ruim parte II

    Já tínhamos aprendido a lição que não era uma boa sair tarde para iniciar a trilha, acordamos cedo com os passarinhos sobre nosso acampamento e antes que pudéssemos desmontar tudo…CHUVA.

    Faltavam menos de 2 km para chegar na praia, mas já sabíamos que não teria trilha até lá e debaixo de chuva ia ser mais punk ainda.

    Como a previsão do dia anterior era dormir na praia, eu acabei consumindo mais água do que deveria, minha água acabou por completo e a do Mario e do Thiago estavam no fim, aproveitamos a chuva então para reabastecer os refis, foi só puxar a lona para a água escorrer e deixar encher a caneca para depois encher o refil de hidratação com clorin.

    Bom não tinha muito o que fazer, tínhamos que continuar e começamos a mudar a tática, estava difícil abrir trilha com a mochila cargueira pesando mais de 20 kg, então começamos a deixar as mochilas e revezar, iam 2 abrindo trilha sem mochila e 1 ficava com elas e assim foi durante o dia inteiro com chuva e mata muitooo fechada.

    Quando deu 18:00h estávamos a pouco mais de 200 metros da praia, nós começamos a ver os barcos lá embaixo, mas não chegávamos. Nisso veio a “febre de chegar na praia”, afinal o GPS falava que estávamos a 200 metros em linha reta. Descemos uma pirambeira no escuro e abrindo mato até chegar numa encosta, não dava mais para continuar para lado nenhum, de um lado era rocha e do outro não sabíamos ao certo o que era, não dava para enxergar.

    Esse foi então o fim da linha do nosso quarto dia, tivemos que montar as redes por ali mesmo, em um buraco molhado, estreito e cheio de aranhas, frustrados, estávamos vendo a praia e não conseguíamos chegar nela.

    Essa foi a pior noite para mim, minhas coisas estavam molhadas, eu realmente odeio aranhas e elas me perseguem, logo que chegamos uma já pulou na minha mochila, mas fazer o que, era o que tínhamos para a noite e detalhe, era véspera do meu aniversário rsrs

    Dia 5 – A Vila Fantasma

    Acordamos, comemos alguma coisa rápida, guardamos tudo e começamos a subir tudo o que descemos feito doidos de noite para chegar em uma cota mais tranquila de caminhar.

    Quando chegamos nas cotas que a carta topográfica nos mostrava que seriam as melhores para caminhar, voltamos a ver marcas antigas de facão nas árvores, tentamos segui-las, mas logo sumiram.

    Começamos a perceber que era mais fácil descer para a próxima praia chamada Guanxumas do que direto para o Saco do Eustáquio e assim foi, descemos em zigue-zague abrindo trilha até a praia de Guanxumas. Já tínhamos visto antes que lá era um point de mergulho, o GPS do Mario com o BirdEye mostrava que haviam casas ali.

    Pouco depois do meio dia já tínhamos chegado na praia de Guanxumas, o acesso foi por cima e já chegamos na vila que tem por lá. Conforme íamos passando não aparecia ninguém, mesmo com casas com roupa no varal não tinha nenhuma movimentação. A gente foi em direção à praia e nenhuma alma viva, chegamos em um bar todo trancado e não estávamos entendendo, era para ter gente ali.

    Paramos no bar, o Thiago preparou um puta almoço e a ideia era esperar chegar alguém por lá e decidirmos o que iriamos fazer.

    Passamos o dia inteiro na praia de Guanxumas sem chegar ninguém, voltamos nas casas, batemos palma, gritamos e nada. Montamos então as redes nas pilastras do bar, como não tinha espaço para as três redes e o Mario era o único que estava com isolante térmico, ele acabou fazendo uma “cabaninha” com a rede no chão mesmo, só prendendo o mosqueteiro no teto.

    Esse dia era meu aniversário, o Thiago estava levando uma garrafa de vinho para comemorar a travessia e decidimos abri-la para acompanhar um queijinho e um salame. Eu não bebo, tomei dois copinhos de vinho e fui dormir e aí uma história engraçada. Nós estávamos esperando a qualquer momento um barco chegar na praia (afinal alguém tinha que voltar para casa), no meio da noite o Mario levantou para beber água e quando a luz da lanterna dele bateu na minha rede eu dei um pulo, falando “o barco chegou”, na minha cabeça aquela luz era realmente de um barco chegando kkkkk

    Bom passamos a noite por lá sem chegar nenhum barco e sem ninguém na praia mesmo, um clima sinistro de casas cm roupas no varal e sem moradores :-/

    Dia 6 – O Apito

    O sexto dia amanheceu de forma espetacular, um nascer do sol lindo.

    Nós já tínhamos decidido que não continuaríamos a travessia até a praia do Jabaquara por terra, a previsão era de ter trilha até a praia da Serraria, ainda não tínhamos nem chegado nela e já tínhamos ficado dois dias inteiros abrindo trilha, se a gente continuasse, teríamos que dar um jeito de ir até o fim e sabíamos que dali para a frente ficaria cada vez pior, todo mundo nos disse que não passaríamos o trecho que liga a praia da Serraria a praia do Poço. Sendo assim a praia de Guanxumas realmente seria nosso último trecho por terra.

    Nós tínhamos três planos em mente, dois descentes e um retardado

    O primeiro seria achar uma trilha ou uma cota boa para abrir trilha pelo morro que separa a praia de Guanxumas do saco do Eustáquio e lá achar um barqueiro.

    O segundo era voltar toda a trilha que tínhamos aberto até castelhanos e de lá pegar um barco ou um Jipe.

    O terceiro e mais maluco (Ideia do Thiago) era pegar uma canoa caiçara que estava na areia da praia (cheia de água dentro), colocar no mar, remar com ela até o saco do Eustáquio, arrumar um barco, voltar com a canoa para Guanxumas e depois ir embora. Um detalhe, eu nunca remei uma canoa caiçara e sei nadar o suficiente para não afundar kkk

    Enquanto preparávamos o café da manhã ouvimos um barco de pesca passando lááá longe. Corremos os três doidos para a areia apitando e girando as camisetas para o pescador nos ver e ir até a praia e...ele passou direto :-/

    Poucos minutos depois um barco passando no sentido oposto, fizemos a mesma coisa e dessa vez o barco embicou em direção à praia. Acho que agora eu sei qual a sensação de um náufrago sendo resgatado rsrsr

    Quando o cara chegou na praia ele nos disse que tinha visto a gente da primeira vez mas ele precisava recolher uns peixes em umas redes mais para frente e por isso só virou em direção à praia na volta, também nos disse que ali é uma vila de temporada, no resto do ano não fica ninguém.

    Acertamos com ele um retorno de barco até a praia do Jabaquara, ele disse que precisava fazer umas coisas antes e que voltava por volta das 10:00h para nos buscar.

    Voltamos lá para o bar, guardamos tudo, continuamos nosso café da manhã e pouco depois do horário combinado ele chegou para nos levar de barco até o trecho onde conseguiríamos pegar um ônibus para voltar para a balsa e pegar meu carro.

    Deu ruim, mas foi bom o/

    A travessia realmente não é nada fácil, porém, é muito linda. Apesar de termos abortado, voltamos tranquilos e sabendo que essa foi a decisão certa naquele momento, foi uma experiencia incrível e com muito aprendizado.

    Foi a primeira vez que acampei de rede e foi ótimo, ela vai ser uma bela opção agora para algumas trilhas.

    Também foi a primeira vez que eu carreguei 22 kg nas costas, para quem pesa 59 kg (pesava, eu perdi 4 kg durante a travessia :-O) não é uma tarefa tão tranquila rsrsrs

    O Mapa abaixo mostra o caminho que conseguimos realizar

    Recentemente voltamos a Ilhabela e finalizamos a travessia, vamos contar como foi lá no Vivência Outdoor que acontece de 12 a 14 de Outubro em Floripa, vai ser bem maneiro, apareçam por lá o/

    Tiago Borges
    Tiago Borges

    Publicado em 27/07/2018 16:36

    Realizada de 06/07/2018 até 09/07/2018

    2 Participantes

    Mario Nery Thiago Araujo

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    6 Comentários
    Edson Maia 01/08/2018 09:48

    100 metros e uma pirambeira para chegar? nusss... lembrei do título do filme alemão "Tão longe, tão perto", do diretor Wim Wenders... Deu ruim mas deu bom! Esse é o espírito! valeu pelo perrengue épico!

    Tiago Borges 01/08/2018 10:15

    hahahaha essa noite ficará na lembrança pra sempre, olhar a praia e não conseguir chegar nela rsrsrs Foi uma trilha de muito aprendizado e apesar de td perrengue, foi muito divertida :-)

    Edson Maia 01/08/2018 15:29

    não tenho dúvidas! ;)

    Thiago Araujo 14/08/2018 13:17

    UIIIIIII... Tem fantasma moço? Lembre-se de não me convidar novamente para suas insanidades!

    Tiago Borges 15/08/2018 08:20

    kkkkkkkk moço não se esqueça do projeto novo auahuahuahuhaa

    Odirlei 18/09/2019 11:05

    Relato e tanto show para vcs os 3 guerreiros , isso não tem como ninguém roubar de vcs vai levar para toda a vida esses momentos o bom que vai contar para filhos netos as histórias , isso faz a diferenças nas nossas vidas !

    Tiago Borges

    Tiago Borges

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