Cabeço d’água
Carnaval com muita chuva na Chapada e um cabeço d’água que quase acaba com a festa!
Trekking Acampada CascadaFoi o plano B para o Carnaval. A ideia original era velejar para a baía de Camamu, mas não deu quorum. Neste interim o amigo Dantas estava procurando alguém para trilhar com ele na Chapada. Eu e Lucia topamos. Propus a cachoeira da Cravada em Riacho do Mel, Iraquara, recanto que sabia que estaria vazio, sem multidão.
A Chapada não é minha primeira opção nesta época. No verão chove bastante. Prefiro ir na seca, durante o inverno. Mas ela é linda de qualquer jeito.
Havia previsão de chuva sexta e sábado (25 mm cada dia) e pouca chuva domingo e segunda (5 mm/dia).
SEXTA (Carnaval comendo solto desde quinta em Salvador)
Partimos de Salvador 5 da manhã de sexta pois Lucia saiu de um plantão. Viagem tranquila, mas com atraso de uma hora devido a pista interrompida por um acidente envolvendo dois caminhões. A PRF estava retirando um deles, tombado da pista. Aproveitamos a parada para lanchar e calçar as botas de trilha. Com mais uma hora chegamos a Riacho do Mel e tocamos para o início da trilha.
Parada técnica nos Gerais do Dandá onde tiramos fotos.
Visu dos Gerais do Dandá
Chegamos no começo da trilha as 14 horas. Iniciamos a fácil subida de 40 minutos até o colo onde começa os gerais de cima da Cravada.
Subindo.
Gerais de cima, depois do colo.
Cascata formada apenas quando chove bastante.
Na primeira travessia de córrego da trilha encontramos um casal, ele holandês, ela baiana de Antas, com dois guias, descansando. Um dos guias era o Luciano que já conhecia de uma tentativa frustada de ir para a Cravada (ver Road trip parada n° 7: Riacho do Mel).
Prosseguimos. Cruzamos o mesmo riacho mais abaixo, bem cheio. Lucia e Dantas tiraram as botas e jogaram na outra margem, Eu, de tênis, vadeei o rio calçado.
Chegamos ao Poço da Sereia as 16 horas, passando pelas ruínas de uma casa da época do garimpo. Começou uma forte chuva. Armamos as tendas o mais rápido possível, porém o interior delas ficou molhado. As tendas não permitiam montar o sobreteto primeiro.
Ensopados depois que a chuva passou.
A chuva cessou justo ao acabarmos de montar as tendas. Deve ter durado uns 20 minutos. Enxugamos o interior das barracas e arrumamos então as coisas. Descemos então para um banho no rio da Cravada.
Muita água.
Setembro 2023, 6 meses antes.
Fiquei espantado com o grande volume de água. Em 7 de setembro passado o nível de água era bem menor.
Tiramos as roupas. Eu as coloquei numa laje seca uns 30 - 50 cm acima do nível da água. Fui para uma jacuzzi no meio do rio (uma fenda na laje do leito do rio, perpendicular ao fluxo d'água, criando um turbilhão). Chamei Lucia, mas ela preferiu tomar banho mais perto da margem.
Após uns minutos na jacuzzi decidi voltar para a margem para pegar o celular e tirar umas fotos. Aí vi que meu par de tênis, que ficou também na laje, estava sendo arrastado pelas águas. Cheguei a tempo justamente de agarrá-los. Rapidamente tirei a carteira, o celular e as chaves do carro que estavam poucos centímetros acima do tênis. Gritei para Dantas e Lucia que o rio estava subindo. Dantas percebeu e gritou para Lucia que estava absorta em sua banheira.
Uma grande quantidade de matéria orgânica começou a descer o rio (folhas, galhos) e, em seguida, uma grande massa de água negra inundou o poço da Sereia. Era água com terra negra arrancada das margens pelo cabeço de água. Desde o momento que resgatei meu tênis até o cabeço chegar não deve ter passado 2 a 3 minutos.
Ao invés da cor de Coca-cola típica das água da Chapada, todo o rio estava agora com uma água negra.
Eu, Lucia e Dantas assistiamos arrepiados o espetáculo, já seguros mais acima nas pedras da margem. Filmei o rio furioso (ver vídeo). Comentei a sorte que tivemos, particularmente eu que estava me banhando no meio do rio. Se tivesse ficado lá mais 3 minutos teria sido arrastado. E por poucos segundos minhas coisas seriam levadas se não tivesse voltado para a margem. Me imaginei regressando de ônibus para Salvador para buscar uma chave reserva do carro. O principal é que estávamos todos bem.
Ficou a lição. Mesmo com apenas 20 minutos de chuva forte podemos ter um cabeço d'água. E a enchente não chega logo depois da tempestade. No nosso caso levou cerca de meia hora após o final da chuva. Como o rio já estava muito cheio acreditávamos que não subia mais, que eventual cabeço já teria passado.
Voltamos para fazer o jantar.
Lucia não dormiu bem imaginando o rio chegando até nossas barracas. Disse-lhe que era impossível (estavamos a 10 metros acima do rio).
SÁBADO, explorando as redondezas.
Amanheceu nublado. Arrumamos as mochilas e fomos em direção a cachoeira da Cravada. Eu já a conhecia de setembro passado ( ver ""Caçadores de Cachoeira- Cravada").Disse a Lucia e ao Dantas que a ideia de acampar no poço inferior da Cravada estava abortada. Devia haver água na única clareira disponível para armar tendas. E a descida seria perigosa, pelas pedras escorregadias. Tentamos descobrir uma trilha para o topo da cachoeira mas em vão. O topo da Cravada fica num canion estreito, Parece ser muito dificil chegar lá. Desejava achar também a toca de dois andares mencionada pelo guia Luciano, na rápida conversa que tivemos ontem. Mas ela fica meio que escondida e não encontramos.
Lá embaixo passa a Cravada, pouco antes da cachoeira. Mas não havia trilha para descer. Queria ver o topo da cachoeira.
A chuva forte voltou a cair. Me atrapalhei para colocar o poncho. Disse uma torrente de palavrões pois ao acabar de vestir o poncho, já encharcado, o pior da chuva tinha passado. Apenas chuviscava.
Voltamos a ruína e lanchamos, já era meio-dia.
Lucia na cadeira improvisada do lanche.
Fomos então por outra trilha para explorar aonde ela iria dar. O caminho estava com muita água empoçada. Parte daquela trilha aproveitava antigos regos de garimpo, daí naturalmente receberem água da chuva. Lucia e Dantas se cansaram de pisar em água. Pedi para eles me esperarem que eu seguiria apenas por mais meia hora para ver se descobria um ponto legal para o acampamento da 2ª noite.
Trilha virou riacho.
A trilha esvaneceu e desisti de seguir em frente, voltando até eles após uma hora.
Decidimos então pegar uma trilha que também havia no Wikiloc, de Estiva-Afrânio Peixoto até a Cravada, fazendo em sentido inverso. Bem perto da ruína cruzamos um riacho tributario da Cravada (o mesmo que cruzamos duas vezes no primeiro dia). Logo depois chegamos no rio da Cravada, mais acima do poço da Sereia, com bem menos fluxo (pelo menos dois córregos alimentavam o rio entre aquele ponto e o Poço da Sereia).
Achamos dois pontos legais para armar tendas, a uma distância segura do rio. Um lajeado nas margens era um ótimo local para cozinhar e tomar banho. Pouco acima a trilha cruzava o rio num ponto fácil, e seguia para Estiva.
Ponto onde a trilha cruza o rio. Do outro lado se vê a subida na margem, rumo a Estiva.
O sol surgiu entre nuvens e ficamos no banho, desta vez mais atentos e perto da margem.
Desenho do filho de Dantas que ele prometeu que levaria para a trilha. Aqui a prova.
Dantas notou uma nuvem negra perto do acampamento. Corremos para preparar a comida pois cozinhar no avanço das tendas é um saco. Deu tempo para terminar a comida mas eu e Lucia comemos debaixo de chuva. Dantas terminou de cozinhar e comeu no avanço de sua tenda minimalista.
Estiou e fomos para o rio. Um cachorro irrompeu no campamento latindo muito e. sem cerimônia, fuçando os sacos de comida. Espantamos ele. Um casal surgiu, donos do cão. Ele carregando uma pequena espingarda e uma mochila meio esfarrapada. Ela, um saco com peneiras de garimpo. Estavam aproveitando o feriadão para garimpar.
Eles haviam descido para o poção inferior da Cravada e ela me mostrou um filme da cachoeira bombando. Me confirmaram que não daria para acampar lá embaixo. Atravessaram o rio e seguiram em direção a Estiva.
Dantas fascinado pelas histórias de garimpo contadas pelo homem começou a garimpar o cascalho do rio com as mãos!
Outra vez chuva forte outra e entramos nas tendas as 15 horas. Ficamos uma hora ouvindo a chuva caindo. Volta e meia uma rajada sacolejava a Mongar 2.
Ao estiar chequei o nível do rio. Tinha aumentado um pouco e estava ainda longe da cozinha e das barracas.
Havia emprestado meu poncho de silnylon para Dantas. A tenda dele estava gotejando nas costuras. A fita selante se desgrudou após algum tempo sem uso da barraca. O poncho-tarp cobriu as costuras e ele não teve mais problema de água na barraca. Estou cada vez mais adorando meu poncho pela versatilidade e conforto e convencido que é o ideal aqui na Chapada. Dantas disse que iria comprar um para ele. O meu está comigo há 10 anos.
De noite assistimos um filme besta na Netflix, no nosso cafofo. Dantas praguejou porque esqueceu de baixar filmes no celular dele.
E ele estava desolado porque imaginava a chuva até o dia seguinte, preso dentro de uma tenda com área mínima.
DOMINGO - trilha para Estiva
No dia seguinte uma névoa encobria a área.
Tomamos café tranquilos. Eu e Dantas resolvemos explorar a trilha para Estiva, atravessando o rio. Lucia decidiu ficar no acampamento descansando e meditando.
Atravessamos o rio e vimos do alto uma cachoeira bonita pouco acima no rio.
Percorremos a trilha por uma hora e meia (outro tanto para voltar).
O caminho passava por pastos verdejantes onde recentemente um fazendeiro havia tocado fogo. Prática infeliz para renovar o pasto. Queimou muita mata e subiu bem alto nas encostas das montanhas. Um crime, considerando que toda a área é uma APA.
Cupinzeiro grande na árvore.
Sempre que passava por uma mangabeira observava se havia frutos no chão.
Pega a visão!
Pegada de um canídeo.
De volta ao acampamento preparei para almoço um rösti suiço pré cozido que ganhei numa cesta de Natal. Legal, mas não soube fritar ele corretamente na frigideira (deve formar uma torta queimada ligeiramente nas bordas). Mesmo assim estava gostoso.
O resto da tarde foi de descanso e banho.
De noite, após o jantar, conversamos os três a beira do rio. Dantas queria fazer uma fogueira, mas sem chance. Lenha havia, entretanto ela estava saturada de água. Fomos para cama por volta de 21 horas.
Aranha passeando na laje, escutando nossa conversa.
Dia seguinte acordamos 6:30 e após o café começamos a arrumar as coisas.
Mochilas arrumadas.
Iríamos descer e seguir para Riacho do Mel e dali para o Camping Capão do Mel, onde passaríamos a noite de segunda para terça, quando voltaríamos para Salvador. A descida para o carro foi tranquila.
Voltando debaixo de chuva.
Temia atolar o veículo após tanta chuva mas isto não ocorreu. O tipo de solo daquela estrada de terra não é propenso a formar atoleiros.
No camping eu e Lucia armamos novamente a tenda, em cima de uma plataforma de madeira (um luxo) e Dantas optou por ficar num chalé.
Almoçamos, jantamos e tomamos café da manhã deliciosos, preparados por Elisangela. Notei que desde setembro passado haviam aprimorado ainda mais o camping. Ellon Musk estava presente, com uma antena da Star Link. Tinhamos wifi a vontade.
Por do sol espetacular.
Os paines solares não davam conta do recado devido as chuvas e o céu nublado. Edeilson teve de ligar o gerador.
Previsão de chuva bem furada. Choveu muito mais. Estas previsões multiplique por 2 ou 3 a quantidade de chuva prevista.
Despedida.
Viagem tranquila de volta para Salvador.
Dantas obteve no GPS o mapa de nossas caminhadas na região da Cravada.
Nosso Carnaval teve muita água e emoção!
Relato dedicado ao Dantas, grande trilheiro e amigo. Enfrenta bem os perrengues. Muito tempo sem acampar e pega de cara uma chuvarada destas.