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Lex Blagus 10/11/2014 15:50
    Os Caçadores de Aventura da Chapada Diamantina

    Os Caçadores de Aventura da Chapada Diamantina

    ...ou: o verdadeiro espírito da vagabundagem. Parte II, versículo III, capítulo IV

    Caverna Espeleologia Cachoeira

    parte II de O verdadeiro espírito da aventura

    Normando é um cara gente fina. Mas a gente se estranha de vez em quando. Uma noite de sexta saímos os dois bêbados de moto em direção a um vilarejo próximo, Parnaíba. Caverna em solo com vertical é perigoso pra caralho, mas andar de moto a mil pelo sertão baiano com um capacete xexelento, muito mais. Fomos brigando pela velocidade o caminho todo. Eu vestia uma calça de espéleo e jaqueta Mountain Hardwear, boot 9.10. De moto é frio e queria diminuir as escoriações em caso de acidente. Também achava que seria uma festa típica de vilarejo sertanejo, lá é muito bonito. Mas já estava tudo fechado, quando chegamos. Normando é um cara gente fina, e não queria perder a viagem e nem que seu amigo não conhecesse os atrativos de sua região. Pois que ele me levou à uma balada em que na porta estacionavam mais de cem motos, dos mais variados modelos comuns aos motoboys de Sampa, placas de muitos estados, espelho retrovisor e motor de arranque como opcionais. Traje à rigor: bermuda, chinelo e camiseta. Muito ao contrário de Iraquara, aqui ninguém se surpreendeu com a minha presença e foi o lugar mais descontraído que encontrei.

    Nos dias seguintes às explorações guiadas, fui levado à mais três cavernas sem nome e nada visitadas. A primeira era horizontal, de fácil exploração, com poucos salões e muitos quebra-corpo. Nessa caverna fiz três incursões, duas acompanhado primeiro pelo Normando e depois com seu Francisco, um senhor muito da boa gente, nativo da região. Depois, ele me apresentou a segunda cave, precisava de equipamento de vertical, por isso não entramos. A terceira era uma belíssima entrada em 45 graus, teto côncavo liso, coberta de terra em sua base final, impedindo qualquer imersão. Honestamente? Fiquei louco para fazer um belo bar lá embaixo, com direito à mesa de bilhar. Voltei na cave vertical, ancorei, desci 25 metros de rapel. Total de duas imersões em solitário, de 5 e 8 horas respectivamente. Toda essa experiência gerou um belo post, Capitão Caverna, a ser publicado em breve, num blogus perto de você.

    Equipamento separado, mochila montada, hora de partir. Deixei muito do que não seria necessário na casa de Normando, a ser retirado ao voltar lá, semana que vem. Passei um dia inteiro apanhando do complicado sistema de transporte viário baiano, e cheguei a Lençóis. Por uma incrível coincidência trombei com um amigo meu, que me ofereceu estadia. No dia seguinte, parti para a Serra do Veneno, passei pela Toca da Onça e bivaquei na cachoeira do Palmital. Cinco passarinhos curiosos e esfomeados comeram na minha mão ou bem ao meu lado.

    No dia seguinte, rumo a parte de baixo da Fumaça, um dos lugares mais mesmerizantes que já vi na minha vida. Tudo muito grande. A cachoeira, sêca ou gotejante, parece lhe engolir. Ecos como no desenho do Pica Pau, com um tremendo atraso. E para a surpresa de todos, achei um drone caído entre as pedras, mas em perfeito estado não fosse pela ferrugem adquirida. Recuperei o cartão de memória e guardei a enorme bateria na mochila. Deixei o drone lá, bem à vista, mas levei fotos dele.

    A subida da Fumaça se deu pelo Morro do Macaco. Lembra-se da cena em que Frodo sobe enormes escadarias em Senhor dos Anéis? Pois então. E num calor de rachar. Cheguei ao topo extenuado, com os pés doendo, louco por um belo camping. E lá estava o belo camping, no melhor lugar do mundo, de frente ao abismo. Eu estava sozinho e não haviam placas alertando proibição. Não tive dúvida: montei minha barraquinha de frente para a melhor vista, fiz um jantar digno de peão de obra e minha noite escura foi agraciada por uma leve garoa e rasantes dos pássaros.

    Na manhã seguinte começam a chegar os turistas e seus guias e eu começo a espalhar meu equipamento ao sol para secar da umidade. Papo vai, papo vem:

    -- Então, deixa eu te dar um toque, aqui é proibido acampar.

    -- Mas não tem nenhuma placa avisando isso e eu estou há três dias sozinho no mato.

    -- É que também é proibido colocar placas.

    Caí na gargalhada sem pudores na mesma hora. Enfim, As pessoas iam indo e vindo, e eu ia puxando papo com cada um que passava ali, quando não acontecia o contrário, de pessoas virem puxar conversa, incluindo guias. Eu falava da noite explêndida que aquele lugar oferecia, dos prazeres de estar no mato, da importância do preparo, bom equipamento e cuidado com a natureza.

    Ao descer da montanha, pasei numa espécie de portaria para informar sobre o drone e informar que eu trouxe a bateria. Ignorando isso, o homem me dispara:

    -- Rapaz, eu recebi uma denúncia que você estava acampando no alto da Cachoeira da Fumaça. Isso daqui é um Parque Nacional e é proibido acampar naquele ponto dado alto índice de suicídios. Eu poderia aplicar-lhe uma multa de trinta mil reais ou alguns dias de reclusão, mas eu sou um cara gente boa e tô vendo que você também o é, portanto essa eu vou deixar essa passar. Você deu sorte, se fosse outro no meu lugar não deixaria barato e se tivesse um guia mais bruto lá em cima teria chutado seu equipamento. Saiba que eu já fui à delegacia por minha responsabilidade como administrador da guarita num suicídio ocorrido. Você deveria ter perguntado por isso em Lençóis.

    -- Bem, eu ouvi com atenção e educação tudo o que você me disse e portanto deixe eu lhe dizer o que penso disso: é a privatização da natureza. Todos os passeios aqui são guiados e o caminho é ridiculamente simples. Não há nenhuma placa lá em cima indicando a proibição ou o limite do parque: a proibição das placas é risível. Eu trouxe um lixo extremamente tóxico lá de baixo, e todo meu lixo dos dias no mato. Não vou perguntar nada para ninguém porque eu não preciso perguntar nada para ninguém. A natureza deve ser livre para todos. Se há um alto índice de suicídios aqui, o problema é de saúde pública, não do parque nacional. Como não existe quem vá filtrar quem é apto ou não, a saída mais fácil e obtusa é a proibição.

    Em tempo, na natureza não distingue o suícida ou o caminhante despreparado e bêbado do aventureiro experiente. Essas proibições que os Parques Nacionais impõe são uma grande palhaçada. Proibir é sempre o caminho mais fácil do que educar. Entendo que houveram alguns incidentes fatais no alto da Fumaça, portanto meu conselho é muito simples: uma única placa em que se lê: alto índice de mortes, não acampe aqui.

    O Capão é a comunidade mais bicho grilo que eu já vi na vida. Lá encontram-se lojinhas de roupas feitas no local, excelente comida com opções vegana e vegetariana, cursos e apresentações de dança e capoeira. As mulheres, em quantidade aparentemente superior à dos homens, é esguia e musculosa. Os homens, fortes e barbudos. As suas roupas também são peculiares, sempre no estilo ripie. Dos nativos da região, muitos rastafari e todos negros. E também muitos latino-americanos e franceses, vivendo uma vida simples e ecológica.

    Sempre carreguei equipamento em excesso. E também sempre ouvi que a Chapada deve ser feita da forma mais simples imaginável, até mesmo sem fogareiro ou barraca. Excluimdo esses exageros, entendi a simplicidade deste lugar. É esse senso de simplicidade que berrou dentro de mim naquela balada da Parnaíba. Separei uns dois quilos de coisas, deixei de presente para um amigão e parti para a travessia Vale do Paty-Mucugê. Muito menos peso, muito mais eficiência e aproveitamento. Que assim sejam as próximas aventuras!

    Lex Blagus
    Lex Blagus

    Publicado em 10/11/2014 15:50

    Realizada de 23/10/2014 até 01/11/2014

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    5 Comentários
    Renan Cavichi 10/11/2014 16:08

    Já tenho leitura garantida pra hoje a noite! Bem-vindo Lex! Parte da inspiração disso tudo é coisa sua! ;)

    Lex Blagus 10/11/2014 21:37

    Hehehhehehe... é o incrível mundo da aventura!

    Lex Blagus 10/11/2014 21:39

    Aliás, eu tive que apertar o título ChapadaDiamantina porque deu o máximo de caracteres.

    Lex Blagus 13/11/2014 12:56

    Por isso que eu vou apertar, mas não vou publicar agora...

    Mario Nery 09/01/2015 19:46

    ahuahauhauhuahuhauhauauhuahu melhor comentário ever!

    Lex Blagus

    Lex Blagus

    São Paulo - Brasil

    Rox
    32

    Um sujeitinho da pesada que vai aprontar altas confusões em eletrizantes aventuras com uma turminha do barulho!

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